Publicado em 16 de julho de 2025 às 12:25
O governo de Donald Trump anunciou nesta terça-feira (15/07) ter iniciado uma investigação sobre o que chamou de práticas comerciais "desleais" do Brasil.
O objetivo da investigação é analisar se políticas brasileiras na área de comércio seriam "irracionais ou discriminatórias" e se "oneram ou restringem o comércio dos EUA", segundo um comunicado do Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR, na sigla em inglês), uma agência do governo federal.
Na quarta-feira passada (09/07), o presidente Trump anunciou uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros a partir de 1º de agosto, mencionando uma "caça às bruxas" contra o ex-presidente Jair Bolsonaro na Justiça.
O brasileiro é réu por tentativa de golpe de Estado e por liderar uma organização criminosa armada, entre outras acusações. Nesta segunda-feira (14), a Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu a condenação de Bolsonaro pelos crimes aos quais responde no Supremo Tribunal Federal (STF).
Na semana passada, na carta postada em sua rede social e endereçada ao Brasil, Trump já havia pedido a investigação comercial, agora recém-confirmada.
O embaixador do comércio dos EUA, Jamieson Greer, disse que a investigação foi iniciada por ordem de Trump "sobre os ataques do Brasil às empresas americanas de mídia social, bem como outras práticas comerciais desleais que prejudicam empresas, trabalhadores, agricultores e inovadores tecnológicos americanos".
"O USTR detalhou as práticas comerciais desleais do Brasil, que restringem a capacidade dos exportadores americanos de acessar seu mercado há décadas, no Relatório Nacional de Estimativa de Comércio (NTE). Após consultar outras agências governamentais, consultores credenciados e o Congresso, determinei que as barreiras tarifárias e não tarifárias do Brasil merecem uma investigação completa e, potencialmente, uma ação corretiva", escreveu Greer no comunicado.
O texto lista argumentos para investigar áreas específicas na atuação do Brasil:
Em reportagem publicada pelo The New York Times, a investigação anunciada é classificada como "uma das mais potentes armas de comércio" dos Estados Unidos.
Segundo o jornal, a medida também representa uma "escalada na disputa repentina que renovou os debates sobre a extensão dos poderes tarifários de Trump e a interferência que isso pode ter na política de outros países".
Ainda de acordo com a reportagem, a investigação pode resultar em tarifas adicionais ao Brasil.
Após o anúncio de Trump, institutos de pesquisas no Brasil avaliaram a repercussão da medida sobre a popularidade de Lula e a reação do presidente brasileiro.
A pesquisa Atlas/Bloomberg, que colheu respostas entre a sexta-feira (11/7) e o domingo (13/7), mostrou uma variação positiva de 2,4 pontos percentuais na aprovação do presidente, que passou de 47,3% em junho para 49,7%. A desaprovação saiu de 51,8% para 50,3%.
O resultado indica um empate entre o índice de aprovação e desaprovação de Lula, já que a diferença está dentro da margem de erro de 2 pontos percentuais.
O levantamento aponta ainda que 62,2% dos brasileiros acham a tarifa de Trump injustificada, contra 36,8% que avaliam como justificada; 50,3% dizem que a medida configura uma ameaça à soberania nacional, contra 47,8% que discordam da afirmação; e 44,8% acharam a resposta do governo adequada, contra 27,5% que consideraram "agressiva" e 25,2% que a consideraram "fraca".
Para 40,9% dos entrevistados, a tarifa de Trump é uma retaliação ao papel do Brasil no Brics - e 36,9% acham que o principal motivo é a atuação da família Bolsonaro.
A pesquisa Atlas/Bloomberg ainda questionou os entrevistados sobre a política externa do governo: 60,2% das pessoas disseram aprovar a política externa de Lula, e 61,1% responderam que o atual presidente representa melhor o Brasil internacionalmente do que Bolsonaro.
Em relação ao levantamento anterior sobre o tema, de novembro de 2023, a melhora é substancial: subiu 10,6 pontos percentuais na aprovação da política externa e 10,1 pontos percentuais na comparação com Bolsonaro.
Segundo a Atlas/Bloomberg, Trump é visto negativamente por 63,2% dos brasileiros, o maior índice da série iniciada em novembro de 2023 e alta de 6 pontos percentuais na comparação com o mês passado.
Outra pesquisa que avaliou o impacto das tarifas no Brasil foi a Genial/Quaest, realizada entre a quinta-feira (10/7) e a segunda (14/7).
Segundo o levantamento, o governo Lula agora é desaprovado por 53% dos brasileiros, uma oscilação de 4 pontos para baixo, em relação ao levantamento anterior, de maio. A aprovação da gestão petista oscilou para cima, saindo de 40% para 43%.
O pesquisa perguntou se Trump está certo ou errado de impor taxas por acreditar que há uma perseguição a Bolsonaro no Brasil. Para 72%, o americano está errado; para 19%, ele está certo.
Sobre a reação de Lula à crise, 53% dizem que o presidente está certo ao "reagir com reciprocidade", enquanto 39% responderam que ele está errado.
As falas de Lula no Brics também aparecem como o principal motivo para a tarifa de Trump, na avaliação de 26% dos entrevistados pela Quaest. Para 22%, foram a ações no STF contra Bolsonaro que realmente provocaram Trump a anunciar a medida; e, para 17%, o motivo é a influência de Eduardo Bolsonaro nos EUA.
As duas pesquisas apontam um pessimismo do brasileiro com a economia daqui para frente: 43% responderam que esperam uma piora da economia no próximo ano, segundo a Quaest, o maior índice da série histórica com início em junho de 2023.
Já segundo a Atlas/Bloomberg, 48,6% dos brasileiros esperam um alto impacto das medidas de Trump e 14,8%, um impacto "muito alto". Outros 72% acham que o ritmo de crescimento econômico vai diminuir
Na terça-feira (15/7), Trump conversou com jornalistas e afirmou que impôs as tarifas sobre o Brasil porque, segundo ele, "pode fazer isso".
Ele também afirmou querer que mais dinheiro entre na economia dos Estados Unidos.
"Estamos fazendo isso porque eu posso fazer. Ninguém mais seria capaz", disse o presidente americano, direto da Casa Branca, em Washington.
"Temos tarifas em vigor porque queremos tarifas e queremos o dinheiro entrando nos EUA", acrescentou.
No mesmo dia, Trump já havia dado novas declarações em apoio a Bolsonaro. Na ocasião, ele reagiu ao pedido de condenação feito pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
O presidente dos EUA ponderou que não é amigo de Bolsonaro, mas trata-se de alguém que ele conhece.
"O presidente Bolsonaro é um bom homem. Conheci muitos primeiros-ministros, presidentes, reis e rainhas, e sei que sou muito bom nisso. O presidente Bolsonaro não é um homem desonesto. Ele ama o povo brasileiro. Ele lutou muito pelo povo brasileiro", defendeu Trump.
Ele também voltou a usar o termo "caça às bruxas" para classificar o julgamento do ex-presidente brasileiro no STF.
"Ele [Bolsonaro] negociou acordos comerciais contra mim em nome do povo brasileiro, e foi muito duro, porque queria fazer um bom negócio para seu país. Ele não era um homem desonesto. Acredito que isso seja uma caça às bruxas e que não deveria estar acontecendo", complementou Trump.
Em reportagem, o New York Times analisa que, "ao mirar o Brasil, Trump desencadeou queixas de usar os poderes comerciais para acertar contas políticas".
"O presidente alegou ampla autoridade para emitir impostos elevados, mesmo sem a aprovação expressa do Congresso, na tentativa de combater o déficit comercial do país, abordar questões de segurança e, às vezes, interferir em assuntos internos de outro país", destaca o jornal.
Desde o anúncio das novas tarifas contra o Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vem defendendo a soberania das instituições brasileiras, inclusive da Justiça, e rejeitando a tutela estrangeira.
Lula não descarta responder na mesma medida às tarifas de 50% — na segunda-feira, o presidente assinou um decreto que regulamenta a Lei da Reciprocidade Econômica.
O Planalto ainda não estabeleceu detalhes de como responderia às tarifas americanas e que setores seriam afetados, mas a regulamentação do decreto dá ao governo brasileiro "munição" para eventualmente reagir a partir do 1° de agosto, data prevista para a entrada em vigor das tarifas anunciadas por Trump.
Em entrevista à TV Globo na semana passada, porém, Lula afirmou que priorizaria, como resposta inicial às tarifas americanas, recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC) e a um comitê com empresários atuantes no Brasil, reunidos recentemente em busca de possíveis soluções.
Produtores de suco de laranja e de aço, além da Embraer, estão entre os setores brasileiros que mais podem ser afetados pelas tarifas americanas.
Dos Estados, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais lideraram o total de valor exportado para os EUA de janeiro a junho.
No ano passado, o comércio entre Brasil e EUA foi de US$ 90 bilhões.
Washington reportou um superávit com o Brasil de US$ 7,4 bilhões em 2024, um aumento de 33% em relação ao ano anterior.
Embora na carta de 9 de julho Trump não tenha citado diretamente o ministro Alexandre de Moraes, do STF, o presidente americano afirmou que um julgamento contra Bolsonaro "não deveria estar acontecendo".
Moraes é relator do processo contra Bolsonaro e de vários inquéritos mirando o ex-presidente e seus apoiadores.
A carta de Trump também justificou as tarifas mencionando decisões do STF que puniram plataformas de mídia social dos EUA com multas e com a saída do mercado de mídia social brasileiro.
Moraes também protagonizou essas decisões — no início do ano, a plataforma de vídeos Rumble saiu do ar por ordem do ministro, que argumentou que a empresa descumpriu ordens para suspender contas de investigados.
Na sexta-feira passada (11), Moraes ordenou o bloqueio de mais uma conta no Rumble, desta vez do comentarista Rodrigo Constantino.
A Rumble e a Trump Media, empresa do presidente americano que controla a rede Truth Social, apresentaram uma petição à Justiça americana na segunda-feira questionando a exigência brasileira.
Ambas já estão movendo uma ação contra Moraes na Justiça americana.
Em um contexto parecido, a rede social X, do bilionário Elon Musk, também ficou fora do ar no Brasil por ordem de Moraes, durante alguns dias no ano passado.
Musk, que apoiou fortemente Trump em sua campanha e chegou a fazer parte do governo americano, fez na ocasião comentários públicos criticando o ministro brasileiro.
Com pressão de Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho de Jair Bolsonaro que se licenciou do cargo de parlamentar para morar nos EUA, o governo americano já deu sinais de que considera impor sanções contra Moraes.
Em maio, o secretário de Estado do país, Marco Rubio, afirmou que a Casa Branca está analisando punir Moraes com base na Lei Global Magnitsky.
As possíveis punições com base nessa lei incluem o bloqueio de bens e contas nos EUA, além da proibição de entrada em território americano.
*Com informações de Osmond Chia, da BBC News; e da BBC News Brasil em Brasília
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