Publicado em 11 de junho de 2025 às 08:40
As imagens circularam rapidamente. Um jovem com rosto de criança e cabelos caindo sobre os ombros, vestindo calça jeans e camiseta verde, era imobilizado no chão pela polícia.>
Era o momento da prisão do principal suspeito do atentado contra Miguel Uribe Turbay, senador da oposição e pré-candidato à Presidência da Colômbia, baleado no último sábado (07/06) em um ato político, em Bogotá. Ele segue internado em estado gravíssimo.>
Horas depois, o presidente colombiano Gustavo Petro confirmou as suspeitas: o autor do ataque seria um adolescente de 15 anos. Ele portava uma pistola Glock 9 milímetros, proveniente dos Estados Unidos.>
Trata-se de uma arma semiautomática muito utilizada pelas forças de segurança no mundo todo — e que não está ao alcance de qualquer pessoa. >
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"O governo distrital já havia identificado a situação de conflito do assassino", disse Petro em um post no X, nesta segunda-feira (09/06), revelando que o menor de idade havia abandonado voluntariamente um programa educativo de paz no passado. >
O jornal colombiano El Tiempo informou que, ao ser detido, o adolescente disse que a ordem para atentar contra Miguel Uribe veio de "el hombre de la olla", uma referência a um ponto de venda de drogas na capital colombiana. >
As autoridades buscam agora os autores intelectuais do crime, executado por meio de uma prática que se expande na Colômbia: o recrutamento de crianças e adolescentes por grupos armados e organizações criminosas para matar. >
Segundo a Defensoria colombiana, 409 crianças e adolescentes foram recrutados em 2024, um aumento em relação aos 342 casos registrados em 2023. >
As autoridades reconhecem que os números estão subestimados.>
Com décadas de conflito armado e crime organizado, milhares de menores de idade têm sido vítimas da violência na Colômbia, sendo recrutados tanto por cartéis de drogas quanto por guerrilhas esquerdistas, grupos paramilitares e novos atores armados e criminosos.>
"Houve até utilização de menores em operações encobertas pelas forças de segurança pública. Todos os atores do conflito recorreram a isso", diz Max Yuri, diretor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade de Antioquia. >
Nos anos 80, no auge do terror de Pablo Escobar, muitas crianças e adolescentes passaram a atuar como pistoleiros.>
"No entorno do cartel de Medellín, essa prática ficou conhecida como a dos 'suizos', jovens e menores envolvidos em missões suicidas", recorda Jorge Mantilla, doutor em Criminologia da Universidade de Illinois, em Chicago, nos EUA, e consultor de temas como crime, segurança e conflito colombiano.>
Um dos pistoleiros mais emblemáticos foi John Arias Tascón, conhecido como "Pinina", e apontado por investigações jornalísticas como um dos "favoritos" e mais próximos de Escobar. >
A Pinina são atribuídos vários crimes de repercussão, como o assassinato do então ministro da Justiça, Rodrigo Lara Bonilla, em 1984, o atentado ao voo Avianca 203, que deixou 110 pessoas mortas em 1989, além de uma série de homicídios de políticos, jornalistas, civis e adversários do cartel. >
Pinina morreu em 1990, aos 29 anos, durante uma operação policial em Medellín. Acredita-se que ele tenha começado a atuar como pistoleiro aos 15 anos. >
Em 22 de março de 1990, outro menino de apenas 14 anos, chamado Andrés Arturo Gutiérrez Maya, matou a tiros o candidato presidencial Bernardo Jaramillo Ossa, da União Patriótica, no aeroporto El Dorado de Bogotá. >
Naquela época, três candidatos de esquerda tinham sido assassinados na Colômbia em um intervalo de um ano.>
"Outro caso emblemático foi o de Gerardo Gutiérrez, conhecido como Yerry, outro jovem que acabou sendo apontado como o assassino do candidato presidencial Carlos Pizarro Leongómez, da Aliança Democrática M-19", acrescenta Mantilla.>
Inicialmente, Escobar foi culpado, mas o narcotráfico negou sua participação no crime.>
Segundo o Centro de Memória História, Yerry foi morto por um dos seguranças de Pizarro, que era membro do extinto Departamento Administrativo de Segurança (DAS). Anos mais tarde, o líder do grupo paramilitar Autodefesas Unidas da Colômbia, Carlos Castanho Gil, reconheceu ter treinado o pistoleiro e planejado o assassinato em conluio com setores corruptos do Estado. >
O Centro de Memória História reconhece que a Justiça colombiana ainda não esclareceu completamente o crime. >
As crianças recrutadas por grupos armados e criminosos geralmente têm uma origem em comum: vêm, em sua maioria, de regiões vulneráveis e de baixa renda, tanto em áreas urbanas quanto em territórios rurais isolados, onde há pouca presença do Estado. >
"O recrutamento de menores tem sido impulsionado pelo abandono e exclusão social social de crianças sem proteção, além de brechas legais no sistema jurídico e penal colombiano, no que diz respeito à responsabilização penal de menores", explica Mantilla. >
"O sistema penal juvenil é um dos maiores gargalos da Colômbia", acrescenta o especialista. >
Há, no entanto, uma diferença importante entre o contexto urbano e o rural. >
Enquanto nas cidades os menores entram no crime em busca de ascensão social e econômica, os jovens das áreas rurais são, muitas vezes, recrutados à força por grupos armados, por meio de coerção e ameaças às suas famílias. >
"É uma mão de obra barata, fácil de ser substituída. Por sua maleabilidade, muitas vezes são encarregados de atos de terror como esquartejamentos", relata Yuri. >
"Nas cidades, também é comum que eles sejam usados no transporte de armas, drogas, venda de narcóticos, cobrança de extorsão, pistolagem e assassinatos", acrescenta.>
A Jurisdição Espacial para a Paz (JEP), um órgão de justiça transicional da Colômbia, estima que mais de 18 mil crianças e adolescentes foram recrutados pelas Farc-Ep somente entre 1996 e 2016, ano em que essa guerrilha de esquerda assinou um acordo de paz com o governo colombiano. >
Apesar disso, o Estado segue em conflito com outras guerrilhas e grupos armados, como o Exército de Libertação Nacional (ELN), as dissidências das Farc que não aderiram ao acordo, assim como o Exército Gaitanista da Colômbia, conhecido como o "Clã do Golfo", considerado pelo governo como a maior organização criminosa do país. >
Isso dificulta medir a real dimensão do fenômeno, embora os números continuem alarmantes e os métodos de recrutamento estejam cada vez mais sofisticados. >
Em junho de 2024, a BBC mostrou como grupos armados utilizam plataformas como o TikTok para recrutar crianças em áreas remotas da Colômbia. >
Dos 409 menores recrutados — identificados pela Defensoria da Colômbia —, a maioria (300) é de Cauca.>
Essa região é uma das mais problemáticas da Colômbia, sendo um importante polo de cultivo de coca e palco frequente de operações militares. >
As outras áreas críticas são Putumayo e Valle del Cauca, onde as condições são similares. >
Segundo a Defensoria, o principal recrutador foi a dissidência das Farc, conhecida como Estado Maior Central (EMC), com 135 menores de idade aliciados.>
Mantilla diz que alguns dados indicam que o recrutamento forçado pode ter crescido em até 1.200% nos últimos anos, principalmente após a pandemia. >
"Sabemos que, na última década, cerca de 13 mil menores foram processados e condenados por esse tipo de delito", disse o pesquisador. >
Segundo o jornal El Tiempo, em 2024 foram registrados 1.953 casos de desaparecimento de menores de idade na Colômbia. Desses, mais da metade ainda não foi encontrado. >
A informação está baseada em números do Instituto Nacional de Medicina Legal, e uma das hipóteses é que muitos desses desaparecidos foram recrutados à força por grupos armados e criminosos. >
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