Publicado em 6 de agosto de 2024 às 05:27
A semana começou com bolsas de valores em queda em todo o mundo e disparada do dólar, em meio a um temor crescente de que a economia dos Estados Unidos possa entrar em recessão.>
A bolsa de Tóquio, no Japão, caiu 12% na segunda-feira (5/8), no pior resultado em 37 anos, criando uma reação em cascata nas demais bolsas asiáticas, como Coreia do Sul (-8,8%), Taiwan (-8,35%), Singapura (-4,07%) e Índia (-2,6%).>
Nos Estados Unidos, os índices Nasdaq (-3,43%), S&P 500 (3%) e Dow Jones (-2,6%) também registraram quedas.>
Já no Brasil, o Ibovespa recuou 0,46%, após chegar a cair mais de 2% na mínima do dia, e o dólar fechou em alta de 0,53%, a R$ 5,74, após chegar a R$ 5,86 na máxima da segunda-feira.>
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Mas o que essa piora generalizada dos mercados financeiros significa para o Brasil?>
E como a perspectiva de uma desaceleração da economia americana afeta o cenário para juros e dólar por aqui?>
Conversamos com três economistas para entender melhor o que vem por aí.>
Os agentes do mercado financeiro vêm acompanhando atentamente a dinâmica de inflação nos países de economia avançada, na expectativa de encontrar sinais que permitam aos bancos centrais começarem o processo de flexibilização da política monetária – isto é, de corte de juros.>
Nos últimos anos, bancos centrais de todo o mundo subiram suas taxas de juros, para conter a alta inflacionária que resultou de grandes choques como a pandemia de covid-19 e as guerra na Ucrânia.>
Quando os juros sobem, fica mais caro para famílias e empresas pegarem empréstimos, o que funciona como um freio para consumo e investimentos, desacelerando a economia e a inflação. >
O oposto ocorre quando os juros caem.>
Nos Estados Unidos, os mercados começaram o ano esperando que o primeiro corte de juros pelo Fed (Federal Reserve, o banco central americano) viria em março, expectativa que foi adiada para junho e agora para setembro.>
Na sexta-feira (2/8), no entanto, um dado de emprego muito abaixo do esperado – criação de 114 mil vagas de trabalho em julho nos EUA, ante expectativa de 185 mil – ligou os sinais de alerta nos mercados, com a leitura de que a economia americana pode já estar mais fraca do que se pensava.>
Com isso, alguns analistas passaram a avaliar que o Fed pode ter perdido o momento certo de começar a cortar juros, o que forçaria a autoridade monetária dos EUA a fazer uma sequência de cortes mais abrupta nos próximos meses.>
"É isso que está acontecendo: os mercados tensos, as taxas de juros caindo, as bolsas caindo, tudo em reação à perspectiva de uma desaceleração econômica mais forte [nos EUA]", observa Flávio Serrano, economista-chefe do Banco BMG.>
"E a percepção de risco maior faz com que as moedas, principalmente em países emergentes, sofram um pouco", acrescenta.>
Assim, crescem as apostas de que o Fed pode fazer três cortes de juros de 25 pontos-base (0,25 ponto percentual) até o fim do ano, do atual patamar de 5,25% a 5,5% ao ano.>
"Mas já se discute se não seria o caso de começar com 50 pontos de corte [em setembro], considerando que o Fed pode ter esperado demais, e agora a desaceleração econômica exigirá cortar mais rapidamente para evitar problemas maiores", diz Serrano.>
Alessandra Ribeiro, diretora de macroeconomia na Tendências Consultoria, avalia, no entanto, que ainda é cedo para se falar em uma recessão nos Estados Unidos.>
"É preciso esperar novos indicadores, porque sempre existe uma volatilidade nos dados", diz Ribeiro.>
"Até porque vimos dados muito bons até o segundo trimestre – o próprio PIB [Produto Interno Bruto] dos Estados Unidos veio acima do esperado –, então ainda há sinais de resiliência da atividade americana. Por isso não é óbvio afirmar que o cenário mais provável é de recessão por lá.">
Para Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, essa piora do cenário externo preocupa, num momento em que o Brasil também lida com turbulências internas, principalmente devido às preocupações quanto ao equilíbrio das contas públicas do governo federal.>
"Isso deveria significar para o governo olhar para o fiscal com mais atenção ainda, para evitar que o país seja contaminado com intensidade por uma possível recessão nos Estados Unidos", diz Vale.>
Ele lembra que isso aconteceu em 2008 e 2009, quando houve a última grande recessão americana.>
Naquele momento, o Brasil estava em ótimas condições, avalia Vale, o que permitiu ao país ter apenas uma recessão curta, seguida por uma recuperação rápida.>
"Agora é diferente, temos um cenário fiscal muito pior do que em 2008, com dificuldade de melhorar isso nos próximos anos, o que significa que tendemos a sentir com bastante intensidade a volatilidade [externa]", observa o economista.>
Um possível repercussão disso seria o dólar se manter pressionado por mais tempo, o que pode vir a afetar a inflação.>
Um real desvalorizado por um período longo afeta os preços de bens importados – como componentes utilizados pela indústria, por exemplo – mas também de produtos cujos preços são balizados por cotações internacionais, como os combustíveis.>
Os preços dos alimentos também podem ser afetados, já que um real desvalorizado favorece as exportações, reduzindo a oferta interna das commodities exportadas.>
"Esse é o grande receio que se tem hoje: quanto mais tempo o câmbio fica nesse patamar elevado, maior a pressão em inflação, mais trabalho o Banco Central vai ter em relação à taxa de juros e, lá na frente, tudo isso que está acontecendo pode significar crescimento mais baixo.">
Assim, após dois anos de crescimento acima de 2% em 2023 e 2024, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) caminha para uma segunda metade de mandato com altas do PIB abaixo desse patamar em 2025 e 2026, projeta o economista-chefe da MB Associados.>
Diante deste cenário, os três economistas ouvidos pela BBC News Brasil acreditam que o mais provável é o Banco Central brasileiro optar por "jogar parado".>
Isto é, manter a Selic no patamar atual de 10,5% até o final deste ano.>
Isso porque a combinação de uma maior percepção de risco no mundo, junto à incerteza fiscal no Brasil, além das incertezas relacionadas à eleição americana e à transição na presidência do próprio Banco Central aqui no Brasil não devem dar espaço para o BC reduzir juros, mesmo num cenário de cortes pelo Fed, avalia Alessandra Ribeiro, da Tendências.>
Os economistas divergem, no entanto, quanto ao que pode acontecer em 2025.>
Serrano, do BMG, acredita que o BC pode retomar os cortes da Selic já em março do próximo ano, levando a taxa a 9,5% ao final de 2025.>
Já Ribeiro, da Tendências, passou a apostar em uma taxa básica de juros estável em 10,5% até o final do próximo ano – isso devido à questão fiscal no mercado interno e à aposta da casa no favoritismo de Donald Trump nas eleições americanas.>
Na visão da economista, a agenda econômica do republicano – que inclui cortes de impostos para empresas e famílias americanas, o que aceleraria a economia dos EUA, mas pioraria a situação fiscal por lá – pode limitar uma queda do dólar no médio prazo, mantendo a pressão sobre a inflação por aqui.>
Mais pessimista, Vale, da MB Associados, já vislumbra até a possibilidade de o BC ter de voltar a subir a Selic em algum momento. >
Isso só mudaria, na visão do economista, se acontecer uma recessão forte nos EUA, que afete também o Brasil, o que então abriria espaço para o BC baixar os juros.>
"Para o Brasil, há um cenário muito difícil à frente, que deve significar juros a 10,5% por mais tempo e um câmbio que deve permanecer pressionado pela questão fiscal e os riscos externos nos EUA e no Oriente Médio, onde pode haver uma escalada no conflito com Israel", diz Vale.>
O economista não descarta que o câmbio chegue a bater em R$ 6 em algum momento deste semestre, embora ele acredite que a taxa deva fechar o ano num patamar mais próximo a R$ 5,40.>
No boletim Focus, do Banco Central, a mediana das projeções dos economistas aponta para uma Selic a 10,5% no fim deste ano e 9,75% em 2025, e um dólar no patamar de R$ 5,30 para ambos os anos. >
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