Publicado em 5 de junho de 2025 às 13:38
Após reunião privada com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Paris nesta quinta-feira (5/6), o francês Emmanuel Macron rejeitou mais uma vez a aprovação do texto do acordo entre União Europeia e Mercosul da maneira como está atualmente.>
Em declaração à imprensa no Palácio do Eliseu, sede do governo da França, Macron colocou entraves à aprovação do pacto, apesar das manifestações entusiasmadas de Lula e os pedidos do líder brasileiro para que o colega "abrisse o coração".>
O tema é o grande calcanhar de Aquiles da relação entre os dois presidentes, que se reúnem em Paris para a primeira visita de Estado do líder brasileiro ao território francês em seu terceiro mandato. >
"Este acordo, nesse momento estratégico, é bom para muitos setores grandes, mas comporta um risco para os agricultores europeus", disse Macron, em resposta aos questionamentos da imprensa sobre a possibilidade de aprovação do texto.>
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A objeção de produtores agrícolas ao pacto é um dos principais obstáculos no momento. O setor alega que a entrada em vigor do tratado colocaria em risco milhares de empregos ao abrir as portas do mercado francês a produtos agrícolas produzidos sem os mesmos padrões de qualidade ambiental e sanitários exigidos dos fazendeiros franceses.>
Esse foi exatamente o argumento de Macron. O presidente francês apontou que, enquanto a Europa proíbe o uso de certos agrotóxicos e exige práticas mais sustentáveis de seus agricultores, os países do Mercosul não estão sujeitos às mesmas restrições.>
"Eu não saberia explicar aos agricultores como, no momento em que eu lhes peço que respeitem mais normas, eu abro maciçamente o meu mercado a quem não respeita nada. Então é por isso que, como disse antes, nós devemos melhorar este acordo", afirmou o chefe de Estado francês. >
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Lula, por sua vez, insistiu nas vantagens do pacto e afirmou que está disposto a dialogar com os agricultores franceses para destravar as negociações. >
"É importante que os agricultores franceses saibam que nossa agricultura seria complementar", disse, de frente para o líder francês. "O que não pode é um bloqueio.">
"Se você quiser, leva um grupo de agricultores para o Brasil ou eu trago um grupo aqui, vamos sentar numa mesa qualquer aí e conversar, eu tenho certeza que a gente faz o acordo.">
O presidente brasileiro afirmou ainda estar seguro de que as trativas se desenvolverão até o final da presidência brasileira do Mercosul, que se inicia em julho e tem duração de seis meses.>
"Quero lhe comunicar que não deixarei a presidência do Mercosul sem concluir o acordo com a União Europeia. Portanto, meu caro, abra o seu coração para a possibilidade de fazer esse acordo com o nosso querido Mercosul", disse Lula ao colega francês.>
Lula também defendeu com convicção das políticas de proteção ao meio ambiente de seu governo. >
"Pode ter no mundo alguém preocupado com o meio ambiente igual meu governo, mas não tem melhor", afirmou.>
"Queria pedir ao Macron uma coisa muito séria. Não permita que nenhum país europeu coloque dúvida sobre a defesa que o Brasil faz para diminuir o desmatamento no Brasil.">
Também citou produtos importados da França pelo Brasil que também são produzidos em solo brasileiro - e nem por isso inviabilizam o acordo com a União Europeia.>
"Embora o Brasil esteja se transformando em um país produtor de vinho, estamos facilitando a exportação de vinhos franceses. Embora o Brasil seja produtor de queijos, não queremos competir com os franceses. Enquanto estejamos produzindo boas champanhes, a gente não quer proibir a champanhe francesa", declarou. >
A relação entre Lula e Macron tem sido marcada por demonstrações de amizade em frente às câmeras, trocas de elogios e alinhamentos em temas como meio ambiente e governança internacional. No entanto, o acordo União Europeia-Mercosul tem sido um ponto de tensão e discordância. >
O pacto foi assinado no final do ano passado, mas ainda precisa ser ratificado pelo Parlamento Europeu e os Legislativos de cada país de ambos os blocos.>
Quando a finalização das negociações foi anunciada durante encontro do Mercosul em Montevidéu em dezembro de 2024, o governo da França já havia se manifestado de forma contrária e classificado a versão aprovada do acordo como "inaceitável".>
E a objeção francesa é considerada o grande entrava para que as trativas avancem, segundo especialistas.>
Na véspera da visita de Estado do presidente brasileiro à França, parlamentares franceses reuniram diversos setores agrícolas na Assembleia Nacional para reafirmar sua oposição ao acordo. >
Jean-François Guihard, presidente da Associação Interprofissional da Pecuária e da Carne (Interbev), pediu que Macron fosse "extremamente firme" com Lula "para dizer que esse acordo não é possível ".>
Em suas declarações na manhã desta quinta, o presidente francês defendeu a inclusão de "cláusulas de salvaguarda e cláusulas-espelho" para garantir que os produtos importados atendam aos mesmos padrões ambientais e sanitários exigidos na UE.>
Lula e Macron se reuniram no Palácio do Eliseu para uma reunião ampliada, com a participação de ministros e outros membros dos dois governos. Foram assinados diversos acordos de temas variados, como segurança pública, educação, ciência e tecnologia.>
Após a coletiva de imprensa, o grupo participou de um almoço, depois do qual o presidente brasileiro seguiu para uma homenagem na Academia Francesa, equivalente à Academia Brasileira de Letras. >
A agenda de Lula em Paris também inclui uma reunião com a prefeita de Paris, Anne Hidalgo, e um encontro com a comunidade brasileira.>
O presidente ainda participará da Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos, em Nice, e visitará a Interpol em Lyon. A Interpol é atualmente comandada pelo brasileiro Valdecy Urquiza, delegado da Polícia Federal.>
Além da discussão sobre o acordo entre UE e Mercosul, Lula também tratou de outras temas da relação entre Brasil e França em sua declaração no Palácio do Eliseu. >
"É importante, presidente Macron, que o povo francês saiba que a maior fronteira da França com qualquer outro país não se dá na Europa, se dá com a América do Sul e com o Brasil. A França deveria ter orgulho de dizer que a maior fronteira dela é no território amazônico", disse Lula, em referência à divisa entre o Brasil e a Guiana Francesa.>
Questionado sobre a atual situação do conflito em Gaza, o presidente brasileiro fez declarações enfáticas e criticou as ações do governo de Israel, ainda que sem citar nominalmente o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu.>
"Não é possível a gente aceitar uma guerra que não existe. É um genocídio premeditado de um governante de extrema direita que está fazendo uma guerra, inclusive, contra os interesses do seu próprio povo. Porque a Israel, ao povo judeu, também não interessa essa guerra", disse Lula.>
"É triste saber que o mundo se cala diante de um genocídio em que a grande vítima não é soldado que está em guerra, mas mulheres e crianças. Sinceramente, o dia em que eu perder a capacidade de me indignar, eu não mereço ser dirigente do meu país.">
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