Publicado em 7 de dezembro de 2025 às 18:44
Nossa balsa chegou à ilha de Thoddoo, nas ilhas Maldivas, ao som do escapamento das motocicletas, não do zumbido dos hidroaviões. O ar tinha leve cheiro de sal e melancias.>
Doze anos atrás, visitei as Maldivas pela última vez, para um episódio do programa de TV The Travel Show, da BBC. Na época, as ilhas ainda eram um fantástico cartão-postal, com pousadas sobre a água, ilhas particulares e preços que afastavam a maioria dos turistas.>
Agora, o arquipélago do Oceano Índico recebe famílias que chegam de mochila em barcos coletivos, sem os mensageiros carregando malas Louis Vuitton.>
Estas não são as Maldivas que eu conheci — e aqui está a questão. Ao longo da última década, os atóis vivenciaram uma revolução silenciosa.>
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Reformas governamentais permitiram que seus moradores abrissem pensões em ilhas habitadas. A regra anterior confinava o turismo aos resorts em enclaves sem habitantes.>
O resultado foi transformador. Existem, agora, mais de 1,2 mil pensões em operação, espalhadas por 90 ilhas, segundo o Ministério do Turismo das Maldivas.>
Com isso, os turistas podem vivenciar a cultura e o dia a dia do país e, pela primeira vez, as famílias locais podem lucrar diretamente com o setor de turismo, que sustenta sua economia.>
Na minha última visita, com meus três filhos, eu quis observar os efeitos dessa mudança na prática.>
Nossa viagem nos levou da hospitalidade caseira de Thoddoo (muitas vezes, chamada de "ilha-fazenda" das Maldivas) até um resort de classe intermediária, que está redefinindo o significado do luxo sustentável.>
Juntos, eles contam a história de um país que está ampliando sua receptividade e remodelando silenciosamente nossa noção do que é um paraíso.>
A ilha de Thoddoo, no atol North Ari, parece estar a anos-luz de distância da perfeição bem cuidada da vida nos resorts, muitos deles encontrados perto da capital das Maldivas, Malé.>
A viagem de lancha coletiva de Malé até a ilha leva 90 minutos e custa muito menos que o hidroavião comum dos resorts de luxo.>
Na chegada, observamos imediatamente que o ritmo da ilha é completamente diferente. Não há carros, apenas bicicletas e, às vezes, o carrinho elétrico zumbindo pelas linhas arenosas, repletas de palmeiras.>
Mamoeiros enfileirados e campos de melancia se espalham pela ilha, rodeada pelas icônicas águas azul-turquesa das Maldivas.>
Ficamos hospedados na primeira pensão da ilha, chamada Serene Sky. Seu proprietário é Ahmed Karam, ex-presidente da Associação das Pensões das Maldivas e uma das principais vozes do movimento turístico das ilhas do país, que está em franco crescimento.>
A Serene Sky é simples e impecável. Seus travesseiros não são de designers e o banheiro é modesto. Mas a acolhida é sincera, com refeições caseiras da melhor qualidade: peixes do recife pescados horas antes, abóbora com curry das fazendas próximas e o suco de melancia mais fresco que se pode imaginar.>
Karam conta que esta nova onda de turismo liderado pela comunidade mudou o panorama por aqui.>
"Agora, os moradores locais podem se beneficiar diretamente dos dólares do turismo", afirma ele. "Mas isso também nos deixou mais conscientes sobre o quanto precisamos proteger o nosso patrimônio — a ilha, os recifes, a natureza. É isso que traz as pessoas até aqui para ver.">
Meus filhos adoraram a liberdade da ilha. Mergulhamos nos recifes próximos com os moradores locais e vivenciamos nosso primeiro e mágico encontro com as tartarugas-marinhas.>
Mais tarde, descansamos em uma das "praias de biquíni" designadas da ilha, que são pequenos trechos separados para que os visitantes nadem e tomem banho de sol em trajes de banho ocidentais. As Maldivas são uma nação predominantemente muçulmana e seus moradores esperam o uso de roupas discretas em outras partes do país.>
Encontramos o fazendeiro local Andy Anis, que nos convidou para visitar sua fazenda. Ele abre uma bela melancia no meio do campo para experimentarmos. O suco escorre pelos nossos pulsos no calor.>
Mais tarde, no pequeno bar de sucos de Anis, tomamos sorvete de coco e observamos o anoitecer na ilha.>
A segunda parte da nossa viagem foi um mundo totalmente diferente: o resort familiar Sun Siyam Olhuveli, de propriedade de moradores locais, no atol South Malé.>
Tivemos uma recepção calorosa e teatral, com tambores no cais, toalhas frias e funcionários sorrindo. Mas o que me chamou a atenção foi a facilidade.>
O representante do resort que nos atendeu, Raail, sempre risonho, cuidava de tudo pelo WhatsApp, do equipamento de mergulho até remédios para as crianças.>
Nós optamos por dois quartos em frente à praia e um plano all inclusive. Os turistas costumam ignorar este modelo por ser genérico, mas, aqui, foi libertador.>
Tivemos a opção de mais de 10 restaurantes e bares espalhados por três ilhas. E, com as atividades e os transportes incluídos no pacote, pudemos nos concentrar em passar o tempo juntos.>
O Sun Siyam Olhuveli atende bem as famílias que buscam aventuras nos recifes, sem os altos preços dos pacotes de luxo.>
Meus filhos percorreram livremente o litoral, observando as tartarugas e tubarões perto do recife próximo. Eu me deliciei com mergulhos de barco para explorar lugares como Shark Point e Banna Reef, onde as arraias deslizam como sombras e as tartarugas-de-pente pastam sobre os corais.>
De volta à terra firme, as seis piscinas fornecem espaço infinito para diversão e relaxamento. Uma delas é a mais longa das Maldivas, com 210 metros de extensão.>
O resort oferece um raro equilíbrio, refinado mas descontraído. Sua cordialidade vem naturalmente em um empreendimento de propriedade dos moradores locais.>
Este tipo de resort serve de linha de frente na corrida das Maldivas pela sustentabilidade. Com o programa chamado Sun Siyam Cuida, os visitantes podem participar de limpezas de praias, plantar corais e restaurar lagoas.>
A iniciativa Recicle-Reutilize do resort transforma lençóis velhos em panos de limpeza e os plásticos descartáveis estão sendo gradativamente proibidos. Até o meu pedido de um saco plástico para roupa de banho molhada foi respondido com um sorriso: "Não usamos mais isso.">
A corrida pela sustentabilidade se estende para além dos resorts individuais.>
A política ambiental, agora, anda lado a lado com o turismo no país e as regulamentações pretendem reduzir o uso de plástico descartável, conservar energia e proteger a vida marinha.>
O governo do presidente Mohamed Muizzu definiu um objetivo ambicioso: gerar 33% da sua eletricidade a partir de fontes renováveis até 2028. Esta medida é fundamental para reduzir a pegada de carbono das Maldivas e proteger os frágeis ecossistemas que sustentam o setor turístico.>
O ministro do Turismo e Meio Ambiente do país, Thoriq Ibrahim, resume a estratégia:>
"Nosso meio ambiente intocado é o nosso recurso fundamental. Não estamos buscando o crescimento às custas do nosso meio ambiente.">
A evolução das Maldivas é visível. As pensões e hospedarias familiares, agora, oferecem encontros significativos com a vida local. E os resorts de propriedade dos moradores do país provam que é possível oferecer conforto com consciência.>
Para os turistas que, antes, não conseguiam pagar para conhecer a exclusividade daquele paraíso, as ilhas, agora, oferecem algo muito mais valioso: a autenticidade.>
O que, antes, era uma fantasia de lua de mel agora é um destino que as famílias podem visitar, sem ficarem apenas no desejo.>
Diversifique sua estadia: divida a viagem entre uma pensão local e um resort, para vivenciar cultura e conforto.>
Transporte: as lanchas coletivas para ilhas como Thoddoo custam US$ 30 a 70 (cerca de R$ 160 a 375) por pessoa (ida). Reserve com antecedência na temporada de férias.>
Use inteligência na bagagem: filtro solar seguro para os recifes, equipamento de snorkel e calçados para recifes merecem espaço na sua mala.>
Respeite os costumes locais: use as praias de biquíni designadas e vista-se com discrição nas aldeias. O álcool é proibido nas ilhas.>
Escolha operadores de confiança: contrate empresas de turismo e mergulho comprometidas com práticas que não agridam os recifes.>
Preços: as pensões custam entre US$ 50 e 60 (cerca de R$ 268 a 321) por noite. Resorts intermediários, como o Sun Siyam Olhuveli, custam acima de US$ 499 (cerca de R$ 2,7 mil) e estadias de ultraluxo, a partir de US$ 1 mil (cerca de R$ 5,4 mil).>
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Travel.>
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