Publicado em 22 de março de 2024 às 06:23
Quando a atriz Fernanda Antoniassi aceitou em 2020 uma solicitação de amizade de um perfil falso com a foto do ator britânico Henry Cavill, que deu vida ao Super-homem no cinema, ela não imaginava que começaria a ser perseguida por um desconhecido.>
Fernanda conta que, logo depois, a pessoa por trás do perfil falso passou a interagir com a atriz.>
“Sabia que era golpe, mas resolvi dar trela para juntar provas e fazer uma denúncia seguindo o conselho de uma amiga advogada.”>
Passados sete dias, Fernanda resolveu bloquear o perfil em suas redes sociais.>
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“Foi quando ele passou a criar outros perfis e a me mandar solicitação sem parar. Para piorar, em alguns, ele até tentava fazer chamada de vídeo”.>
Fernanda estava sendo vítima de stalking, termo em inglês que designa o crime de perseguição no qual alguém invade repetidamente a vida privada da vítima presencialmente ou na internet.>
“Vivi essa situação durante semanas. Ele parava e, depois, voltava. Até que um dia, resolvi atender uma das ligações”.>
Foi quando, pela primeira vez, Fernanda conseguiu ver seu perseguidor: um homem que ela diz nunca ter visto antes.>
“Perguntei o que ele queria e disse que já tinha procurado a polícia", conta ela. >
"Foi quando ele me exigiu dinheiro para não matar minha mãe, porque ele dizia saber onde morava, mesmo sem eu nunca ter lhe falado.”>
Ao desligar a chamada, a atriz levou as gravações para a polícia. Mas ninguém foi formalmente acusado do crime até agora.>
“Nesse meio tempo, minha casa passou a ser rondada por carros, meu imóvel foi assaltado e já gravei dois drones a noite rondando a casa onde vivo com meus pais”, diz Fernanda.>
A atriz que teve que passar a fazer tratamento para ansiedade após o caso: “Tenho medo dele estar mais próximo do que imagino”.>
Fernanda diz que a última tentativa de contato do perseguidor aconteceu no final de 2023.>
“Depois que publiquei um relato nas redes sociais, alertando outras mulheres, ele meio que parou, mas ainda sinto receio”, afirma a atriz.>
"Hoje, tenho medo de sair de casa e não voltar, pois não sei quando estou ou não sendo perseguida.”>
Histórias como a de Fernanda são mais comuns do que se imagina.>
Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) apontam para uma média de cerca de 155 casos de stalking registrados por dia nas delegacias brasileiras.>
Para se ter uma ideia, apenas em 2022, 56.560 casos do tipo foram registrados no país.>
São Paulo (17.019), no Rio Grande do Sul (5.424) e no Paraná (4.801) são os que concentram a maior parte dos registros policiais de stalking no Brasil.>
Em geral, a maioria dos casos registrados envolvem vítimas mulheres, entre 16 e 24 anos, e homens como perseguidores. >
"Mas também existem registros de mulheres que perseguem homens”, diz Juliana Brandão, pesquisadora sênior do FBSP.>
No mundo, o termo stalking começou a ser usado no final da década de 1980 para descrever a perseguição insistente a celebridades pelos seus fãs.>
No entanto, foi apenas em 1990, na Califórnia, Estados Unidos, que a conduta passou a ser criminalizada pela primeira vez.>
Atualmente, países como Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e Austrália já possuem legislações específicas para lidar com o stalking.>
A lei que criminaliza o stalking no Brasil é de 2021 e prevê prisão de seis meses a dois anos e multa para esse tipo de conduta. >
A pena pode ser aumentada quando a vítima é criança, adolescente, idoso ou mulher.>
O crime é definido como perseguição reiterada por qualquer meio, como a internet, que ameaça a integridade física e psicológica de alguém, interferindo na liberdade e na privacidade da vítima.>
Brandão explica que, por ser um crime novo na legislação brasileira, muitos casos ainda não são registrados, porque muitas vítimas não sabem que esse tipo de atitude é um crime.>
“Na maioria dos casos, o stalking acontece com o fim de um relacionamento, porém temos notado um crescimento de casos de desconhecidos que passam a perseguir mulheres pelas redes sociais, principalmente, quando estas se recusam a ter contato”, diz Brandão.>
“Nesse caso, falamos de cyberstalking, cuja perseguição acontece no ambiente virtual e acaba até tendo mais impactos na vida da vítima do que atos presenciais.”>
Solano de Camargo, presidente da Comissão de Privacidade, Proteção de Dados e Inteligência Artificial da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo, explica que o stalking se diferencia dos demais crimes contra a mulher pelo seu foco na perseguição persistente e indesejada. >
"Enquanto outros crimes, como a violência doméstica ou o assédio sexual, podem envolver atos isolados ou específicos de violência ou coerção, o stalking caracteriza-se pela repetição e pela persistência do comportamento persecutório”, diz Camargo.>
Pesquisadores ouvidos pela BBC News Brasil classificam o stalking em três níveis:>
Camargo ressalta que o stalking é um crime progressivo, o que significa que pode escalar de um nível mais leve para um mais grave ao longo do tempo.>
"Por isso, é absolutamente imprescindível que as vítimas de stalking busquem ajuda logo nos primeiros sinais de perseguição, para prevenir a escalada do comportamento abusivo do criminoso”, alerta.>
A radialista sul-matogrossense Verlinda Robles começou a ser vítima de stalking em 2017.>
Tudo começou com uma ligação na rádio. Na época, ela apresentava um programa, e um ouvinte da cidade de Costa Rica, no interior do Mato Grosso do Sul, passou a ligar todos dias oferecendo uma música para Verlinda.>
“Sempre fui simpática com todos os ouvintes, mas fui percebendo que aquilo não era normal", diz ela.>
"Agradecia o carinho pelo meu trabalho, mas dizia que aquilo já estava fugindo do normal e pedia para ele parar de ligar.”>
Mas o pedido não surtiu efeito. O homem voltou a ligar para a rádio e a pedir para falar com a radialista. Verlinda voltou a pedir que ele parasse, mas ela diz que seu perseguidor "não queria entender”.>
Ela conta que a situação fugiu do controle quando o perseguidor que conseguiu seu número de telefone particular.>
“Era impressionante, não tinha hora. Ele me ligava no trabalho, a tarde e até de madrugada", diz. >
"Chegou em um ponto em que eu não atendia mais telefonemas, porque sempre era ele. Eu bloqueava um número, ele me ligava de outro.”>
Foi quando o perseguidor passou a fazer contato com Verlinda de outras formas e a ligar nos telefones de seus amigos.>
O homem passou a comprar presentes que deixava na rádio, mas ela conta que recusava todos e pedia para devolver.>
"Mas ele continuava. Eu me sentia ofendida, porque já não bastasse a perseguição ele achava que podia me comprar. Lembro que, quando via ele, eu tremia de medo.”>
Em meio à perseguição, Verlinda resolveu se mudar em busca de novas oportunidades de trabalho.>
Do norte do Mato Grosso do Sul, a radialista foi morar no sul do Estado, onde acreditava estar livre do seu perseguidor.>
Passado alguns dias, um colega da rádio onde ela estava trabalhando falou para ela que tinha um homem que estava ligando todo dia me mandando um abraço.>
Era o perseguidor de Verlinda.>
Na mesma semana, ela entrou no site da operadora de telefonia para pegar um boleto para pagar sua conta. Foi quando Verlinda viu que já estava paga. >
"Na hora, achei estranho, pois sabia que não tinha feito o pagamento. Quando fui averiguar com a operadora, descobri que o endereço de entrega da conta tinha sido trocado e quem tinha pago era quem estava me perseguindo.”>
A radialista resolveu então denunciar o caso em suas redes sociais. A publicação feita em 2019 viralizou.>
"Não sei até hoje como ele conseguiu alterar meu endereço de pagamento. Para eu voltar para o meu endereço, foi uma odisseia.”>
A radialista também fez um boletim de ocorrência contra o homem e se tornou uma das primeiras vítimas de stalking no Brasil a conseguir uma medida protetiva contra um perseguidor.>
Verlinda diz que muita gente até hoje pergunta porque ela não o denunciou antes. >
"Sentia tanta vergonha de chegar na delegacia e os policiais acharem que estava querendo aparecer que fui querendo fugir dele, sem procurar ajuda.”>
Com a medida protetiva, a perseguição cessou, conta Verlinda. Ela soube que, alguns meses depois, seu perseguidor morreu por problemas de saúde, mas os traumas ficaram.>
“Confesso que até hoje olho embaixo da cama ao chegar em casa por medo de ter alguém me perseguindo", diz.>
"Não alugo casa sem ter grades na janela; e até para me relacionar com as pessoas tenho dificuldade. É uma sombra que, infelizmente, levo na minha vida.”>
Daniel Barros, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (HC) da Universidade de São Paulo (USP), explica que, quando a vítima de stalking é uma pessoa famosa, o perseguidor tem na maioria das vezes um transtorno mental.>
“O stalking com anônimos, na maior parte dos casos, não tem a ver com transtorno mental, tem a ver com gênero, do sujeito simplesmente não aceitar o fim do relacionamento ou ser rejeitado por alguém”, explica o psiquiatra.>
Um estudo publicado em 2009, no periódico Law and Human Behavior, que fez um perfil de 200 pessoas condenadas por stalking constatou que, em média, apenas 25% dos casos de perseguição duram mais de um ano.>
Segundo a pesquisa, o fator que leva à perseguição duradoura é o vínculo que a vítima tinha com o autor. >
Assim, no caso de ex-maridos ou ex-namorados perseguidores, o stalking tende a durar mais. “O mais importante é não falar com o perseguidor", afirma Barros. >
"Não troque mensagem, não fale, não tenha nenhum contato, e leve a sério a situação, pois falar com ele tende a aumentar esse comportamento, porque o perseguidor entende que conseguiu o que queria: sua atenção.”>
Jamila Ferrari, delegada coordenadora das Delegacias de Defesa da Mulher (DDM) do Estado de São Paulo diz que o principal sinal de que uma pessoa é vítima de stalking é se sentir ameaçada pelas constantes investidas do perseguidor.>
“O enfrentamento sem dúvida é feito com informação. Informar constantemente às pessoas de que existe esse crime e punição para quem comete é uma das medidas mais importantes de prevenção”, diz a delegada.>
Atualmente, a vítima de stalking no Brasil pode procurar ajuda em qualquer delegacia de polícia.>
Contudo, especialistas dizem ser aconselhável que, em casos mais graves, a pessoa perseguida busque apoio também de advogados, serviços de assistência psicológica e grupos de apoio.>
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil recomendam algumas medidas que podem ajudar a diminuir as chances de ser vítima de stalking:>
“Nessas situações, mediante provas e identificação do autor, a vítima pode obter na Justiça uma ordem de restrição contra o perseguidor, obrigando-o a manter distância da vítima, sob pena de ser preso em flagrante em caso de violação da ordem”, ressalta Solano.>
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