Publicado em 8 de junho de 2025 às 10:39
Shinichi Kobayashi tem lembranças idílicas da sua infância em Naoshima, uma das quase 3 mil ilhas espalhadas pelo Mar de Seto, no Japão.>
"Nós íamos colher moluscos", conta o homem de 75 anos, que se tornou prefeito da ilha em 2018. "Durante o verão, eu passava o dia inteiro nadando no mar, pegando conchas e peixes, e ficava bastante bronzeado.">
"Não me lembro de ver nenhum visitante estrangeiro", acrescenta.>
A ilha natal de Kobayashi não está mais fora do radar dos turistas, graças ao poder da arte moderna. >
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Desde o lançamento, em 1989, do que se transformou no Benesse Art Site de Naoshima — um projeto de arte em várias ilhas iniciado pelo bilionário Sōichirō Fukutake —, mais de 500 mil pessoas agora visitam anualmente Naoshima, cujas vilas de pescadores, campos de arroz e litorais escarpados se tornaram a tela para instalações de arte hipnotizantes e museus ambiciosos.>
Em 2010, foi lançada a Trienal de Setouchi. O festival de arte contemporânea — que agora é um dos principais eventos internacionais de arte do Japão — atrai cerca de um milhão de visitantes para a região a cada temporada. >
A sexta edição teve início em 18 de abril deste ano e vai até 9 de novembro, a mais longa Trienal de Setouchi de todos os tempos.>
Quarenta anos atrás, poucos teriam imaginado tal transformação. >
No início do século 20, Naoshima havia consolidado sua reputação como um centro de fundição de cobre, mas, na década de 1980, estava altamente poluída. A terra virgem e rochosa ao redor da instalação industrial da Mitsubishi Materials estava despida de vegetação.>
A população diminuiu drasticamente à medida que os jovens partiram em busca de oportunidades em cidades maiores.>
O pai de Fukutake, o magnata das editoras Tetsuhiko Fukutake, e o então prefeito de Naoshima, Chikatsugu Miyake, pretendiam revitalizar a área sombria fundando um acampamento para crianças. Tetsuhiko morreu antes da conclusão do projeto, deixando-o para o filho.>
Chocado com a poluição de Naoshima, o jovem Fukutake comprou uma grande área do lado sul degradado da ilha. Seu plano: transformar a região com a construção de museus atraentes em meio às serenas paisagens costeiras.>
Para colocar em prática sua visão, ele contratou o arquiteto Tadao Andō, nascido em Osaka, que havia ficado conhecido por projetar edifícios que se integravam perfeitamente aos seus arredores.>
"Fiquei surpreso com a ideia, e achei que seria difícil realizá-la", contou Andō em uma entrevista em 2018, na qual ele e Fukutake discutiram as origens do projeto. "Era tão inconveniente! Quem viria aqui?">
"Este projeto começou como um ato de resistência", explicou Fukutake na entrevista. "Era minha intenção consciente construir uma espécie de paraíso na Terra — o primeiro paraíso que harmoniza arte, natureza e a comunidade local.">
Em 1989, Andō projetou o Acampamento Internacional de Naoshima, concretizando a visão do pai de Fukutake. Em 1992, veio a Benesse House, um hotel e museu de arte contemporânea que abriga obras de personalidades como Bruce Nauman, Frank Stella e Hiroshi Sugimoto.>
A transformação da ilha em um museu ao ar livre de renome mundial e centro internacional de artes contemporâneas foi praticamente garantida em 1994, quando a abóbora amarela com bolinhas pretas de Yayoi Kusama foi adicionada à crescente coleção de obras de arte públicas da paisagem. Desde então, esta obra icônica se tornou emblemática da própria Naoshima.>
"O objetivo inicial não era promover o turismo", diz o filho de Soichiro Fukutake, Hideaki, que agora dirige a Fundação Fukutake. "Mas, sim, revitalizar a região por meio da arte e ajudar os moradores locais a ter um senso renovado de orgulho da sua cidade natal.">
Mas a missão não tem sido apenas construir algo novo. Desde 1998, e o início do Projeto Art House na vila de pescadores próxima de Honmura, "usar o que existe para criar o que deve ser" tem sido um princípio orientador, fazendo com que muitos prédios abandonados em Naoshima e nas ilhas vizinhas de Teshima e Inujima renasçam como arte.>
Entre eles, estão dois projetos do artista Shinrō Ōtake: Haisha, um antigo prédio de dentista transformado com colagem, materiais reciclados e uma cópia gigante parcial da Estátua da Liberdade; e Naoshima Bath "I♥︎湯", uma casa de banho pública agora decorada com uma colcha de retalhos de azulejos estampados na fachada, e uma escultura em escala real de um elefante atravessando a parede divisória entre as seções de banho masculina e feminina.>
No início, alguns moradores locais ficaram céticos quanto ao apelo geral destas obras de arte. Na década de 1980, Toshio Hamaguchi trabalhava para o gabinete municipal de Naoshima, e guiou executivos da empresa de Fukutake pela ilha quando o Acampamento Internacional estava sendo planejado.>
"Eu não esperava que atraíssemos muita gente com um projeto como esse e, principalmente, com arte", lembra o aposentado. "No entanto, agora temos muitos visitantes graças à arte.">
Desde suas primeiras obras em Naoshima, Andō concebeu nove outros projetos na ilha, incluindo o Museu de Arte de Chichu, do qual uma grande parte foi construída diretamente na terra; e o Novo Museu de Arte de Naoshima, que vai exibir arte contemporânea do Japão e da Ásia.>
A exposição inaugural — intitulada From the Origin to the Future ("Da origem ao futuro", em tradução livre) — vai apresentar obras de artistas como Takashi Murakami e Makoto Aida, do Japão, Cai Guo-Qiang, da China, e Do Ho Suh, da Coreia.>
Assim como o Museu de Arte de Chichu, o Novo Museu de Arte de Naoshima se integra perfeitamente ao ambiente, com dois de seus três andares sob o solo. "É um dos projetos mais ambiciosos e empolgantes que já realizamos", diz Hideaki Fukutake.>
O sucesso do Benesse Art Site de Naoshima em atrair visitantes para um local outrora negligenciado foi uma inspiração para projetos semelhantes em outras áreas rurais do Japão.>
O Art Base Momoshima, na ilha de Momoshima, é dirigido pelo renomado artista conceitual Yukinori Yanagi, enquanto em Ōmi-shima, outra ilha, o arquiteto Toyō Itō criou o Museu de Arquitetura Toyō Itō.>
Como prefeito, Kobayashi observa os benefícios econômicos: "Graças ao número cada vez maior de visitantes, as pousadas e os restaurantes prosperaram, ajudando a tornar a vida cotidiana mais vibrante para os moradores locais.">
"Dito isso, também vimos algumas mudanças, como mais pessoas trancando as portas, o que não era comum no passado... Para mim, o mais importante é que os moradores possam viver com alegria, vigorosamente e felizes", acrescenta.>
Uma ameaça é o persistente problema de despovoamento da ilha: Naoshima tem atualmente 3 mil habitantes, cerca de metade do número que tinha na década de 1980. "Pessoalmente, desejo fortemente aumentar esse número", afirma Kobayashi. "Mesmo que seja em apenas uma pessoa.">
Mas há lampejos de esperança; uma reportagem de 2024 do jornal Asahi Shimbun citou que, embora a população da ilha estivesse em declínio em 2022, o número de recém-chegados aumentou ligeiramente, mas de forma constante, a cada ano desde então.>
Nos últimos cinco anos, 500 pessoas — sobretudo casais de áreas urbanas na faixa dos 30 e 40 anos — se mudaram para a ilha, atraídos por sua beleza artística única.>
Muitos funcionários do Benesse Art Site de Naoshima se mudaram para a ilha, enquanto outros chegaram para trabalhar no setor de hospitalidade em expansão — tanto que Naoshima agora está enfrentando um déficit habitacional.>
A Mitsubishi Materials também limpou significativamente suas operações de fundição de cobre, melhorando a qualidade de vida geral.>
Falando em uma conferência sobre Naoshima em 2023, Eriko Ōsaka, respeitada curadora e diretora geral do Centro Nacional de Arte de Tóquio, atribuiu aos organizadores do Benesse Art Site de Naoshima a mudança na imagem da ilha "de negativa para positiva por meio do poder da arte".>
Na opinião de Ōsaka, os visitantes de Naoshima "podem vivenciar a serendipidade que não encontram em nenhum outro lugar, e descobrir algo desconhecido dentro de si mesmos". Para ela, o sucesso do Benesse Art Site de Naoshima significa que alguns dos moradores da ilha que se mudaram "vão voltar um dia".>
Leia a íntegra desta reportagem (em inglês) no site BBC Travel.>
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