Erlana Castro, especialista nas áreas de empreendedorismo, inovação e estratégia criativa Foto: Estevao Andrade
Erlana Castro, especialista nas áreas de empreendedorismo, inovação e estratégia criativa Foto: Estevao Andrade
Erlana Castro

"Marcas precisam estar em constante reinvenção"

É o que afirma a especialista em inovação e estratégia criativa ao analisar a atuação de empresas no mercado. Erlana Castro ainda aponta caminhos para momentos de crise, como o da pandemia

Erlana Castro, especialista nas áreas de empreendedorismo, inovação e estratégia criativa Foto: Estevao Andrade
Publicado em 09/12/2020 às 08h00

O mundo está mudando e as marcas também. Em meio à pandemia da Covid-19, que provocou tantos impactos sociais e econômicos, se reinventar é fundamental. Mas, para tanto, é preciso disposição de reaprender e também de enxergar o próprio negócio como realmente é: com pontos fortes e fracos. É o que aponta Erlana Castro, convidada de A Gazeta para uma palestra na live de lançamento do Marcas de Valor 2020, no próximo dia 16, às 16 horas. 

Professora da Fundação Dom Cabral e especialista nas áreas de empreendedorismo, inovação e estratégia criativa, além de ser facilitadora de modelagem de negócios e pesquisadora de tendências de comportamento, Erlana Castro vai falar sobre o novo contexto das marcas no século XXI.

Nesta entrevista, ela antecipa um pouco do bate-papo  que o público poderá acompanhar pelo site de A Gazeta, ressalta a necessidade de as marcas estarem em constante movimento, e trata ainda sobre a imagem das empresas, atitudes colaborativas e mudança do consumidor.  Confira!

Na sua avaliação, o que significa marca de valor?

 O que é valor para a humanidade no século XXI? Pense com cabeça de ODS (Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável - propostos pela ONU e direcionadores da agenda global 2020-2030) e permita que seu negócio e sua marca sejam um meio útil para que a humanidade consiga esses objetivos. Então, é importante se perguntar onde sua marca estará contribuindo para a agenda 2030 da ONU. Por aqui tem uma importante reflexão para toda a comunidade global de negócios diante do que se entende como marca de valor. É preciso saber quais os seus ODS, e com quais desses desafios humanos a sua marca vai colaborar. No fim do dia, para criar valor mesmo, será por esse caminho.

A pandemia da Covid-19 mudou algo nesse conceito?

Fazendo todas as ressalvas em respeito à sua dor, a minha e a dor de milhões de pessoas, entendo que o 'professor Covid-19' está acelerando a transição que já estava posta, mas a resistência era grande. A pandemia nos apresentou uma versão diferente do storytelling (narrativa de uma história) dominante e também outro cenário de negócios por vir. Isso muda tudo para as marcas. Vou dar um exemplo legal: há muito que minha parceira e trend hunter (Caçadora de Tendências), SabinaDeweik, traz luz para o aspecto de que estamos em rede e devemos operar os negócios em ecossistemas. A pandemia trouxe uma vivência coletiva de interdependência humana. Finalmente, aprendemos sobre estarmos em rede e a nos organizar de modo diferente. Desintermediando a geografia, os limites do setor e do negócio. Estamos assistindo isso agora. O que estamos fazendo durante a pandemia, em nível global, local e comunidades. Todos colaborando para superar um enorme desafio. Será muito provável que as marcas sejam solicitadas também a colaborar com seus stakeholders, com seus concorrentes, com outras marcas de setores totalmente diferentes. Neste contexto, os brand collabs (colaboradores de marcas) e a inovação aberta são, por exemplo, novos caminhos de criação de valor. E por aí vai.

Quais são os atributos necessários para a construção da marca? Neste contexto pandêmico, o que o consumidor espera?

Vou dar uma volta maior, para mostrar a causa raiz dessas transformações que estão acontecendo no mundo dos negócios, marketing, marcas, comunicação. Assim fica fácil deduzir sobre a construção de marcas no século XXI, pós-Covid-19. Imagine a falha de San Andreas, na Califórnia, com 1,3 mil quilômetros de extensão e delimitando o encaixe de duas maiores placas tectônicas do planeta. Agora, imagine que as placas se deslocaram dramaticamente, precipitando o “grande terremoto”. Considere essa imagem para compreender o tamanho da disrupção que estamos vivendo no mundo dos negócios neste exato momento, em minha opinião. O importante agora é buscarmos compreender quais fundamentos do nosso sistema de criação de valor estão em disrupção. Por exemplo, tem uma ruptura importante numa ideia estrutural da sociedade de consumo: “ter para ser”. Essa ruptura já estava anunciada e em processo, pois as novas gerações (millennials em diante), já possuem uma melhor perspectiva sobre o tema. No entanto, a ameaça da morte para a Covid-19 nos acelera incrivelmente nesta virada de chave. Agora, imagine tudo o que se construiu em marketing, marcas, propaganda sobre essa ideia do “ter para ser.” Ocorre uma ruptura enorme com tudo isso.

Então, o que passou a ser valor para a marca agora?

 Estes dias estava arrumando minha estante e puxei um dos meus livros preferidos: “Posicionamento do Ries e Trout”. Na capa, estava escrito assim: “a batalha pela sua mente”. Era por aqui que eu começava minha arte de estrategista criativa na propaganda. E ganhei muitas dessas batalhas, só que acabou esse tempo em que a marca era emissora e a audiência era “receptora” e “passiva.” Não preciso explicar muito, mas hoje as marcas são cocriadas por 24 horas, 7 dias, em escala global e fora dos muros da empresa. Neste contexto, enquanto consumidor, em vez de batalharem pela minha mente, esperarei que as marcas de minha vida/rotina se juntem comigo no que é importante para mim. E aí voltamos para o pensar ODS e agenda 20/30, como um novo contexto de criação de valor para marcas e negócios.

Como ser relevante quando o mundo propaga consumo consciente?

 Sendo relevante, ora! Relevância não tem a ver com o modo que fazemos algo, o “como”. Relevância tem a ver com o “porque” fazemos algo. A discussão da relevância está no propósito, não na propaganda. O segredo da manifestação do seu propósito está no fazer para ser e então dizer. Não mais ao contrário. Aprendi essa importante missão com a minha mentora do caos e parceira criativa, Marcela Bueno. Quanto ao consumo consciente, contextualizemos isso naquela ruptura mais profunda entre o ter e o ser, que já comentamos. Será natural esperar que a ideia do consumo consciente e até a ideia do não consumo ganhem muita potência daqui para a frente.

Qual a importância de um conceito sobre o que a marca representa?

 É muito difícil, neste exato momento, querer ter um conceito fechado sobre o que sua marca representará daqui em diante. Acho que agora é hora de rever o seu propósito e ter bem claro quais bandeiras sua marca representa e/ou apoia. Começaria por aqui. A partir dessa reflexão, conseguirá observar se e como o seu ecossistema se transforma. Esse seria o primeiro movimento estratégico que eu proporia para as marcas: rever seus propósitos, suas bandeiras, seus ecossistemas e as redes que fazem parte. Durante o festival Verbo: Gentileza 2020 on-line, que organizamos na quarentena, uma querida amiga humanista organizacional, Claudia Gross, me deu de presente uma imagem que em inglês se chama murmuration (murmuração, em livre tradução): um grande grupo de pássaros que voam todos juntos e mudam de direção juntos. Eles chegam de todos os lados e, como mágica, se encaixam e executam naturalmente o mesmo propósito. É por aqui.

Como a marca pode inovar, se reinventar e ser criativa?

 Essa, para mim, é a melhor parte. Reimaginar tudo. Pensar que “o jogo” está, de certa forma, zerado. Então, precisamos aprender tudo do zero. Aqui tem um insight legal que rolou num papo outro dia com um amigo consultor brilhante, RaqueAlmeida: imagine que você é faixa preta no jiu-jítsu, mas vai lutar caratê. No caratê você seria faixa branca, certo? Estamos vivendo tantas rupturas juntas que a arte marcial já é outra. Mas será que ser faixa preta em jiu-jítsu te ajuda de algum modo? Depende. Você precisará ter a manha de saber que você não sabe. Ou seja, ter mindset (pensar como) de faixa branca, mesmo sendo um faixa preta. Não é fácil desaprender.

Em que as empresas precisam ficar atentas para não perderem a relevância que possuem?

 Antes de mais nada, as empresas precisam compreender qual relevância de fato possuem. É importante fazer uma reflexão profunda e sincera. Sem photoshop, nem esqueleto no closet. Todos temos luz e sombra, imperfeições e vulnerabilidades. O importante agora é se conhecer, se abrir, corrigir rota e contribuir da melhor forma. Eu sugiro que as empresas comecem (re)conhecendo o contexto onde estão e procurando saber sobre o tema regeneração e futuros regenerativos. Recomendo seguir @dialogosparatransição, Daniela Nunes e Lua Couto. Eles são craques nessas jornadas de marcas e negócios.

Como ter uma marca forte pode cativar e incentivar o consumo?

 Para comprovar essa tese, tem pelo menos 80 anos de história da propaganda e estudos acadêmicos. Mais recentemente, explodem avanços nos conhecimentos em neurociência para aplicação no marketing, o chamado neuromarketing. Mas continua valendo o ponto que discutimos antes: que tal pararmos de batalhar para controlar as mentes das pessoas e seus impulsos de consumo, para podermos dar as mãos enquanto humanidade e avançar na reinauguração do mundo?

Por que entender as tendências de comportamento é importante para as empresas?

Imagine que os negócios existem para resolver problemas de pessoas e/ou outros negócios. Se o contexto muda, mudam também os problemas que essas pessoas/negócios terão para resolver. Se você/negócio não tem uma boa perspectiva sobre o que está mudando no contexto, e como isso transformará em perspectiva a sua demanda e a de vários setores, significa que o risco de seu negócio aumenta muito. No momento que estamos vivendo, seria como dar as costas a um tsunami. Agora um pensamento que deve dar um certo alívio: não se preocupe em não saber exatamente como será o futuro de sua marca ou do seu negócio. Está bem difícil ter essa visibilidade agora. Pense assim: para tempos de transição, negócios de transição, marcas de transição, pessoas de transição. O importante é não resistir e transitar. Nossa geração foi sorteada e teremos cerca de 10 anos para viabilizar os outros 100.

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