Publicado em 10 de julho de 2025 às 04:39
A decisão de Donald Trump de taxar em 50% produtos brasileiros em apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pode ter o efeito contrário de favorecer politicamente o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), avaliam analistas políticos.>
Especialistas em política internacional e brasileira lembram que interferências externas em assuntos domésticos costumam fortalecer sentimentos nacionalistas.>
Por outro lado, alguns ponderam que a forte polarização política do país pode limitar esse efeito junto a apoiadores mais fiéis ao bolsonarismo.>
"Historicamente, ingerências externas não pegam bem no Brasil (ou em qualquer outro país). Mesmo críticos de Lula podem ver a atitude de Trump como um ataque à soberania nacional e à independência do Judiciário", escreveu na rede social X Oliver Stuenkel, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pesquisador afiliado do think-tank Carnegie Endowment for International Peace, em Washington.>
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"Politicamente, a medida tende a reforçar o nacionalismo e alimentar sentimentos antiamericanos no Brasil — especialmente se Lula conseguir enquadrar a retaliação como uma ofensa à dignidade do país", continuou.>
Diante da decisão de Trump, Lula convocou uma reunião de emergência com sua equipe de ministros.>
Nas redes sociais, o presidente reagiu à tentativa do presidente americano de interferir no processo criminal que Bolsonaro enfrenta no STF, acusado de liderar uma tentativa de golpe de Estado.>
"O processo judicial contra aqueles que planejaram o golpe de estado é de competência apenas da Justiça Brasileira e, portanto, não está sujeito a nenhum tipo de ingerência ou ameaça que fira a independência das instituições nacionais".>
No texto, Lula também disse que "qualquer medida de elevação de tarifas de forma unilateral será respondida à luz da Lei brasileira de Reciprocidade Econômica", lei em vigor desde abril que autoriza o governo a retaliar países ou blocos que imponham barreiras comerciais a produtos brasileiros.>
Para Rafael Cortez, cientista político da Tendências Consultoria, a justificativa de apoio a Bolsonaro para elevar as tarifas comerciais mostra uma tentativa dos EUA de influenciar no processo eleitoral brasileiro, "como já aconteceu em outros países".>
Na sua leitura, Lula tende a se beneficiar, se conseguir equilibrar a questão comercial e política. Ele ressalta que uma escalada na guerra tarifária entre os dois países teria efeitos econômicos negativos no país.>
"Certamente, essa dimensão política é algo positivo para a administração Lula", afirma, citando outros países em que a atuação do presidente americano beneficiou seus antagonistas.>
"Quem é adversário do Trump no plano local ganha quando o Trump e os demais líderes conservadores se manifestam acerca de temas domésticos. Isso aconteceu, em alguma medida, no México, nas eleições do Canadá, nas eleições na Austrália", afirma.>
O impacto reativo ao líder americano em eleições nacionais já está sendo chamado de "efeito Trump" na análise política.>
No Canadá, o Partido Liberal levou a eleição de forma surpreendente em abril, revertendo o favoritismo do Partido Conservador.>
A virada ocorreu após Trump voltar ao comando dos EUA com fortes ataques ao país vizinho, incluindo provocações sobre fazer do Canadá o 51º estado americano. O contraponto ao novo governo dos EUA se tornou mote central da campanha.>
No mês anterior, a oposição de centro-direita da Groenlândia também surpreendeu e venceu as eleições gerais — uma votação dominada pela pauta da independência e pela promessa trumpista de assumir o controle do território semiautônomo que hoje pertence à Dinamarca.>
O partido Demokraatit (Democratas), que defende uma abordagem gradual para a independência, foi o mais votado para o Parlamento e liderou o governo de coalizão.>
Já em maio, o primeiro-ministro australiano, Anthony Albanese, do Partido Trabalhista, conquistou a reeleição com ampla vantagem. O resultado foi uma reviravolta em relação ao início do ano, quando as pesquisas apontaram a popularidade de Albanese em níveis historicamente baixos.>
Sua vitória foi, em parte, atribuída ao efeito Trump, já que seu opositor, Peter Dutton, foi criticado durante a campanha por ter ideologia semelhante à do presidente dos Estados Unidos.>
No México, a eleição ocorreu antes da vitória de Trump nos EUA. No entanto, a presidente Claudia Sheinbaum alcançou mais de 80% de aprovação após meses no poder, popularidade impulsionada pelo fortalecimento do sentimento nacionalista contra as ações do novo presidente americano, segundo analistas políticos.>
Para Rafael Cortez, efeito semelhante pode ocorrer no Brasil, mas com intensidade menor, devido à forte polarização política entre os campos governista e bolsonarista.>
Ainda assim, ressalta, o impacto pode ser determinante, numa eleição apertada, em que um grupo de eleitores de centro está em disputa.>
Bolsonaro está inelegível após ser condenado no Tribunal Superior Eleitoral, mas a expectativa é que o campo da direita terá um candidato competitivo com o apoio dele, nota Cortez.>
"A polarização cria alguma resiliência nas intenções de voto ou na imagem que os líderes políticos têm na sociedade. De tal sorte que vejo um efeito marginal [da interferência de Trump no eleitor]".>
"Ou seja, não é uma revolução, mas é um efeito que pode ser o suficiente para reverter [a baixa popularidade do presidente] e fazer o governo Lula se tornar o favorito na eleição de 2026", avalia.>
Para o cientista político Creomar de Souza, diretor-executivo da consultoria de risco político Dharma Politics, Lula recebeu uma "bola quicando" como a decisão de Trump e a "pauta do nacionalismo está na sua mão".>
"Mas a questão é saber se o governo tem perna pra chutar a bola dentro do gol. Se o governo vai conseguir ter uma resposta organizada, uníssona", analisa.>
"Porque o dilema desse governo é que, tirando na semana passada, quando rebateram juntos o Congresso [após a derrubada da elevação do IOF], esse é um governo sempre muito mais preocupado com questões paroquiais de cada ator específico do que com uma agenda coletiva", continuou.>
Souza nota que, logo após a decisão de Trump, voltou a circular nas redes sociais imagens de presidenciáveis do campo bolsonarista, como os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), com o boné vermelho símbolo da campanha de Trump, com os dizeres Make America Great Again (Faça a América Grande de Novo).>
"Por mais que o núcleo bolsonarista não veja paradoxo entre ser 'Brasil acima de tudo isso' e ser 'Make America Great Again', o grosso do eleitorado pode enxergar", afirma.>
Deputados e senadores alinhados ao governo e à oposição repercutiram a decisão de Trump. Do lado dos bolsonaristas, o tom geral foi o de culpar a suposta perseguição a Bolsonaro e o governo Lula pela nova taxa de Trump. Já os governistas argumentam que os bolsonaristas agem para prejudicar o Brasil.>
Primeiro da família Bolsonaro a se manifestar, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) escreveu no X que Lula "conseguiu ferrar o Brasil".>
Já o senador Humberto Costa (PE-PT) usou a mesma rede social para criticar os adversários: "Isso é o bolsonarismo: jogar e torcer contra o Brasil".>
O aumento da taxação das exportações brasileiras para os EUA foi anunciado poucos meses após Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente, se licenciar do cargo de deputado federal e se mudar para os Estados Unidos.>
Na ocasião, em março, Eduardo disse que se dedicaria em tempo integral a convencer o governo Trump a atuar pela anistia aos envolvidos nos ataques do 8 de janeiro no Brasil e para obter sanções ao ministro do STF Alexandre de Moraes, relator do processo sobre golpe de Estado contra o ex-presidente.>
Após essa movimentação, o STF abriu um inquérito em maio para investigar Eduardo Bolsonaro pelos crimes de coação, obstrução de investigação e abolição violenta do Estado Democrático de Direito, por sua atuação nos EUA.>
Em carta enviada ao jornalista Guga Chacra, da GloboNews, assinada junto com o jornalista Paulo Figueiredo, o filho de Bolsonaro disse que "nos últimos meses, temos mantido intenso diálogo com autoridades do governo do presidente Trump — sempre com o objetivo de apresentar, com precisão, a realidade que o Brasil vive hoje".>
"A carta do presidente dos Estados Unidos apenas confirma o sucesso na transmissão daquilo que viemos apresentando com seriedade e responsabilidade.">
Os dois dizem que o STF e Alexandre de Moraes colecionaram "violações de direitos humanos contra jornalistas, contra cidadãos e residentes dos Estados Unidos" e também avançaram "sobre líder maior da oposição, o ex-presidente Jair Bolsonaro, negando-lhe garantias mínimas de legalidade, defesa e presunção de inocência na forma da farsa de um julgamento quase sumário em um tribunal de exceção".>
A carta segue dizendo que a dupla agiu "buscando evitar o pior", com foco em aplicar sanções a Moraes.>
"No entanto, recentemente, o presidente Trump, corretamente, entendeu que Alexandre de Moraes só pode agir com o respaldo de um establishment político, empresarial e institucional que compactua com sua escalada autoritária. O presidente americano entendeu que esse establishment também precisa arcar com o custo desta aventura.">
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