Publicado em 29 de setembro de 2025 às 19:32
Em 16 de setembro, a cineasta brasileira Barbara Marques e o marido, o americano Tucker May, entraram esperançosos no escritório do Serviço de Cidadania e Imigração dos EUA, no centro de Los Angeles, na Califórnia. >
Era a primeira entrevista de Barbara no longo processo de pedido de residência permanente, o chamado "green card", depois do casamento dos dois em abril. >
"Eu tinha ressalvas porque o processo estava andando rápido demais", disse Tucker em entrevista à BBC News Brasil. Ele sabia da política rígida de imigração do presidente americano, Donald Trump, e temia que algo pudesse acontecer com a esposa.>
"Até pensei que poderia ser uma armadilha. Mas a Barbara estava muito animada, e eu não queria cortar o clima.">
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Segundo Tucker, a entrevista correu bem. Barbara e Tucker estavam acompanhados da advogada que havia ajudado a preparar o processo do casal. >
Quando parecia que a entrevista tinha acabado, a advogada perguntou se havia algo mais que eles precisavam fazer. >
O funcionário da imigração disse que só faltava uma cópia do passaporte de Barbara, mas que a máquina dele estava quebrada e que a brasileira teria de acompanhá-lo até outra sala, conta o marido. >
Barbara foi – e nunca voltou. >
No caminho, foi detida por agentes do serviço de imigração, ou ICE (na sigla em inglês). >
"Depois de uns 15 minutos, eu comecei a sentir um embrulho no estômago. Foi quando um funcionário do ICE veio contar que ela tinha sido presa", contou Tucker.>
Os agentes explicaram para Barbara que o motivo da sua detenção era sua ausência em uma audiência de regularização de visto em 2019, o que teria gerado uma ordem de deportação, diz Tucker.>
Segundo o advogado do caso, Marcelo Gondim, Barbara entrou nos EUA com um visto de turista em 2018. >
Próximo ao vencimento, ela pediu uma extensão desse visto. Segundo Gondim, ela não foi notificada da negativa nem da data da audiência – provavelmente porque mudou de endereço.>
O advogado disse que Barbara não tem antecedentes criminais e que o procedimento padrão teria sido interromper o pedido do green card e dar um prazo de 30 dias para resolver a questão pendente.>
Barbara tem 38 anos e é de Vitória, no Espírito Santo. Ela se formou em cinema pela Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro, e atuou como atriz e produtora antes de dirigir seu primeiro filme, Dias de Cosme e Damião, em 2016. Ela também assina a direção de Cartaxo (2020) e PRETAS (2021).>
A lei dos Estados Unidos estipula que estar no país sem autorização é uma violação civil – e não um crime. >
Isso significa que, no caso de um pedido de extensão de visto ser negado, por exemplo, o Departamento de Segurança Interna pode iniciar um processo de deportação com multa, mas não fazer pode acusar a pessoa criminalmente. >
Sob o governo de Donald Trump, agentes têm detido imigrantes e a meta passou a ser deportação massiva de pessoas sem documentos, mesmo que não tenham antecedentes criminais.>
O objetivo do governo é prender 3 mil imigrantes por dia, sob o argumento de que a imigração afeta índices de segurança e o acesso dos americanos aos serviços públicos. Já os críticos de Trump dizem que o ICE tem violado direitos constitucionais.>
O Itamaraty confirmou que tem conhecimento do caso de Barbara Marques e disse que presta assistência consular à brasileira. A BBC News Brasil entrou em contato com o ICE, mas não recebeu retorno até a publicação dessa reportagem.>
A União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU) entrou, no dia 23 de setembro, com uma ação judicial coletiva alegando que o governo está negando processo legal para imigrantes que têm esse direito e prendendo as pessoas arbitrariamente.>
Naquele dia da entrevista com a esposa, depois de percorrer diferentes partes do prédio, Tucker conseguiu encontrar Barbara e falar com ela através de uma parede de vidro. Ela estava em choque, chorando muito e com algemas nas mãos e nos pés, na descrição dele. >
"Ela contou que quando foi algemada, ela se desesperou e que o agente riu da cara dela e tirou uma selfie com ela chorando", disse Tucker. "Não há nenhum senso de humanidade. Parece que eles sentem prazer na crueldade.">
Barbara foi inicialmente levada para o centro de detenção em Adelanto, leste de Los Angeles. >
O advogado do caso entrou com pedido de habeas corpus no mesmo dia da detenção e com uma ordem de restrição temporária de emergência, para que Barbara permaneça na Califórnia. >
Mas uma juíza só foi acionada para o caso no domingo, dia 28. Gondim também enviou a Barbara um pedido de acesso ao processo para tentar reabrir a ordem de deportação, mas, segundo Tucker, as autoridades têm limitado o acesso de Barbara aos documentos. >
"Consegui mandar uma carta para ela que chegou muito mais rápido do que a papelada do nosso advogado, o que indica que eles conseguem identificar que tipo de correspondência talvez ajude os detidos a avançarem em seus casos e, por alguma razão, leva muito mais tempo para que eles recebam essa documentação.">
Tucker disse que conseguiu falar com a esposa algumas vezes. No sábado, dia 27, ela tinha sido transferida para o Arkansas e hoje está na Louisiana. >
"Ela está completamente aterrorizada. Ela me contou que ficaram mais de 12 horas sem nenhuma comida e, quando receberam, era pão com queijo. É uma combinação de tratamento desumano, de desrespeito ao Estado de direito e do aparente prazer que esses agentes do ICE parecem sentir ao atormentar as pessoas que deveriam estar sob seus cuidados", disse Tucker.>
A comunidade brasileira de Pasadena, onde Barbara mora, lamentou a notícia. "A Barbara veio para cá para realizar seu sonho de trabalhar em cinema e sempre me pareceu uma pessoa gentil e pé no chão", conta o brasileiro Christopher de Barros. "Fiquei chocado e horrorizado ao saber das condições da detenção dela.">
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