Publicado em 12 de setembro de 2025 às 00:32
Parte de um julgamento histórico, o voto da ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia, que definiu a condenação inédita de um ex-presidente da República por golpe de Estado, foi marcado por mensagens políticas e até mesmo citações literárias. >
A magistrada deu o voto que formou a maioria, na quinta-feira (11/09) pela punição de Jair Bolsonaro (PL) e outros sete réus por cinco crimes.>
O voto de Cármen Lúcia abriu a sessão após um dia anterior tomado na íntegra pela manifestação de Luiz Fux, único ministro a divergir do relator, Alexandre de Moraes, e a votar pela absolvição do ex-presidente. >
Cármen Lúcia afirmou ter, também ela, um voto longo, mas de saída avisou que resumiria seus argumentos para poupar tempo — e a maioria pela condenação do ex-presidente, assim, formou-se em pouco menos de duas horas de sessão.>
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Após a ministra, votou o presidente da Primeira Turma do STF, ministro Cristiano Zanin, que também se manifestou pela condenação de todos os réus por todos os crimes listados na denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR). >
Os oito réus do caso foram acusados de cinco crimes: organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta ao Estado democrático de direito; golpe de Estado, dano ao patrimônio da União; e deterioração de patrimônio tombado.>
As defesas alegaram a inocência de seus clientes.>
Segundo a acusação, os oito réus participaram de uma organização criminosa que, desde 2021, praticou atos para impedir a transição democrática de poder no caso de uma eventual derrota nas eleições de 2022 e que culminaram com uma tentativa de golpe de Estado no dia 8 de janeiro de 2023, quando as sedes dos Três Poderes foram invadidas por manifestantes insatisfeitos com a derrota eleitoral de Jair Bolsonaro para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).>
Por quatro votos a um, Bolsonaro acabou condenado a 27 anos e três meses de prisão, 24 dos quais em regime fechado.>
Os outros condenados foram: >
O Supremo determinou que Bolsonaro inicie o cumprimento da pena em regime fechado, ou seja, o ex-presidente deve ser conduzido a uma instalação penal ou ainda a alguma estrutura especial como uma cela na Polícia Federal. Mas não foi decidido, ainda, para onde o ex-presidente será enviado.>
Além de sentenciados à prisão, os réus foram declarados inelegíveis pelo prazo determinado pela Lei da Ficha Limpa: desde o ato da condenação até oito anos após o término do cumprimento das penas.>
Os réus também foram condenados ao pagamento de uma multa de R$ 30 milhões a ser dividida pelos oito.>
A defesa de Jair Bolsonaro é uma das que se mostrou disposta a contestar junto ao STF tanto a condenação quanto a intensidade das penas.>
Em nota divulgada logo após o julgamento, os advogados Celso Vilardi e Paulo Bueno chegaram a afirmar que questionariam as penas dadas ao ex-presidente até em âmbito internacional.>
"A defesa entende que as penas fixadas são absurdamente excessivas e desproporcionais e, após analisar os termos do acórdão, ajuizará os recursos cabíveis, inclusive no âmbito internacional", diz um trecho da nota enviada pela defesa.>
A ministra Cármen Lúcia deu início ao seu voto fazendo uma breve introdução sobre a importância que ela atribuiu ao julgamento do caso.>
Segundo ela, o caso da suposta trama golpista era diferente dos demais processos que o STF já julgou.>
"O que há de inédito, talvez, nessa ação penal é que nela pulsa o Brasil que me dói. A presente ação penal é quase o encontro do Brasil com seu passado, com seu presente e com seu futuro", disse a magistrada em uma alusão ao histórico de golpes de Estado pelo qual o Brasil passou desde que virou uma República, em 1889.>
"Nossa República tem um melancólico histórico de termos poucos republicanos e, por isso, a importância de cuidar do presente processo", afirmou a ministra.>
Logo após fazer essa introdução, a ministra deixou claro que não concordava com a tese de seu antecessor no julgamento, o ministro Luiz Fux, que classificou os atos de 8 de janeiro de 2023 como praticados por "baderneiros" sem conexão com algum tipo de liderança.>
"Em todo caso, e aqui não foi diferente, apenas gostaria de registrar no final que o 8 de janeiro de 2023 não foi um acontecimento banal depois de um almoço de domingo, quando as pessoas saíram a passear", disse a magistrada.>
Logo em seguida, Cármen Lúcia já deu indicações, de que condenaria não apenas Jair Bolsonaro, mas os demais réus pelos seus envolvimentos na suposta trama golpista.>
"Já antecipo que para mim, [a PGR] fez prova cabal de que um grupo liderado por Jair Messias Bolsonaro, composto por figuras chaves do governo das Forças Armadas e de órgãos de inteligência, desenvolveu, implementou plano progressivo e sistemático de ataque às instituições democráticas ticas, com a finalidade de prejudicar a alternância legítima de poder nas eleições de 2022", disse Cármen Lúcia.>
O ministro Cristiano Zanin, que votou depois de Cármen Lúcia, seguiu pela mesma linha da magistrada e também pediu a condenação de todos os réus acusados pela PGR.>
Durante a leitura do voto de Zanin, foram protagonizados alguns momentos em que os ministros fizeram discursos sobre o caráter simbólico do julgamento.>
Em determinado momento, durante uma intervenção no voto de Zanin, Cármen Lúcia usou uma metáfora entre a democracia de um país e a saúde de um ser humano.>
O ministro Flávio Dino, então, acompanhou a metáfora.>
"[Que] esse julgamento, ministra Cármen, [seja] o check-up da democracia", disse o ministro.>
A magistrada respondeu no mesmo tom.>
"E eu espero que seja este, o julgamento, um remédio para que [a ameaça à democracia] não volte com frequência. A recidiva não é boa", afirmou a ministra.>
Em outro trecho da sessão, o relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, fez menções às pressões internacionais impostas pelos Estados Unidos em função do julgamento de Bolsonaro.>
"Nós estamos dando um precedente a todos os juízes brasileiros que eles podem contar com o Supremo Tribunal Federal para ter coragem de aplicar a lei para não se vergarem em sanções nacionais ou estrangeira. E somente a justiça aplicada igualmente a todos pode ser realmente chamada de justiça", disse o magistrado.>
Em julho, os Estados Unidos anunciaram tarifas de 50% a produtos exportados pelo Brasil e vincularam a medida ao julgamento de Jair Bolsonaro. Moraes foi alvo de sanções econômicas pela Lei Global Magnitsky e outros ministros da Corte tiveram seus vistos de viagem aos Estados Unidos revogados.>
Nesta quinta-feira (11/9), o presidente americano, Donald Trump, comentou a condenação de Bolsonaro.>
"Eu achava que ele era um bom presidente do Brasil, e é muito surpreendente que isso tenha acontecido. É muito parecido com o que tentaram fazer comigo, mas não conseguiram", disse Trump.>
Pouco depois, o Secretário do Departamento de Estado norte-americano, Marco Rubio, postou uma mensagem na rede X (antigo Twitter) criticando a condenação de Bolsonaro e prometendo reações.>
"As perseguições políticas do abusador de direitos humanos Alexandres de Moraes continuam à medida em que ele e outros ministros da Suprema Corte brasileira condenaram o ex-presidente Jair Bolsonaro injustamente. Os Estados Unidos irão responder apropriadamente a esta caça às bruxas.">
Na avaliação de criminalistas ouvidos pela BBC News Brasil, as penas impostas a Bolsonaro são "severas", mas não chegariam a ser "excessivas". Nessa linha, eles discordam da tese levantada pela defesa de Bolsonaro, que classificou as penas impostas ao ex-presidente como "absurdamente excessivas e desproporcionais".>
O professor de Direito Penal do Ibcmec do Rio de Janeiro, Taiguara Libano, disse que a pena de Bolsonaro foi acima do mínimo estabelecido e que o provavelmente influenciou nisso foi o fato de, na época em que a maior parte dos fatos investigados aconteceu, ele ser o presidente da República.>
"Espera-se do chefe do Poder Executivo um comportamento de acordo com a lei, com a Constituição. Imagino que a responsabilidade de um chefe do Poder Executivo é maior do que de um cidadão comum. Então, o Supremo deve ter levado isto em consideração ao fixar as penas", diz o professor.>
Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), o jurista Marcelo Semer diz considerar a pena definida para o ex-presidente como justa. "Não houve excesso. Ela poderia chegar a 43 anos. E as pessoas sem poder de mando receberam até 17", afirmou. "São vários crimes.">
Com relação a Mauro Cid, no entanto, o desembargador afirma que a pena foi baixa, mas motivada pelo fato de o militar ter feito um acordo de colaboração premiada. "Eles acharam por bem manter o acordo. E isso gera um grande estímulo à delação, principalmente nos outros núcleos.">
O professor de Direito Processual Penal da Universidade Federal Fluminense (UFF) João Pedro Pádua, afirma que Bolsonaro não teria como receber uma pena baixa, a partir do momento em que foi condenado pelos cinco crimes da denúncia.>
Ele nota que as penas mínimas previstas para esses crimes, somadas, já partem de mais de 12 anos de prisão, equanto as penas máximas poderiam superar 40 anos.>
"A gente está falando de um máximo de pena de 40 anos. O líder Jair Bolsonaro ficou em torno de 27 anos, o que é cerca de dois terços da pena máximo. É uma pena razoável, mais ou menos o esperado".>
Para o professor de Direito da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, Wallace Corbo, as penas dadas aos réus foram altas, mas o principal motivo disso foi o fato de eles serem considerados os líderes da suposta organização criminosa.>
"Foram penas mais elevadas, dado que esses réus lideraram efetivamente, coordenaram aquelas pessoas. Já era esperado que elas fossem mais elevadas e já era esperado que elas fossem atingir mais ou menos esse patamar de aproximadamente 30 anos (de reclusão)".>
Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil explicam que a condenação na sessão desta semana não significa que Bolsonaro e os outros réus serão presos imediatamente.>
Antes disso, é preciso que o STF publique o acórdão do julgamento, que é uma espécie de certidão contendo todas as informações do caso. Isso deve acontecer nas próximas semanas.>
Depois disso, as defesas terão até cinco dias para mover recursos à Primeira Turma do STF. Esses recursos são os chamados "embargos de declaração".>
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