Publicado em 1 de março de 2025 às 16:43
Independentemente de o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky ter sido vítima de uma emboscada — ou se deveria ter sido mais diplomático no Salão Oval — a reunião de sexta-feira (28/2) foi desastrosa para a Ucrânia.>
Para aqueles que assistiam o desenrolar dos fatos a partir da capital Kiev, o futuro do país estava em jogo.>
"Foi uma conversa com fortes emoções, mas eu entendo nosso presidente", conta Yulia, ao lado da catedral de Santa Sofia.>
"Talvez ele não tenha sido diplomático, mas foi sincero. É sobre a vida, e nós queremos viver.">
>
Yulia reflete um comportamento político padrão na Ucrânia: quanto mais o país é atacado, mais unidade é forjada.>
Antes da invasão em larga escala iniciada em 2022, o índice de aprovação do presidente Zelensky estava em 37%. Depois, esse número disparou para 90%.>
Antes de Donald Trump retornar à presidência dos Estados Unidos no início de 2025, essa porcentagem havia caído para 52%. >
Depois que ele culpou a Ucrânia pelo começo da guerra, a aprovação de Zelensky voltou a subir para 65%.>
"Eles [Donald Trump e o vice-presidente americano JD Vance] foram muito grosseiros", avalia Andriy, de 30 anos. >
"Eles não respeitam o povo da Ucrânia", complementou ele.>
"Parece que Washington apoia a Rússia", observou Dmytro, de 26 anos.>
A pergunta agora é como as últimas 24 horas afetarão a popularidade do presidente Zelensky.>
"Quando a situação piora, temos outra união em torno da bandeira ucraniana", explica Volodymyr Paniotto, diretor do Instituto Internacional de Sociologia de Kiev, que conduziu algumas das pesquisas de popularidade citadas anteriormente.>
A popularidade dos líderes mundiais geralmente diminui com o tempo, e Paniotto entende que Zelensky não passou imune por esse fenômeno.>
As avaliações do trabalho dele foram especialmente afetadas pela contraofensiva fracassada da Ucrânia em 2023 e demissão, cerca de um ano depois, do popular comandante-chefe das forças armadas ucranianas, Valeriy Zaluzhnyi.>
Mas a nova abordagem frequentemente hostil de Donald Trump sobre a Ucrânia forçou o país a se unir novamente e se preparar para uma nova onda de incertezas.>
Após o bate-boca na Casa Branca, "a reação inicial foi de choque", destaca Inna Sovsun, parlamentar da oposição.>
"Foi difícil assistir a um presidente que foi vítima de agressão russa ser atacado pelo líder do mundo livre", acrescenta ela. >
"É doloroso", admite Sovsun.>
Os canais de TV ucranianos relataram as cenas de sexta-feira de uma forma mais comedida: a notícia principal era que um acordo sobre minerais entre a Ucrânia e os EUA simplesmente não foi assinado.>
Talvez, diante do fato de que esse acordo não abordava as garantias de segurança americanas que Kiev e a Europa desejam desesperadamente, ele não tenha parecido tão tentador para Zelensky.>
"Precisamos encontrar aliados mais fortes na Europa e em Canadá, Austrália e Japão, que têm nos apoiado", argumenta Sovsun.>
Há claramente sentimentos profundos de ressentimento entre Washington e Kiev. >
No entanto, Sovsun não acha que a Ucrânia deva desistir das negociações com os americanos, mas, sim, reformular o debate.>
"É importante encontrar o mediador certo", sugere ela. >
"Alguém que Trump possa reconhecer, mas alguém em quem também confiamos. Alguém como a [primeira-ministra] Georgia Meloni, da Itália.">
"Sob nenhuma circunstância devemos concordar com pedidos para que o presidente renuncie, e digo isso como uma parlamentar da oposição. Isso desafia a própria ideia de democracia", defende a parlamentar.>
O presidente Zelensky esperava que a visita a Washington desse início a uma cooperação mais profunda com os EUA — o que poderia, por sua vez, trazer uma paz duradoura. >
Isso é algo que Sovsun acredita que ninguém deseja mais do que os próprios ucranianos.>
"Nós somos aqueles que estão sofrendo, e é extremamente difícil viver sob esse estresse", acrescenta ela. >
"Esta manhã, li que o filho do meu amigo foi morto. É o segundo filho que ele perde nesta guerra.">
O que a parlamentar e inúmeros ucranianos não querem é um acordo apressado. >
Tentativas de cessar-fogo com a Rússia em 2014 e 2015 só permitiram que Moscou se preparasse para uma invasão em larga escala anos depois.>
A deputada ucraniana Ivanna Klympush-Tsyntsadze antecipou que uma segunda presidência de Trump seria menos simpática à causa da Ucrânia, mas não a esse ponto.>
"Este acordo sobre os minerais não obriga os EUA a nos ajudarem militarmente, ou a aumentar ou continuar o apoio que dá atualmente", aponta ela.>
Embora ainda exista uma homogeneidade parlamentar por trás do presidente Zelensky e um acordo por suspender as eleições, parlamentares como Klympush-Tsyntsadze querem ter mais envolvimento nas negociações.>
O líder do partido que ela representa, o Solidariedade Europeia, é o ex-presidente Petro Poroshenko, um rival feroz de Zelensky.>
Recentemente, Poroshenko foi rotulado pelo serviço de segurança da Ucrânia como uma "ameaça à segurança nacional" e acusado de criar "obstáculos ao desenvolvimento econômico" do país.>
O ex-presidente disse que a decisão foi "motivada politicamente". >
Apesar disso, Poroshenko diz que reconhece a legitimidade de Zelensky como líder, apesar das alegações americanas e russas apontarem para o caminho oposto.>
Enquanto sirenes tocam e mísseis atingem cidades, esta é uma guerra em andamento, apesar de toda a conversa sobre acabar com ela.>
A Rússia não recuou em suas demandas pela capitulação política da Ucrânia e o controle completo de quatro regiões do país.>
"Esta guerra não é por alguma área, cidade ou linha de árvores no leste", lembra Taras Chmut, chefe da fundação Come Back Alive, uma entidade filantrópica que dá apoio às forças militares da Ucrânia.>
Depois que a Rússia invadiu a Crimeia em 2014, essa organização foi criada para obter equipamentos militares para reforçar as tropas ucranianas.>
"Esta é a guerra que definirá a ordem mundial nas próximas décadas. Se este mundo ainda existirá depende de como este conflito evoluir", acredita Chmut.>
Enquanto persegue implacavelmente a política da "América em Primeiro Lugar", Trump quer que a Europa forneça segurança numa região onde ele está menos disposto a fazê-lo. >
Mas a Europa está dividida sobre o assunto. A única unanimidade é sobre a ideia de que uma paz não é possível sem os EUA.>
"A Europa e o mundo mais uma vez querem fechar os olhos e acreditar em um milagre. Mas milagres não acontecem", diz Chmut.>
"Os países devem aceitar a realidade da situação e fazer algo a respeito. Caso contrário, eles serão os próximos a desaparecer, depois da Ucrânia", alerta ele.>
Com reportagem adicional de Hanna Chornous e Svitlana Libet.>
>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta