Publicado em 27 de novembro de 2024 às 07:43
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes retirou o sigilo sobre o relatório da Polícia Federal (PF) que detalha a tentativa de um "golpe de Estado e abolição do estado democrático de direito" no Brasil.>
De acordo com o inquérito, o objetivo era "tentar manter o então presidente da república Jair Bolsonaro (PL) no poder", restringir "o exercício do Poder Judiciário" e impedir "a posse do então presidente da república eleito" — no caso, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).>
A investigação aponta para a existência de uma "organização criminosa" dividida em vários grupos, com diversas ações planejadas, que envolviam até planos de assassinar Moraes, Lula e o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB).>
A apuração apontou que toda a operação não foi para frente, entre outros motivos, pela falta de adesão de duas figuras-chave do alto escalão militar brasileiro: o general Marco Antonio Freire Gomes, comandante do Exército, e o tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, líder da Aeronáutica.>
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O nome de Freire Gomes é citado 141 vezes no relatório da PF recém-divulgado. Já Baptista Junior aparece em 48 trechos do texto.>
"Após, finalizar os termos do decreto [do golpe], o então presidente Jair Bolsonaro mandou chamar ao Palácio do Alvorada os Comandantes das Forças Armadas almirante Garnier (Marinha), general Freire Gomes (Exército) e o ministro da Defesa Paulo Sérgio", relata a PF.>
"O objetivo naquele momento era obter o apoio dos comandantes, para que as Forças Armadas garantissem a consumação da empreitada criminosa. Os comandantes do Exército e da Aeronáutica se posicionaram contrários a aderir a qualquer plano que impedisse a posse do governo legitimamente eleito. Já o comandante da Marinha, almirante Garnier, colocou-se à disposição para cumprimento das ordens", complementa o texto.>
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Marco Antonio Freire Gomes nasceu em Pirassununga, no interior de São Paulo, em 31 de julho de 1957.>
Ele entrou para o meio militar no início dos anos 1980, quando virou aspirante a oficial de cavalaria. >
O futuro general também atuou como instrutor na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), trabalhou como adido militar na Espanha e comandou o 1º Batalhão de Ações e Comandos, em Goiânia.>
Já como general, Freire Gomes foi secretário-executivo do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), comandou a Brigada de Operações Especiais em Goiânia, liderou a 10ª Região Militar, em Fortaleza, e assumiu o posto de comandante Militar do Nordeste.>
Antes de comandar o Exército, ele liderava o Comando de Operações Terrestres (Coter), que é considerado um dos postos de maior prestígio do Exército brasileiro.>
Freire Gomes foi promovido à comandante do Exército por Bolsonaro em março de 2022 e ocupou o posto até dezembro desse mesmo ano. Ele substituiu o general Paulo Sérgio Nogueira, que saiu do cargo para assumir o Ministério da Defesa — e aparece na lista de investigados da PF.>
A investigação da tentativa de golpe relata que o general tinha uma postura "legalista" e mostrou "resistência" a qualquer empreitada de desrespeitar o resultado das eleições de 2022.>
"Diante do cenário de resistência do general Freire Gomes, no dia 9 de dezembro de 2022, o então Presidente Jair Bolsonaro, após realizar alguns ajustes, 'enxugando' a minuta do Decreto, convocou o general Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira, comandante do Comando de Operações Terrestres - COTER para uma reunião no Palácio do Alvorada. No encontro, o general aceitou cumprir as determinações, relacionadas ao Golpe de Estado, caso o então Presidente da República assinasse o decreto", diz um trecho do relatório.>
A resistência do comandante do Exército gerou pressões e ataques das chamadas "milícias virtuais".>
"Nesse contexto, Braga Netto [candidato a vice-presidente da chapa de Bolsonaro] determinou a Ailton Gonçalves Barros que direcionasse ataques pessoais (inclusive a familiares) ao então comandante do Exército", diz a PF.>
Em depoimento colhido durante a investigação, Freire Gomes confirmou que foi pressionado diversas vezes a aderir ao plano golpista.>
Inclusive, ele detalhou que partipou de reuniões no Palácio do Alvorada após o segundo turno das eleições "em que o então Presidente da República Jair Bolsonaro apresentou hipóteses de utilização de institutos jurídicos como Garantia da Lei e da Ordem (GLO), Estado de Defesa, Estado de Sítio em relação ao processo eleitoral".>
Freire Gomes afirmou "que sempre deixou evidenciado [...] que o Exército não participaria na implementação desses institutos jurídicos visando reverter o processo eleitoral".>
De acordo com depoimentos colhidos pela PF, Freire Gomes chegou a advertir o então presidente Bolsonaro que seria forçado a prendê-lo caso seguisse com os planos de um golpe de Estado.>
Carlos de Almeida Baptista Junior nasceu em Fortaleza, no Ceará, em 5 de setembro de 1960.>
De família militar — seu pai, o tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista, foi comandante da Aeronáutica de 1999 a 2003 — Baptista Junior estudou na Escola Preparatória de Cadetes do Ar, em Barbacena, Minas Gerais.>
Ele foi promovido a tenente-brigadeiro em março de 2018.>
O site da Força Aérea Brasileira ainda destaca que Baptista Junior "possui 4 mil horas de voo, sendo 2.200 horas em aeronaves de caça".>
O militar assumiu o posto de comandante da Aeronáutica em 12 de abril de 2021 e permaneceu no cargo até 2 de janeiro de 2023.>
Citado 48 vezes no relatório da PF, Baptista Junior também rechaçou "qualquer adesão de suas forças no intento golpista".>
Em depoimentos, ele afirma que tentou informar "constantemente" ao presidente Bolsonaro "de que não existia qualquer fraude no sistema eletrônico de votação". >
Baptista Junior também confirmou que ele e Freire Gomes se mostraram contrários a qualquer tentativa de ruptura institucional — enquanto o almirante Almir Garnier (comandante da Marinha) "se colocou à disposição".>
"O brigadeiro Baptista Junior descreveu a dinâmica dos fatos, após o então Ministro da Defesa Paulo Sérgio apresentar o Decreto [relacionado ao golpe]. O depoente disse que fez o seguinte questionamento ao ministro: 'Esse documento prevê a não assunção do cargo pelo novo presidente eleito?'.">
"Baptista Junior afirmou que, após sua indagação, Paulo Sérgio ficou calado, e diante disso entendeu que haveria uma ordem que impediria a posse do novo governo eleito. Em seguida, o depoente relatou que disse ao Ministro da Defesa que não admitiria sequer receber o documento e que a Aeronáutica não admitiria um golpe de Estado. Em seguida, retirou-se da sala.">
O tenente-brigadeiro detalhou que foi alvo de ataques e chegou a ser chamado de "traidor da pátria" e "melancia" — numa referência a ser verde "por fora" (cor associada aos militares) e vermelho "por dentro" (cor associada ao comunismo).>
Num trecho do inquérito da PF, há evidências de que Braga Netto determinou ataques direcionados à família do então comandante da Aeronáutica. >
Num aplicativo de mensagens, Braga Netto escreveu: "Senta o pau no Baptista Junior [...] traidor da pátria. Daí para frente, inferniza a vida dele e da família.">
Baptista Junior disse que precisou suspender as contas nas redes sociais — mas as pressões continuaram mesmo assim.>
"O depoente disse que no dia 08/12/2022, após a formatura dos aspirantes à oficial da FAB, na cidade de Pirassununga/SP, foi interpelado pela deputada federal Carla Zambelli com a seguinte indagação: 'Brigadeiro, o senhor não pode deixar o Presidente Bolsonaro na mão'.">
"O depoente afirmou que entendeu que a deputada estava propondo que aderisse a um ato ilegal", revela o documento da PF.>
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