Publicado em 9 de abril de 2025 às 05:39
O Japão tem fama de ser um país moderno, com tecnologia de ponta, quase futurista.>
Mas, no ano passado, os japoneses comemoraram o fim de uma guerra um tanto quanto inusitada.>
Uma guerra silenciosa, que passou despercebida para maior parte do mundo. Uma guerra contra... disquetes.>
Em 2021, o então ministro de Transformação Digital, Taro Kono, reclamou que os japoneses ainda eram obrigados a usar disquetes quando precisavam mandar documentos ao governo.>
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Três anos depois, essa exigência foi finalmente aposentada, e ele declarou triunfante: "Vencemos a guerra contra os disquetes!".>
O exemplo é simbólico de como o Japão, que costumava ser visto já como o país do futuro, acabou ficando preso no passado.>
Nos anos 1980, muito do que existia de mais moderno no mundo vinha do Japão.>
Na época, a economia japonesa se tornou a segunda maior do mundo e muita gente achava que ela poderia até acabar ultrapassando a dos EUA — inclusive os próprios americanos.>
Mas não foi isso que aconteceu. No fim, o Japão que todo mundo esperava nunca veio. O país simplesmente estagnou.>
Quando a Segunda Guerra acabou, o Japão estava destruído.>
Como parte de um projeto pra se reerguer, o país decidiu se voltar para a indústria - e teve um aliado muito importante: os EUA.>
É o que explica o professor Hiroaki Watanabe, da Universidade Ritsumeikan de Kyoto.>
"Depois do fim da Segunda Guerra Mundial, o mundo estava vivendo um sistema dividido em dois polos, capitalistas versus comunistas, durante a Guerra Fria. E claro que, para os EUA, o Japão passou a ser muito importante", diz Watanabe.>
Na época, tudo indicava que os comunistas venceriam a guerra civil na China — como de fato aconteceu. Por isso, era importante para os americanos que a economia do Japão estivesse forte pra conter a influência do movimento comunista na região.>
E a estratégia de apostar na industrialização deu certo. Durante os anos 1960, o Japão crescia muito mais do que os EUA — em um ritmo que chegou a ultrapassar 10% ano ano.>
Na época, era relativamente fácil para o Japão exportar seus produtos. A moeda local, o iene, valia pouco em relação ao dólar — o que fez com que os produtos japoneses ficassem muito baratos no resto do mundo.>
Os EUA, especialmente, acabaram sendo tomados por produtos japoneses, como carros da Toyota e walkmen da Sony.>
E o Japão se tornou a segunda maior economia do mundo.>
Só que esse crescimento forte do Japão tinha um problema: os japoneses vendiam muito mais aos EUA do que compravam — e, com o tempo, isso passou a incomodar.>
Em 1985, os dois países fizeram um acordo em que basicamente o Japão concordava em valorizar o iene em relação ao dólar — o que tornou os produtos japoneses mais caros e muito mais difíceis de exportar.>
Por que o Japão concordou com esse plano?>
"Eu acho que essencialmente é porque… um grande motivo é que o Japão depende dos EUA para a segurança. Então é muito difícil resistir a uma demanda dos EUA com esse tipo de desequilíbrio de poder", diz Watanabe.>
Com a diminuição das exportações, a economia japonesa desacelerou.>
Para tentar resolver esse problema, o governo decidiu baixar seus juros. A ideia era incentivar as pessoas e empresas a gastarem, já que pegar dinheiro emprestado estava mais barato.>
Esse dinheiro foi usado tanto na bolsa de valores quanto para a compra de imóveis — o que provocou uma disparada nos preços das ações e o do metro quadrado.>
Na época, analistas chegaram a dizer que só uma área próxima do Palácio Imperial de Tóquio valia o mesmo que todo o Estado da Califórnia, mais de 400 mil vezes maior em área.>
Os bancos passaram a aceitar propriedades caríssimas como garantia para fazer empréstimos.>
Mas na prática, não havia justificava para um aumento tão grande nem no valor dos imóveis, nem no valor das ações.>
Em outras palavras: se tratava de uma bolha.>
E no início dos anos 1990 essa bolsa finalmente estourou. A bolsa entrou em colapso, milhares de negócios quebraram e o valor dos imóveis despencou.>
Com isso, os bancos, que contavam com o valor desses imóveis como garantia, também ficaram em situação difícil. E os empréstimos pararam — inclusive para o setor privado, que ficou sem dinheiro para investir.>
O que ninguém esperava é que esse impacto fosse durar décadas, como explica a professora de Sociologia da London School of Economics and Political Science (LSE), Kristin Surak.>
"É uma pergunta difícil de responder, o que causou a estagnação, ou por que o Japão está levando tanto tempo pra se recuperar. E eu acho que mesmo no Japão não há uma resposta clara", diz.>
A partir do início dos anos 1990, o Japão passou cerca de 20 anos praticamente sem inflação.>
Na prática, isso significa que era possível comprar alguns produtos em 2010 pagando quase o mesmo preço que em 1992.>
E quando as pessoas compram pouco, os preços caem — e as empresas podem ir à falência.>
Por um lado, isso permitiu que os japoneses mantivessem seu poder de compra — porque os salários também continuaram praticamente iguais durante todo esse período. Só que eles tinham baixo poder de compra.>
Para tentar incentivar o consumo, o país começou a imprimir mais dinheiro e baixou ainda mais a taxa de juros. Essa é uma das principais ferramentas de um governo para estimular a economia.>
Mas, no caso do Japão, não deu certo.>
"O governo estava tentando fazer a economia se aquecer o tempo todo. [Imprimir mais dinheiro] é uma escolha óbvia para qualquer governo. Mas o Japão não estava reagindo às soluções clássicas da economia que geralmente são oferecidas.">
Mesmo com a taxa de juros próxima de zero, as pessoas continuavam sem gastar — o que alguns analistas atribuem pelo menos em parte a uma questão cultural.>
"Os japoneses se preocupam muito com o futuro, com a saúde e aposentadoria. Então, em vez de gastar, se eles ganham algum dinheiro, eles economizam.">
Para deixar a situação ainda mais complexa, o Japão foi também a primeira potência industrial que viu sua população encolher. O país vem registrando cada vez menos nascimentos e pode perder um quinto da sua população atual até 2050.>
E é difícil aumentar a produção tendo menos gente para produzir.>
Nesse caso, a saída é aumentar a produtividade — ou seja, a capacidade de fazer mais com menos.>
Mas o Japão também é o país com a menor produtividade entre as sete maiores economias do mundo.>
E parte da explicação talvez pareça contraintuitiva: a taxa de desemprego é muito baixa. Só que isso acontece justamente porque muitas das pessoas que estão empregadas estão em trabalhos pouco produtivos ou desempenhando funções que, em outros países, já foram automatizadas.>
"No Japão, por exemplo, você encontra talvez seis pessoas orientando o trânsito em um estacionamento pequeno, e isso não precisa acontecer", diz Surak.>
O ex-correspondente da BBC em Tóquio, Rupert Wingfield-Hayes, passou muitos anos no Japão. Ele foi embora em 2023, e antes de sair fez a seguinte análise: "Quando pensamos nos elegantes trens-bala do Japão ou na maravilhosa fabricação em linha de montagem da Toyota, podemos facilmente pensar que o Japão é o modelo da eficiência. Mas não é. A burocracia pode ser assustadora e enormes montantes de dinheiro público são gastos em atividades de utilidade duvidosa".>
Um exemplo estaria bem debaixo dos pés de quem passa em ruas do Japão: os bueiros. Ou melhor, as tampas dos bueiros. Elas são lindas — mas são, também, caras.>
Em 2023, cada uma podia custar até US$ 900, ou mais de R$ 5 mil.>
Existe inclusive uma Sociedade Japonesa das Tampas de Bueiro, que afirma que existem milhares de desenhos de tampas diferentes no país.>
Muita gente vê nisso tudo uma indicação dos motivos que levaram o Japão a ter uma das maiores dívidas públicas do mundo, atrás apenas do Sudão.>
E essa conta é agravada por uma população envelhecida que não consegue se aposentar devido à pressão sobre as aposentadorias e o sistema de saúde.>
Mas, apesar de tudo isso, não há nenhum protesto nas ruas.>
Pra quem vê de fora, parece inclusive que as coisas na verdade estão indo até que surpreendentemente bem.>
A criminalidade é muito baixa e a expectativa de vida é muito alta. A educação é uma das melhores do mundo, e o índice de desemprego não é um problema.>
Além disso, como a população está encolhendo, ainda há muita oferta de emprego.>
"A situação não é tão ruim quanto em vários outros países, pelo menos é relativamente fácil conseguir um emprego hoje em dia, ainda que não seja bem pago. O salário é bastante baixo, mas dá para sobreviver", diz Watanabe.>
Parte da explicação para essa normalidade aparente pode estar no fato de que, antes de parar de crescer, o Japão era muito rico.>
Tão rico que, apesar de ter passado 30 anos estagnado, o Japão caiu apenas do segundo para o quarto lugar entre as maiores economias do mundo.>
Mas, em 2022, as coisas começaram a mudar — ainda que de leve. A inflação ultrapassou os 2% depois da pandemia e do início da Guerra da Ucrânia — e se manteve acima desse patamar desde então. E o Banco do Japão elevou a taxa de juros para o patamar mais alto desde 2008.>
Mas ainda não se sabe qual vai ser o impacto disso no longo prazo.>
"Se você falar com economistas no Japão e com o governo, eles geralmente são bem realistas dizendo algo como: "nós queremos ficar entre as 10 maiores economias do mundo", uma coisa que você não ouve com frequência de países que até recentemente eram a segunda maior economia do mundo", diz Surak.>
Pelo menos parte desse pessimismo em relação ao futuro se deve ao fato de que os próprios japoneses reconhecem que em muitas áreas o país ainda continua preso ao passado.>
No mesmo dia em que declarou guerra contra os disquetes, o então ministro de Transformação Digital prometeu se livrar de um outro inimigo da modernidade: a máquina de fax.>
Mas, pelo menos por enquanto, ela continua firme e forte — inclusive nos prédios do próprio governo.>
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