Publicado em 5 de junho de 2025 às 04:39
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva será recebido nesta quinta-feira (5/6) pelo líder francês Emmanuel Macron em Paris, em sua primeira visita de Estado ao país europeu durante seu terceiro mandato.>
A viagem acontece após a passagem do chefe de Estado da França pelo Brasil em março do ano passado, quando os dois presidentes visitaram juntos a Amazônia, participaram de eventos oficiais em Brasília e assinaram acordos bilaterais nas áreas de meio ambiente, educação e transição energética.>
Ao longo da visita, as imagens dos dois líderes sorrindo, caminhando de mãos dadas e trocando gestos de afeto reforçaram a narrativa de um "bromance" diplomático, amplamente repercutido na imprensa internacional.>
E a expectativa é que o clima de amizade seja mais uma vez explorado nos próximos dias.>
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Para especialistas em política externa dos dois países, a relação entre Macron e Lula é, ao mesmo tempo, uma aposta de projeção internacional e uma estratégia pragmática de enfrentamento de crises internas por parte de ambos.>
Se, por um lado, o Brasil busca o apoio francês para aprovar o acordo União Europeia-Mercosul e fortalecer sua campanha por reforma no Conselho de Segurança da ONU, Paris também tem suas próprias agendas.>
"Um precisa do outro", diz Kevin Parthenay, professor de Ciência Política da Universidade de Tours e copresidente do Observatório para a América Latina e o Caribe da SciencesPo.>
"Macron e Lula compartilham muitas perspectivas comuns e também vivem realidades de certa forma semelhantes na política interna e internacional">
Entre os desafios partilhados pelos dois líderes está o enfrentamento de crises e oposição crescente no cenário doméstico, diz Carolina Pavese, doutora em Relações Internacionais pela London School of Economics (LSE) e especialista em Europa.>
"Os dois estão em uma situação frágil e encontram muita resistência por parte da oposição para poder avançar com a sua agenda de política doméstica", avalia a professora do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT).>
Do lado brasileiro, Lula governa com um Congresso onde não tem maioria sólida, especialmente na Câmara dos Deputados. Boa parte da base parlamentar é formada por partidos de centro e centro-direita (o chamado "centrão"), que negociam apoio caso a caso, o que obriga o governo a fazer concessões constantes em nome da governabilidade. Além disso, a oposição ligada ao ex-presidente Jair Bolsonaro continua ativa e vocal.>
Já Macron trabalha com um Parlamento fragmentado e depende do apoio de outras forças políticas para aprovar novas leis e projetos.>
Em 2024, o presidente francês dissolveu o Parlamento e convocou eleições antecipadas após sofrer uma dura derrota na votação do Parlamento Europeu, que teve o partido de direita radical Rassemblement National (Reunião Nacional) como grande vencedor. Nas legislativas no país, a coligação de Macron acabou ficando em segundo lugar, atrás da união de partidos de esquerda.>
Tanto Lula quanto Macron também têm visto sua popularidade entre o público cair.>
Segundo um levantamento do PoderData divulgado na terça-feira (3/6), a desaprovação do governo do presidente brasileiro atinge 56% da população.>
Já uma pesquisa Datafolha do início de abril apontava que 29% dos eleitores classificavam o governo como ótimo ou bom, 38% como ruim ou péssimo.>
Na França, apenas 26% da população demonstra uma visão favorável em relação a Macron, segundo um levantamento de abril da Ipsos em parceria com a Cesi École d'Ingénieurs para o jornal La Tribune Dimanche.>
Em setembro passado, após enfrentar a dissolução do governo, as eleições legislativas antecipadas e a dificuldade de formar um governo, o presidente francês atingiu seu pior desempenho nesse quesito, com 23% de aprovação.>
Por tudo isso, dizem os especialistas consultados pela BBC News Brasil, as relações bilaterais ganham mais relevância.>
Como destaca Pavese, "a política externa é o único campo onde Lula e Macron têm conseguido projetar vitórias".>
"A diplomacia é o campo que a oposição não consegue alcançar", afirma a professora do IMT.>
"Ambos precisam do cenário internacional para afirmar sua liderança e compensar o que sofrem no nível interno ou doméstico", diz ainda Kevin Parthenay.>
Ex-conselheiros de Macron para política externa afirmam ainda que o presidente francês vê o Brasil como uma ponte para expandir sua influência internacional.>
Como membro original dos Brics e uma das principais lideranças do Sul Global (termo usado para se referir a nações emergentes da América Latina, África, Ásia e Oceania), o país se apresenta como uma alternativa menos complicada de acesso a esses blocos do que China, Rússia ou Índia, diz Panthenay.>
"Falar com o Brasil é falar com o Sul Global", resume o professor da Universidade de Tours.>
E assim como o Brasil, aponta Carolina Pavese, a França tem buscado ocupar um papel de protagonismo regional, para o qual uma ampla e diversificada base de relações é necessária.>
"Com a Alemanha enfraquecida politicamente e o Reino Unido fora da União Europeia, Macron viu a oportunidade de se destacar como uma liderança do bloco e vem agindo para isso já há algum tempo", explica.>
A busca por mais protagonismo internacional do presidente francês se manifesta principalmente por meio das intervenções do governo em Paris nas tratativas sobre o conflito entre Rússia e Ucrânia e, mais recentemente, da adoção de uma postura mais dura em torno dos ataques de Israel a Gaza.>
Da mesma maneira, o Brasil e o governo Lula trabalham desde o início de seu mandato em uma campanha para ampliação do protagonismo global.>
"O país tenta voltar a ocupar um espaço de protagonismo, representando os países em desenvolvimento nesse novo jogo de xadrez das relações internacionais, principalmente a partir da retração dos Estados Unidos da agenda multilateral.">
O governo Lula também investiu em se posicionar como uma alternativa para a mediação da paz na guerra entre Rússia e Ucrânia, mas muitos críticos classificaram a empreitada como um fracasso.>
Algumas declarações do presidente brasileiro sobre a "falta de iniciativa" do líder ucraniano Volodymyr Zelensky nas negociações para um cessar-fogo e sua presença nas comemorações em Moscou do aniversário de 80 anos da vitória soviética sobre a Alemanha nazista na 2ª Guerra Mundial, também não ajudaram sua posição, dizem os especialistas.>
"Macron e Lula divergem em sua repressão ou oposição explícita ao [presidente russo] Putin", diz Pavese, em relação à postura mais dura adotada pelo líder francês — e por toda a Europa.>
"Essa divergência não é apenas uma questão de postura ideológica, mas de geografia. Esse conflito acontece no quintal da Europa e é uma questão de segurança nacional para a França. Já para o Brasil, não.">
Mas apesar das divergências em torno do conflito, Macron e Lula deram demonstrações de convergências em temas que vão do combate ao avanço da extrema-direita no mundo, defesa do meio ambiente e a necessidade de um cessar-fogo no conflito na Faixa de Gaza.>
A visão de mundo que compartilham inclui ainda a defesa de pautas como direitos humanos, igualdade de gênero e o multilateralismo. Segundo Pavese, essa sintonia simbólica ajuda a amortecer desacordos mais sensíveis.>
Está é a primeira visita de Estado de Lula à França em seu terceiro mandato como presidente.>
Lula se reuniu com Macron em Paris em junho de 2023, quando participou da Cúpula para um Novo Pacto Financeiro Global, mas a viagem não caracterizou uma visita de Estado.>
Esse tipo de evento conta geralmente com uma série de formalidades, como um convite oficial, uma recepção cerimonial e uma agenda abrangente que vai além de negociações ou compromissos específicos.>
A última visita de Estado de um presidente brasileiro à França ocorreu em 2012, durante o mandato de Dilma Rousseff.>
Em Paris, Lula será recebido nesta quinta em uma cerimônia oficial no pátio do Hôtel National des Invalides, um monumento histórico que abriga museus militares e o túmulo de Napoleão Bonaparte.>
Em seguida, se reúne com Macron no Palácio do Eliseu, sede do governo francês, em uma reunião entre as delegações dos dois países. Após o encontro a portas fechadas, é esperado que haja uma cerimônia de assinatura de atos.>
Segundo o Ministério de Relações Exteriores, os dois presidentes devem assinar 20 atos bilaterais, envolvendo acordos de cooperação na área de vacinas, de segurança pública, de educação e de ciência e tecnologia. Um anúncio de investimentos entre os dois países também é esperado.>
Também há expectativa de adoção de uma nova declaração dos dois líderes sobre mudança do clima, reforçando o engajamento de ambos os países e a mobilização internacional para a COP30, que será sediada pelo Brasil em novembro deste ano.>
O presidente brasileiro ainda foi convidado para um almoço privado e um jantar de gala, ambos na quinta-feira no Palácio do Eliseu.>
Também está previsto na agenda bilateral que Lula e Macron visitem uma exposição de artistas brasileiros no Grand Palais, um dos principais espaços de exposições do país.>
Além dos interesses em torno de projeção internacional e das agendas comuns, o Brasil também leva um programa próprio a Paris.>
Um dos focos do governo Lula é conseguir apoio para a aprovação do acordo União Europeia-Mercosul.>
O pacto foi assinado no final do ano passado, mas ainda precisa ser ratificado pelo Parlamento Europeu e os legislativos de cada país de ambos os blocos para entrar em vigor.>
Apesar das boas relações bilaterais, Macron declarou em inúmeras ocasiões sua oposição categórica ao tratado de livre comércio concluído em dezembro passado em Montevidéu, no Uruguai, reiterando que o texto finalizado, após 25 anos de discussões, é "inaceitável".>
A reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas também faz parte da agenda permanente de política externa brasileira.>
O país defende a ampliação do número de membros permanentes e não permanentes como forma de tornar o órgão mais representativo e democrático. O governo pleiteia uma vaga permanente, usando seu histórico de participação em missões de paz, sua dimensão territorial, população e influência regional como argumentos.>
"O Brasil precisa da França em sua campanha por um assento permanente no Conselho de Segurança e o governo francês já disse, clara e diretamente, que apoiaria o Brasil nesse sentido", aponta Kevin Parthenay, da Universidade de Tours e da SciencesPo.>
Lula também prepara o cenário internacional para a COP30, levando para Paris a posição oficial brasileira sobre proteção ambiental.>
Após os compromissos em Paris, o presidente seguirá para Nice, onde participa da Terceira Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos (UNOC3).>
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