Publicado em 10 de novembro de 2025 às 20:01
Desde a quinta-feira (6/11) no fim da tarde, quem consulta nomes na plataforma Nomes no Brasil do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não consegue mais ver os dados de qual é o signo astrológico ou do horóscopo chinês mais comum para aquele nome.>
Esse dado — um tanto exótico para uma publicação do IBGE, por não se tratar de uma estatística oficial — foi retirado do ar, após a BBC News Brasil questionar o fato de que, para a grande maioria dos nomes, a plataforma indicava que o signo mais comum era Aquário.>
O sinal de alerta surgiu porque os aniversariantes de Aquário são pessoas nascidas entre o final de janeiro e o começo de fevereiro, uma época historicamente de baixo número de nascimentos no Brasil, segundo dados do próprio IBGE.>
No país, a maioria dos nascimentos acontecem nos meses de março e maio — conforme reportagem publicada pela própria BBC em 2019. >
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Na segunda-feira (10/11), o IBGE confirmou que os dados estavam errados.>
"De acordo com a equipe técnica, houve de fato um erro de cálculo nos signos apresentados no site Nomes no Brasil. A informação foi retirada do ar, e quando os cálculos forem refeitos e revisados, serão disponibilizados novamente", informou o instituto.>
Questionado sobre por que signos foram incluídos num site estatístico oficial, o IBGE respondeu que isso foi feito "por mera curiosidade, para adicionar um pouco de leveza e ludicidade ao site". >
O site Nomes do Brasil foi lançado pelo IBGE na última terça-feira (4/11). A ferramenta interativa permite consultar a ocorrência, período de nascimento, concentração geográfica e idade mediana de pessoas com determinados nomes e sobrenomes, a partir de dados do Censo de 2022.>
Trata-se da segunda edição da ferramenta, que foi lançada pela primeira vez com dados do Censo de 2010 e idealizada pelo servidor Carlos Lessa como uma forma de dar visibilidade aos dados de nomes do Censo, sem ferir o sigilo individual das pessoas entrevistadas.>
A divulgação dos dados de 2022, feita na semana passada, já havia sido marcada por um outro erro.>
Os dados ficaram acessíveis pelos usuários por volta das 9h da manhã, quando a divulgação estava prevista para apenas às 10h. >
Assim, veículos de imprensa publicaram reportagens sobre os dados antes da divulgação oficial, o que é incomum para estatísticas do IBGE, que em geral trabalha com dados embargados, para garantir a isonomia de acesso entre os diversos usuários.>
A BBC News Brasil apurou que esse erro gerou desconforto dentro do próprio IBGE, sendo criticado reservadamente por servidores experientes.>
A edição do Censo de 2022 sofreu atraso devido à pandemia e a corte de verbas durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). >
A divulgação das estatísticas tem sido feita lentamente, devido à falta de servidores e recursos para processamento dos dados. >
"Me choca muito, justamente em função da falta de recursos humanos, que o IBGE agora esteja gastando recursos — os parcos recursos que tem — para fazer coisas lúdicas", diz Wasmália Bivar, ex-presidente do IBGE (2011-2016) e antes servidora de carreira do órgão estatístico, ao ser informada sobre o episódio pela BBC. >
"O IBGE tem que fazer o seu trabalho, não é animador de programa de auditório. O IBGE é uma instituição séria. É a imagem institucional do IBGE que acaba ficando comprometida por decisões assim. A existência do IBGE não pode ser comprometida com uma coisa assim tão — desculpe a palavra — leviana.">
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Desde o lançamento do site Nomes do Brasil, diversos usuários estranharam o fato de que, para quase todos os nomes pesquisados, a plataforma indicava que Aquário seria o signo mais comum.>
Segundo levantamento da BBC News Brasil, apresentado ao IBGE como parte do questionamento sobre o possível erro, dos dez nomes mais comuns de mulher, para nove a plataforma dizia que Aquário era o signo mais comum, sendo Antônia (Gêmeos) a única exceção.>
Entre os homens, eram sete dos dez mais comuns sob o signo de Aquário. As exceções — João (Câncer), Antônio (Gêmeos) e Pedro (Câncer) — são fáceis de entender, pois os signos batem com a data dos santos, quando nascem muitas pessoas que recebem seus nomes em homenagem. >
"Esse é um dado mais interessante do que o signo em si, porque mostra algo da religiosidade do brasileiro", comentou um técnico do IBGE em caráter reservado.>
O jornal O Globo chegou a registrar a estranha confluência de Aquário nos dados do IBGE em uma reportagem publicada na quarta-feira, 5 de novembro. >
No texto, o jornal listava que, dos 30 nomes mais populares do Brasil, 27 teriam Aquário como signo mais comum — dado que também foi levado pela BBC News Brasil ao IBGE como parte do questionamento.>
Naquela quarta-feira (5/11), a reportagem questionou o IBGE sobre o motivo da inclusão de signos no site Nomes do Brasil, e se o dado estava correto, diante dessas coincidências listadas acima.>
Na quinta-feira (6/1), o IBGE respondeu através de sua assessoria de imprensa que "é natural que um mesmo signo predomine na população. Se há uma época do ano com maior número de nascimentos, é provável que a maioria dos nomes tenha o mesmo signo como predominante".>
Com base nessa resposta, a reportagem da BBC News Brasil questionou novamente o IBGE, ressaltando que, segundo dados do próprio instituto, os brasileiros nascem mais em março e maio, e não em janeiro e fevereiro — meses do signo de Aquário, segundo a astrologia.>
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Número de nascidos por mês do ano, em milhares
Nota: Os dados somam 178 milhões (e não 210 milhões, população total do Brasil) porque a Pnad não consegue captar data e mês de nascimento para parte dos entrevistados, mas apenas a idade.Apenas após este segundo questionamento, a assessoria de imprensa do IBGE afirmou que os técnicos iriam verificar novamente a tabulação. >
O instituto também informou que, enquanto isso, a opção de consultar o signo relacionado a cada nome seria desativada — o que de fato foi feito, conforme constatou a reportagem da BBC News Brasil na própria quinta-feira.>
Incitada pela dúvida astrológica levantada pelo erro do IBGE, a reportagem da BBC News Brasil tentou, então, calcular qual seria o signo mais comum dos brasileiros.>
Para isso, utilizamos os microdados públicos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua de 2022 (mesmo ano da última edição do Censo) de nascimentos por dia do ano — dados obtidos a partir das datas de nascimento informadas pelos entrevistados.>
A partir desses dados, foi possível fazer o gráfico acima, confirmando que a maioria dos nascimentos no Brasil ocorrem nos meses de março e maio, como apontam outras estatísticas do IBGE, como as Estatísticas do Registro Civil, divulgadas em maio pelo órgão.>
Mas, ao tentar tabular os dados por signos, a BBC se deparou com um problema: o fato de que não há uma tabela oficial de datas dos signos.>
Os mais diversos sites sobre o tema trazem datas diversas. Por exemplo, as datas dos signos na Wikipédia em português não batem com a Wikipédia em inglês.>
O horóscopo do jornal Folha de S. Paulo, dos sites Personare, João Bidu, Susan Miller e até da Enciclopédia Britânica trazem cada um pequenas variações no que seriam as datas de cada signo.>
O site Personare, um dos maiores de astrologia do Brasil, explica que as datas dos signos variam anualmente, porque dependem dos movimentos do Sol.>
"As tabelas com datas fixas foram criadas no início do século 20 pelo astrólogo inglês Alan Leo, para simplificar a Astrologia. Assim, ele definiu datas fixas para os signos de cada mês, permitindo que as pessoas descobrissem seus signos solares sem precisar de cálculos complexos. No entanto, essa abordagem não reflete a variação real das datas astrológicas", diz o site místico.>
"Se você nasceu na virada de um signo, precisa conferir o horário exato do Sol", completa o site.>
Nas duas simulações feitas pela BBC, com base nas datas dos signos oferecidas pelo site F5 da Folha de S. Paulo e pelo site Personare, o signo mais comum do Brasil foi Câncer.>
Isso acontece porque, apesar de Câncer abranger os aniversariantes do fim de junho a meados de julho (meses com menos nascimentos do que março e maio), nos dois calendários, Câncer tem 32 dias de duração, ultrapassando outros signos cujos intervalos variam de 29 a 31 dias.>
Assim, nestes levantamentos, o dia a mais de Câncer dá ao signo a primazia no Brasil, apesar da concentração de nascimentos maior em março e maio.>
Afora essa coincidência de Câncer no topo nos dois levantamentos, a ordem dos signos em seguida varia, dependendo das ligeiras mudanças de datas entre cada uma das tabelas utilizadas.>
A experiência de tentar reproduzir o cálculo do IBGE e a constatação de que não existem dados padronizados sobre as datas dos signos, e que um dia a mais ou a menos na tabela escolhida afeta muito os resultados finais, revela, porém, a fragilidade da inclusão de dados astrológicos em um site estatístico oficial.>
A BBC News Brasil questionou o IBGE sobre quais datas foram usadas pelo instituto para fazer seu levantamento astrológico no site Nomes no Brasil, já que não existem dados oficiais sobre signos.>
O instituto respondeu apenas que "como a Pnad Contínua é um levantamento amostral, que não pega toda a população brasileira, é possível que, mesmo após a correção dos dados, eles possam apresentar alguma diferença" com relação aos dados do Censo.>
A BBC insistiu que gostaria de ter acesso às datas mesmo assim, por uma questão de transparência e já que elas não foram incluídas na Nota Técnica do site, mas não recebeu uma resposta até a publicação desta reportagem.>
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