Publicado em 13 de março de 2025 às 08:44
Apenas dois anos atrás, o nome da empresa dinamarquesa Novo Nordisk dificilmente chamaria a atenção.>
Mas a disparada das vendas de dois medicamentos para o tratamento de diabetes e obesidade – Wegovy e Ozempic – transformou a gigante farmacêutica em uma das empresas mais valiosas da Europa.>
A companhia divulgou, no início de fevereiro, que seus lucros antes dos impostos aumentaram em 22%, atingindo US$ 17,8 bilhões (cerca de R$ 103,4 bilhões).>
O sucesso também trouxe enorme impulso para a economia da Dinamarca, que passou a ser um dos países de maior crescimento na região. Da criação de novos empregos até a redução das taxas de financiamento imobiliário, os efeitos cascata da estratosférica demanda pelos dois medicamentos vêm sendo sentidos em todo o país.>
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Isso sem falar na minúscula cidade portuária de Kalundborg, uma comunidade com menos de 17 mil habitantes, onde agora se concentra um dos maiores investimentos da história da Dinamarca.>
Quando descem do trem nas proximidades de Kalundborg, a uma hora a noroeste da capital do país, Copenhague, os passageiros são recebidos pelo canto dos pássaros e pelo barulho das construções. É neste local improvável que, hoje, fica o epicentro de uma revolução global da perda de peso.>
No outro lado da ponte ferroviária, ficam os edifícios quadrados e cinzentos da extensa fábrica da Novo Nordisk. Ali, é produzida a metade da insulina do planeta. E também a semaglutida, o ingrediente ativo revolucionário do Ozempic e do Wegovy.>
"Somos o centro onde se inicia o remédio, a substância principal", conta o prefeito de Kalundborg, Martin Damm. Ele nos leva para visitar o perímetro da fábrica, um vasto terreno de 1,6 milhão de quilômetros quadrados, equivalente a 224 campos de futebol.>
"Agora, você está entrando na terra dos guindastes", anuncia Damm. Conto rapidamente cerca de 20 deles, erguendo novas estruturas de concreto e cabines temporárias.>
Aqui, será gasto o surpreendente valor de US$ 8,6 bilhões (cerca de R$ 49,9 bilhões) nos próximos anos, gerando 1.250 novos empregos, além dos 4,4 mil funcionários atuais da empresa. A obra também atraiu 3 mil operários da construção civil para a região.>
"Temos uma regra geral: cada emprego dentro da indústria gera três empregos fora dela", explica Damm.>
A economia de Kalundborg enfrentou altos e baixos ao longo do tempo. A cidade era um centro de construção naval e floresceu nos anos 1960, com a fabricação dos Carmen Curlers, uma espécie de bóbi para ondular os cabelos que era popular nos Estados Unidos, mas depois saiu de moda.>
Agora, parece que a cidade está revivendo. Enquanto dirigimos, Damm aponta para um posto de gasolina.>
"Todas as manhãs, o proprietário precisa assar 30 kg de carne de porco para os sanduíches. Todos esses operários gostam de sanduíches de carne de porco.">
Existem várias histórias de crescimento repentino do comércio. Um supermercado local aumentou suas vendas em cinco vezes e uma lanchonete fast food vendeu 17,5 mil cachorros-quentes em pouco mais de um mês, para operários da construção famintos em busca de um lanche rápido.>
Dois terços do crescimento do PIB dinamarquês vieram de apenas dois municípios. Ambos têm um ponto em comum: instalações da Novo Nordisk.>
Entre eles, Kalundborg observou uma taxa de crescimento surpreendente de 27% em 2022, segundo os dados mais recentes disponíveis. "Somos a número 1", declarou Damm.>
O prefeito destaca que o desemprego local, que era alto uma década atrás, agora é um dos mais baixos da região.>
A crescente arrecadação de impostos corporativos da Novo Nordisk ergueu as finanças do município. Isso permitiu a construção de uma piscina pública e a elaboração de planos para uma nova casa de cultura e biblioteca. Serão construídas mais de 1.250 residências e foi aberto o caminho para uma nova estrada até Copenhague.>
Mas, apesar de toda essa receita, as escolas primárias locais ainda estão atrasadas em matérias como Matemática. E há na região um alto índice de crianças acima do peso, o que vem gerando críticas.>
A BBC conversou com moradores de Kalundborg, que foram reticentes quanto aos benefícios verificados até aqui.>
"Empresas estão abrindo e fechando, é a mesma coisa", afirma Lonny Frederiksen, dona de um salão de cabeleireiros na cidade. "Mas os jovens, agora, têm mais oportunidades.">
Muitos trabalhadores usam o transporte público, em vez de morarem em Kalundborg, destaca Gitte Pedersen, cliente do salão. Ela também se desloca e lamenta o tráfego pesado. "Às vezes, preciso esperar [devido às] filas e não gosto disso.">
Mas ela está otimista sobre o futuro da cidade. "Irá trazer muitos empregos. Veremos a diferença daqui a alguns anos.">
Por um século, os negócios da Novo Nordisk se basearam na produção de insulina. Mas a descoberta do efeito da semaglutida para a perda de peso gerou uma reviravolta.>
"Ela está realmente se transformando em uma nova empresa", segundo o professor Kurt Jacobsen, da Escola de Negócios de Copenhague. Ele é o autor de um livro sobre a companhia.>
O Wegovy e o Ozempic pertencem a uma classe de drogas chamada GLP-1s. Elas ajudam a controlar o açúcar do corpo e a suprimir o apetite.>
O Ozempic foi aprovado nos Estados Unidos em 2017. E, em 2021, foi a vez do Wegovy, hoje disponível em 13 países, incluindo a China.>
As vendas da injeção semanal para perda de peso cresceram em 86% no ano passado. Já o Ozempic é o remédio para diabetes mais vendido do mundo e 45 milhões de pessoas fazem uso dos tratamentos oferecidos pela empresa.>
Mais da metade das vendas da Novo Nordisk foram para os Estados Unidos, onde dezenas de milhares de novos usuários de Wegovy se inscrevem a cada semana para conseguir a receita.>
O tratamento custa no país mais de US$ 1 mil (cerca de R$ 5,8 mil) por mês, em comparação com apenas US$ 92 (cerca de R$ 534) na Alemanha. Por isso, muitas seguradoras americanas se recusam a cobrir os custos do tratamento.>
Durante uma audiência no Congresso americano no ano passado, o senador Bernie Sanders perguntou repetidamente ao CEO (presidente-executivo) da Novo Nordisk, Lars Fruergaard Jørgensen, por que os americanos pagam mais pelo medicamento. Ele exigiu que a empresa "pare de nos espoliar!">
Em resposta, a companhia culpou as complexidades e os "intermediários" do sistema de saúde americano.>
Cerca de 800 milhões de pessoas vivem com obesidade em todo o mundo. Estima-se que o mercado global de tratamentos para perda de peso possa atingir US$ 150 bilhões (cerca de R$ 871 bilhões) em 2030.>
Este imenso mercado alimenta uma verdadeira corrida do ouro em toda a indústria, com as grandes empresas farmacêuticas em busca da próxima geração de medicações contra a obesidade.>
As líderes até o momento são a Novo Nordisk e a sua concorrente americana Eli Lilly, que produz medicamentos similares. Mas as duas fabricantes têm dificuldade para atender à demanda insaciável por seus produtos.>
Para ampliar a capacidade de produção, a Novo Nordisk deu início a uma onda colossal de gastos, totalizando vários bilhões de dólares.>
A empresa está ampliando suas fábricas na Dinamarca e construindo uma nova instalação no país. Além das fronteiras locais, ela também está conduzindo ampliações na França e nos Estados Unidos e adquiriu três fábricas de medicamentos da empresa americana Catalent.>
Para uma empresa sediada em um pequeno país com menos de seis milhões de habitantes, o crescimento da Novo Nordisk trouxe impactos desproporcionais.>
"Existem outras empresas com participação importante na economia, especialmente a [companhia de navegação] Maersk, mas nenhuma nesta escala", afirma o economista-chefe do Danske Bank, Las Olsen. "É a maior da história.">
Em 2023, a Dinamarca foi uma das economias que mais cresceram na Europa. O PIB do país aumentou em 2,5% – e metade deste crescimento foi gerado pelo setor farmacêutico.>
Após a grande expansão das exportações de medicamentos, o governo agora anuncia que o crescimento em 2024 foi de 3,0% e prevê 2,9% para este ano.>
O setor farmacêutico também é o que paga mais impostos no país. Ele é responsável por 20% de todos os novos empregos e muitos fundos de pensão e cidadãos dinamarqueses possuem ações de empresas do setor.>
Para Olsen, "de certa forma, a Dinamarca é como o resto da Europa, mas um pouco mais forte. E, com a Novo Nordisk somos muito mais fortes.">
Os dólares que chegam à Dinamarca provenientes da exportação pressionaram a moeda local. A consequência foi a redução dos custos dos empréstimos.>
"Temos taxas de juros levemente abaixo da zona do euro, o que é um resultado direto de todo esse fluxo de entrada de dinheiro", explica Olsen.>
Por outro lado, nos últimos meses, a cotação das ações da empresa, antes estratosférica, desabou. O motivo foi o resultado dos testes de dois novos tratamentos contra a obesidade, que decepcionou os investidores.>
O movimento de venda das ações foi tão grande que a própria coroa dinamarquesa sofreu uma rápida baixa. Mas os dados dos testes iniciais bem sucedidos de mais uma nova injeção semanal fizeram com que as ações subissem novamente em janeiro.>
Existe também o receio de que a Novo Nordisk esteja ficando maior que a Dinamarca e possa tornar a economia do país mais vulnerável. Surgiram comparações com a economia da Finlândia, que entrou em recessão em 2007, quando a gigante da telefonia celular Nokia não conseguiu competir com os novos smartphones.>
Mas a maioria dos especialistas que consultamos não tem tanto receio de um desfecho similar.>
"A maioria concorda que existe uma baixa probabilidade", segundo o presidente do Conselho Econômico da Dinamarca, Carl-Johan Dalgaard.>
"É claro que a probabilidade não é zero. Se você tiver uma economia que abriga superastros da indústria, a maioria irá achar que esta é uma grande vantagem.">
Mas, quando algumas empresas grandes dominam a economia do país (como é, cada vez mais, o caso da Dinamarca), podem surgir outras desvantagens, sugere Dalgaard.>
"Existe o receio de que, com a influência econômica, você possa também ver eventualmente surgir a influência política, o que pode trazer consequências.">
E existem novos riscos surgindo no horizonte.>
Em meio às tensões sobre o controle da Groenlândia, o presidente americano Donald Trump ameaçou impor possíveis tarifas de importação sobre os produtos dinamarqueses. E a primeira-ministra da Dinamarca, Mette Frederiksen, convocou recentemente os responsáveis pelas maiores companhias do país para uma reunião.>
"O lado americano indicou que, infelizmente, pode vir a haver uma situação na qual iremos trabalhar menos em conjunto do que atualmente", declarou ela.>
Entre os presentes à reunião, estava Jørgensen, da Novo Nordisk. Após o anúncio dos lucros da empresa, em 5 de fevereiro, ele declarou aos repórteres que a companhia está preparada, mas "não imune".>
"Tarifas de importação são sempre uma má ideia", segundo o pesquisador Jacob Funk Kirkegaard, do think tank (centro de pesquisa e debates) americano Instituto Peterson de Economia Internacional.>
Mas ele acredita que "de todos os países da União Europeia, certamente nenhum seria mais resiliente às tarifas americanas do que a Dinamarca. Uma empresa sofisticada como a Novo Nordisk (que também produz fora da Dinamarca) seria capaz de se isolar.">
Além da Novo Nordisk, existem diversas empresas multinacionais na Dinamarca. Elas incluem a gigante da navegação Maersk, a indústria de cerveja Carlsberg e o fabricante de brinquedos Lego. Muitas delas, em parte, são de propriedade de fundações beneficentes.>
Este modelo oferece estabilidade a longo prazo e dificulta a dissolução das empresas, segundo a vice-presidente da Câmara Dinamarquesa de Comércio, Mette Feifer.>
"Se a Novo Nordisk não fosse de propriedade de uma fundação, acho que ela não seria dinamarquesa hoje em dia", explica ela. "Ela teria sido vendida 10 ou 20 anos atrás.">
A fundação filantrópica da empresa, atualmente, é a mais rica do mundo. Em 2023, ela distribuiu US$ 1,3 bilhão (cerca de R$ 7,6 bilhões) em doações para centenas de projetos, na Dinamarca e no exterior.>
De volta a Kalundborg, um novo campus educacional se dedica a formar a próxima geração de profissionais de ciências da vida.>
Entre outras instituições, a Helix Lab é financiada pela Fundação Novo Nordisk. Ela oferece aos estudantes de mestrado acesso a laboratórios de pesquisa e contratações por empresas locais de biotecnologia.>
"Você tem a indústria do outro lado da rua e pode colaborar mais de perto com ela", afirma a estudante de engenharia química mexicana Maria Riquelme Jiménez. Ela espera, um dia, poder trabalhar na Novo Nordisk.>
"Realmente é uma vantagem para seus empregos futuros", destaca a diretora da Helix Lab, Anette Birck. E também ajuda a atrair talentos e fornecer oportunidades para os jovens de Kalundborg, segundo ela.>
Em frente à orla inteligente da cidade, fica a cafeteria Costa Kalundborg Kaffe, de propriedade do neozelandês Shaun Gamble.>
"Dirigindo pela área em construção, você fica surpreso com tanta grandiosidade para uma cidade pequena", ele conta.>
Sua cafeteria presenciou o aumento do número de clientes e de estudantes estrangeiros que se mudam para a região, além da abertura de empresas locais.>
"Houve uma mudança", ele conta. "Ainda está no começo, mas posso sentir.">
"Daqui a cinco anos, tudo será diferente por aqui – e melhor.">
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Business.>
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