Publicado em 18 de março de 2025 às 09:43
Em junho de 2019, uma imagem impressionante de cães da raça husky siberiano viralizou rapidamente e assombrou o mundo. Ela mostrava os animais aparentemente andando sobre a água na Groenlândia.>
A foto foi tirada pelo cientista climático Steffen Olsen, do Instituto Meteorológico Dinamarquês. Ele é o líder do projeto europeu Blue Action, que pesquisa os efeitos das mudanças no Ártico sobre o clima do planeta.>
"A reação me surpreendeu", ele conta. "Eu me surpreendi ao ver que tantas pessoas achavam bonita aquela foto. Eu a vi como uma situação assustadora.">
Os cachorros, na verdade, estavam caminhando em meio a uma camada de água derretida, da altura de um tornozelo humano, sobre o gelo marinho em Inglefield Bredning, um sistema de 80 km de comprimento no noroeste da Groenlândia.>
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"Aprendi a ver a foto como uma ilusão", conta Olsen. "As pessoas não veem o gelo marinho, mas os cães andando sobre a água.">
Olsen tirou a foto enquanto viajava com uma equipe de cientistas que monitorava as condições do mar e do gelo perto de Qaanaaq, uma das cidades localizadas mais ao norte do planeta. Eles recuperavam instrumentos científicos que haviam instalado durante o inverno.>
"Estávamos viajando há algumas horas e ficou claro que o derretimento era muito grave... [O gelo] derreteu mais ou menos abaixo dos nossos pés enquanto caminhávamos sobre ele", relembra Olsen.>
"Os caçadores locais e eu estávamos muito surpresos... procurávamos pontos secos para retirar os cães e os esquis da água e não havia nenhum em vista. Nós demos meia volta e retornamos para o litoral.">
Os cachorros costumam hesitar muito para colocar as patas na água, segundo Olsen.>
"Normalmente, quando encontramos água, é porque existem rachaduras no gelo marinho e os cães precisam pular sobre a água... eles odeiam isso. Mas estava realmente muito calor e achamos que eles estavam felizes por poderem refrescar os pés." Ele conta que, naquele dia, as temperaturas atingiram 14 °C.>
Os cientistas conseguiram recuperar seus instrumentos alguns dias depois, quando a água já havia se infiltrado nas pequenas rachaduras da cobertura de gelo.>
"Você tem então um curto período de tempo para poder viajar novamente, até que o gelo entre em colapso e se rompa", explica Olsen.>
O cientista conta que ficou extremamente surpreso com o rápido derretimento observado quando ele tirou a foto, no dia 13 de junho de 2019. Ele só havia experimentado este evento extremo uma vez, durante seus 15 anos realizando pesquisas na Groenlândia. Não é comum que o derretimento ocorra com tanta rapidez, segundo ele.>
"É preciso ter uma onda súbita de ar quente quando ainda há neve fresca sobre o gelo marinho sólido", explica Olsen. "Por isso, este é um exemplo de evento extremo se desenvolvendo no início da estação... A comunidade local me disse: 'você precisará esperar 100 anos para ver [este evento] outra vez'.">
Casos de derretimento como o presenciado por Olsen, normalmente, só ocorrem no final da estação, no fim de junho ou julho.>
Mas, em 2019, o derretimento começou em meados de abril, cerca de seis a oito semanas antes da média de 1981-2020, afetando cerca de 95% da cobertura de gelo da Groenlândia, segundo a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (Noaa, na sigla em inglês).>
Estes eventos podem ter "efeito bola de neve", gerando novos derretimentos, à medida que existe menos neve e gelo para refletir os raios solares de volta para o espaço e manter a superfície fria, explica a paleoclimatologista Bianca Perren, do Serviço Antártico Britânico (BAS, na sigla em inglês). Ela estuda os núcleos de sedimentos das regiões polares, para compreender a variabilidade do clima a longo prazo.>
A Groenlândia sofreu perda recorde de gelo em 2019. Ao todos, foram liberados 532 bilhões de toneladas da sua enorme cobertura de gelo, segundo um estudo de 2020.>
Em média, a ilha perde 234 bilhões de toneladas de gelo por ano — o suficiente para encher 6.324 edifícios Empire State Building, em Nova York, nos Estados Unidos.>
"O ano de 2019 realmente teve um calor incomum, como também 2012", afirma a geofísica marinha Kelly Hogan, do BAS, que estuda os impactos do derretimento da cobertura de gelo da Groenlândia.>
Em 2012, a temperatura no verão (junho a agosto) foi mais de 2 °C acima da média de 1981-2010 nas áreas já sujeitas ao derretimento no verão e mais de 1,5 °C mais alta na camada de gelo como um todo.>
"Estes extremos estão retornando com mais frequência do que havíamos imaginado", explica Hogan. "Eles estão acontecendo em intervalos de poucos anos.">
"O que é realmente característico da Groenlândia é a quantidade de derretimento que acontece na superfície durante o verão, porque não há nada parecido com aquilo na Antártida", explica Hogan. "Ver enormes volumes de água [sobre o gelo] realmente é impressionante.">
Ainda assim, Perren destaca que é raro ver "piscinas gigantes de água" sobre a superfície, como na foto de Olsen. Normalmente, a água flui através das rachaduras no gelo.>
"Basicamente, a água rompe a camada de gelo e a faz flutuar até o litoral", explica ela. "Por isso, normalmente, você não tem essas piscinas de água, mas sim água morna que é enviada para baixo da camada de gelo da Groenlândia, basicamente aquecendo tudo.">
O rápido derretimento do gelo já está afetando a vida das comunidades locais. "Elas precisam adaptar seus hábitos de caça e pesca", afirma Olsen.>
Se caminhar sobre o gelo não for mais seguro, também irá ficar mais difícil para os cientistas realizar suas pesquisas, destaca ele. "Precisaremos nos adaptar e confiar mais nos instrumentos automáticos, em vez do monitoramento comunitário.">
A segurança já é uma preocupação, segundo Perren. "Prometi ao meu filho que não vou colocar o pé na camada de gelo porque é muito perigoso", ela conta.>
A foto ajudou a despertar a consciência sobre a vulnerabilidade da Groenlândia às mudanças climáticas, segundo Olsen. "Descobri, definitivamente, que você pode chamar muita atenção para o problema com uma foto... foi muito eficiente", ele conta.>
"Mas também fui questionado pelas pessoas dizendo: 'como você pode tirar uma foto das mudanças climáticas?' Eu concordo, você não pode tirar uma foto e chamar de mudanças climáticas, que são algo que se desenvolve em um período de tempo mais longo. Precisamos explicar a foto e oferecer o contexto correto.">
As fotografias são ferramentas úteis para começar a conversa sobre o meio ambiente e explicar os fenômenos científicos, segundo Perren. Para ela, "a ciência tem um problema de comunicação".>
"Quando vi a foto pela primeira vez, em 2019, eu me lembro de ter pensado: 'oh, meu Deus, esta é uma imagem impressionante'", relembra Perren.>
"É uma imagem simbólica da aparência das mudanças climáticas na Groenlândia. Mas existe também um lado científico: talvez não tenha precedentes, mas também [oferece] um ótimo quadro, meio que emblemático, de como poderá ser o futuro.">
Para Hogan, aquela foto "realmente nos aproxima da extensão do problema".>
"Parece que os cães estão esquiando em algo sem fundo... a sensação é que eles poderão simplesmente afundar a qualquer momento, o que talvez seja algum tipo de metáfora para a camada de gelo e para o futuro.">
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Earth.>
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