Publicado em 20 de junho de 2025 às 05:39
A escalada do conflito entre Israel e Irã nos últimos dias voltou a chamar a atenção para o programa nuclear israelense.>
O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, justificou os ataques como uma ação para impedir que Teerã construa armas nucleares. >
"Se não for impedido, o Irã poderá produzir uma arma nuclear em muito pouco tempo", disse Netanyahu.>
O Irã nega que esteja buscando desenvolver armas nucleares. Segundo as autoridades iranianas, seu programa de enriquecimento de urânio — que é visto com desconfiança e preocupação por Israel, Estados Unidos e outros países — tem fins pacíficos, como o uso em energia, medicina ou agricultura.>
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O governo israelense, por sua vez, adota historicamente uma política de não confirmar nem negar que tenha armas nucleares.>
"Israel nunca assumiu uma posição oficial", diz à BBC News Brasil o diretor sênior de políticas do Centro para o Controle de Armas e Não Proliferação, John Erath.>
"Eles sempre se apoiaram na ambiguidade: nunca declararam ter capacidade de armas nucleares, mas também nunca declararam que não a possuíam", ressalta Erath, cuja organização reúne análises e pesquisas sobre controle de armas e não proliferação.>
No entanto, Israel é amplamente considerado um dos nove países do mundo que têm armas nucleares atualmente — ao lado de EUA, Rússia, China, França, Reino Unido, Paquistão, Índia e Coreia do Norte.>
"Estima-se que Israel possua cerca de 90 armas nucleares", diz a Campanha Internacional para a Abolição de Armas Nucleares (ICAN, na sigla em inglês), coalizão global com sede na Suíça, que foi agraciada com o Prêmio Nobel da Paz em 2017.>
Esse cálculo é semelhante ao de várias outras organizações, incluindo a Federação de Cientistas Americanos (FAS), fundada em 1945 e que tem o objetivo declarado de "minimizar os riscos de ameaças globais significativas, decorrentes de armas nucleares, agentes biológicos e químicos e mudanças climáticas".>
Além disso, estima-se que Israel tenha estoque de material físsil (que pode passar por fissão nuclear) suficiente para cerca de 200 armas. No entanto, o sigilo torna difícil traçar um retrato mais preciso do programa nuclear israelense.>
"Como Israel se recusa a confirmar ou negar a existência dessas armas, pouco se sabe sobre seu arsenal, mas especialistas acreditam que pode lançar armas nucleares por meio de mísseis, submarinos e aeronaves", diz a ICAN.>
O número estimado de 90 armas nucleares em Israel é o segundo menor entre os nove países citados, depois da Coreia do Norte. >
Segundo estimativas da FAS, esses nove países têm um total de cerca de 12.300 ogivas nucleares, quase 90% das quais pertencentes aos EUA ou à Rússia.>
"O número exato de armas nucleares em posse de cada país é um segredo nacional guardado a sete chaves, portanto, as estimativas contêm uma incerteza significativa", escreveram membros do Projeto de Informação Nuclear da FAS, em comentário sobre o status global de armas nucleares.>
"Contudo, apesar dessas limitações, informações publicamente disponíveis, análise cuidadosa de registros históricos e vazamentos ocasionais tornam possível fazer as melhores estimativas sobre o tamanho e a composição dos estoques.">
Apesar de o programa israelense estar envolto em segredo, investigações históricas e uma série de documentos vazados ou desclassificados ao longo das décadas dão uma ideia de seu desenvolvimento.>
Acredita-se que o programa tenha suas origens na década de 1950, e que a primeira arma nuclear operacional tenha sido construída na década de 1960.>
"[Os líderes israelenses] viam o projeto nuclear como um compromisso para assegurar o futuro do país — uma promessa de 'nunca mais', forjada pela lembrança do Holocausto", escreveram em fevereiro, na revista Foreign Policy, dois especialistas no programa nuclear israelense, Avner Cohen e William Burr.>
Cohen é autor de vários livros sobre o assunto e professor do Instituto Middlebury de Estudos Internacionais, na Califórnia. >
Burr é diretor do Projeto de Documentação Nuclear no Arquivo de Segurança Nacional da Universidade George Washington.>
"Audácia, artimanhas e dissimulação foram elementos cruciais na execução incansável do percurso nuclear de Israel", disseram os autores, ao comentar a divulgação de novos documentos históricos desclassificados e o fato de que os EUA inicialmente não tinham conhecimento sobre a extensão do projeto.>
Nos últimos anos, declarações de algumas autoridades israelenses também foram interpretadas como indícios de que o país tem armas nucleares. >
Em 2023, em meio ao conflito em Gaza, o ministro do Patrimônio, Amichai Eliyahu, sugeriu em entrevista à imprensa local lançar uma bomba atômica no território palestino.>
As estimativas sobre os estoques de armas nucleares no mundo indicam uma redução significativa desde o período da Guerra Fria (1947-1991), quando os arsenais chegaram a cerca de 70 mil ogivas, segundo a ICAN.>
No entanto, a velocidade das reduções tem diminuído, e a expectativa da ICAN, da FAS e de outras organizações é a de que os arsenais devem aumentar ao longo da próxima década. >
Acredita-se que, enquanto alguns países estão reduzindo seus números, outros estão aumentando.>
O governo israelense é um dos poucos que não assinaram o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), acordo internacional que entrou em vigor em 1970 e tem adesão de 190 países.>
Os signatários se comprometem em prevenir a proliferação dessas armas e promover o uso de energia nuclear para fins pacíficos.>
Segundo a Associação de Controle de Armas, organização com sede nos EUA, "o TNP tem a mais ampla adesão de qualquer acordo de controle de armas, com apenas Sudão do Sul, Índia, Israel e Paquistão permanecendo fora do tratado".>
Além desses quatro países, que nunca assinaram o acordo, a Coreia do Norte, que era signatária, retirou-se formalmente em 2003.>
O TNP classifica os países em duas categorias: os Estados com armas nucleares, que incluem EUA, Rússia, China, França e Reino Unido, e os que não possuem essas armas. >
Quando o tratado foi negociado, os cinco já eram potências nucleares, e o objetivo era impedir que esse rol se expandisse.>
O TNP considera Estados com armas nucleares apenas aqueles que "fabricaram e detonaram uma arma nuclear ou outro dispositivo nuclear explosivo antes de 1º de janeiro de 1967".>
Assim, caso Israel, Índia ou Paquistão decidissem aderir, precisariam fazê-lo como "Estados não possuidores de armas nucleares". >
Com isso, teriam de desmantelar suas armas nucleares e colocar seus materiais nucleares sob salvaguardas internacionais, como fez a África do Sul ao aderir ao TNP, em 1991.>
Documentos da década de 1960 compilados pelo Arquivo de Segurança Nacional da Universidade George Washington indicam que, inicialmente, os EUA esperavam que Israel fosse aderir ao TNP. Mas o governo israelense decidiu não assinar o tratado.>
"No início, Israel via seu programa nuclear como uma apólice de seguro que protegeria a sobrevivência da nação em circunstâncias extremas", diz à BBC News Brasil o especialista em proliferação nuclear Nicholas Miller, professor da Dartmouth College, universidade no Estado de New Hampshire.>
"A adesão ao TNP removeria a dissuasão que os líderes israelenses acreditam que suas capacidades nucleares proporcionam", destaca.>
"Agora que Israel tem superioridade em forças convencionais sobre todos os seus rivais, os líderes israelenses provavelmente veem seu programa nuclear como uma salvaguarda contra riscos futuros — por exemplo, a possibilidade de um de seus rivais adquirir armas nucleares", observa Miller.>
Erath, do Centro para o Controle de Armas e Não Proliferação, lembra que Israel está "cercado por países que lhe são hostis".>
"Portanto, Israel sente que as armas nucleares são essenciais como uma garantia de sua contínua existência", afirma Erath.>
Em um relatório no ano passado, a ICAN ressaltou que "os EUA adotaram uma política de não pressionar Israel a aderir ao TNP" — uma visão compartilhada por várias outras organizações.>
"Eles não sofreram muita pressão dos EUA, em parte devido à forte relação entre Israel e Washington, e em parte porque Israel manteve suas capacidades nucleares ambíguas e não desafiou abertamente o regime de não proliferação", afirma Miller.>
O professor ressalta, porém, que rivais de Israel há muito defendem uma zona livre de armas nucleares no Oriente Médio, como forma de pressionar diplomaticamente o governo israelense sobre seu programa nuclear.>
A postura de Israel e dos EUA atrai críticas de que poderia comprometer esforços de não proliferação e desestabilizar a região. >
Também há críticas pela falta de transparência e pelo que é percebido por alguns como hipocrisia — já que Israel tem um histórico de esforços diplomáticos e militares para impedir que outros países da região adquiram armas nucleares.>
"A posse de armas nucleares por Israel, e a aceitação pública tácita dos EUA e de muitos governos ocidentais, representam um claro risco de proliferação e podem ter encorajado outros governos na região a considerar o desenvolvimento nuclear no passado", diz o relatório da ICAN.>
Para Miller, "não há dúvida de que o programa nuclear de Israel estimulou outros países na região a iniciar seus próprios programas de armas nucleares, o que tem gerado tensão no regime de não proliferação".>
"Em épocas diferentes, Iraque, Irã, Líbia e Síria buscaram armas nucleares, e cada um deles foi motivado, ao menos em parte, pelo desejo de igualar a capacidade nuclear de Israel", afirma o professor.>
Miller lembra também que, dentro de Israel, o sigilo em torno do programa "é criticado por inibir o debate democrático sobre a política nuclear" do país.>
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