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Mercado imobiliário deve passar por transformação com novas fontes de financiamento

Mercado imobiliário deve passar por transformação com novas fontes de financiamento

A redução de recursos da poupança tem feito com que empresas busquem o mercado de capitais para financiar empreendimentos, da produção à venda, levando o setor a uma nova fase

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Karine Nobre

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Publicado em 13 de outubro de 2025 às 11:52

 - Atualizado há um mês

Fontes de Financiamento
Financiamento para construção no Brasil tem passado por mudanças ao longo dos anos Crédito: Shutterstock

O Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) é hoje uma das principais linhas de crédito para financiamento de imóveis. Ele utiliza recursos da caderneta de poupança para viabilizar a compra de casas, apartamentos, terrenos, entre outros ativos imobiliários. Além disso, é uma das principais fontes de financiamento da produção (construção de empreendimentos imobiliários), o que vem diminuindo com o passar dos anos.

Para se ter uma ideia, em 2023, o SBPE era responsável por 35% da estrutura de funding (financiamento) da produção, seguido dos recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), com 27%. Em junho deste ano, esse percentual caiu para 30%, e o do FGTS teve uma leve queda, passando para 26%.

Por outro lado, outras formas de financiamento aumentaram, como as letras de crédito imobiliário (LCI), que saltaram de 14%, em 2023, para 19% este ano; e os fundos de investimento imobiliários (FII), que cresceram de 9% de participação, em 2023, para 11% este ano.

Ainda segundo dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), as LCIs ganharam destaque na primeira metade de 2025, voltando a crescer 25% após um período de retração no início de 2024. Isso aconteceu pela necessidade de complementação dos recursos da poupança e pela redução gradual do prazo de carência, que caiu de 12 para nove meses e, posteriormente, para seis meses.

Para o presidente da Associação das Empresas do Mercado Imobiliário do Espírito Santo (Ademi-ES), Alexandre Schubert, essa será a nova realidade para o mercado, onde os recursos do SBPE serão priorizados para empreendimentos econômicos, e empresas que trabalham com produtos que não se encaixam no programa Minha Casa, Minha Vida deverão buscar novas formas de financiamento da produção.

“O médio e alto padrão devem ficar mais por conta desse mercado que chamamos de secundário. E isso vai ser uma grande mudança, pois as empresas precisam estar preparadas para ‘buscar esse dinheiro’ em outras fontes. E isso significa uma mudança grande na governança de muitas empresas”, avalia.

Mais controle

Os fundos do que se chama o mercado secundário de financiamento são controlados pela Comissão de Valores Imobiliários (CVM), que estabelece índices para manter a segurança do dinheiro dos investidores.

Segundo o diretor do Patria Investimentos, uma das principais gestoras de investimentos alternativos do país (incluindo os fundos imobiliários), para uma empresa tomar emprestado do mercado de capitais, é preciso que ela siga uma série de critérios.

“Em primeiro lugar está a reputação da empresa, se ela tem história, há quanto tempo está no mercado… Ela precisa ter uma estruturação bem forte de contratos com fornecedores, controladoria e contabilidade. Além disso, é necessário ter capacidade de fazer um bom planejamento para a definição do produto. Tudo isso é analisado”, explica.

Inclusive, o projeto do empreendimento precisa ser muito bem estruturado. “É um projeto que faz sentido para aquela região? Está superdimensionado? São algumas das perguntas feitas antes de investir naquele empreendimento, pois essas operações precisam ser 100% seguras para os investidores. A construtora precisa dar garantias de que aquela obra vai ser finalizada e de que haverá um bom retorno para os investidores”, complementa.

Com isso, o mercado se profissionaliza ainda mais, afirma Alexandre Schubert. “As empresas vão ter que adaptar sistemas de viabilidades que justifiquem seus lançamentos. Será preciso investir em mais pesquisa para esses lançamentos, aprimorando as empresas que vão buscar financiamento por meio dos fundos imobiliários. Os aventureiros não vão conseguir fazer parte desse mercado”, avalia.

Glossário

SPBE: Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo, principal fonte de captação de recursos para o financiamento e funding imobiliário.

CGI: Crédito com Garantia de Imóvel, modalidade de financiamento que traz juros e prazos mais competitivos.

LCI: Letras de Crédito Imobiliário, investimento de renda fixa emitido pelo banco, que tem como lastro a carteira de empréstimos imobiliários, com garantia de hipoteca ou alienação fiduciária, mantidos pela instituição financeira.

CRI: Certificados de Recebíveis Imobiliários, título que gera direito de crédito ao investidor, sendo instrumento de captação de recursos para transações do mercado imobiliário e lastreado em créditos imobiliários como financiamentos residenciais, comerciais ou para a construção de empreendimentos.

LIG: Letras Imobiliárias Garantidas, títulos de renda fixa emitidos por instituições financeiras com a finalidade de captar recursos para o mercado imobiliário.

FII: Fundo de Investimento Imobiliário, reúnem a aplicação de diversos investidores com o objetivo de investir em empreendimentos imobiliários.

Fontes: Caixa, B3, Banco Central, governo federal.

E para o comprador, o que muda com as novas formas de financiar obras?

Poupança e Empréstimo
O financiamento para produção pode impactar o preço final dos imóveis, mas de forma indireta Crédito: Shutterstock

O recurso utilizado para financiar a construção por meio do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) é um dinheiro mais “barato”, que chega com juros menores. Já no caso dos fundos imobiliários, os juros são mais altos, variando de acordo com uma série de fatores econômicos, o que, em tese, deixaria uma obra mais “cara”.

Para o diretor da Associação das Empresas do Mercado Imobiliário do Espírito Santo (Ademi-ES), Ricardo Gava, o financiamento para produção pode sim impactar o preço final dos imóveis, mas de forma indireta.

“Quando o custo de captação de recursos para as construtoras aumenta ou há escassez de funding, esse encarecimento tende a ser repassado para o comprador na forma de preços mais altos. Portanto, ainda que o consumidor não participe diretamente desse modelo de crédito, ele pode sentir os efeitos no valor final do imóvel”, explica.

Por outro lado, imóveis de até R$ 500 mil podem ficar de fora desse cenário, desde que se encaixem dentro da Faixa 4 do Minha Casa, Minha Vida (MCMV). Desde maio, essa faixa oferece condições mais acessíveis para famílias com renda bruta mensal de até R$ 12 mil, com taxa de juros nominal de 10% ao ano, inferior às praticadas nas modalidades de financiamento com recursos do SBPE.

“Há uma tendência clara de surgirem novas alternativas. Nos próximos anos, o comprador pode ter acesso a novas modalidades de financiamento além das linhas tradicionais da poupança e do FGTS, com condições potencialmente mais flexíveis”, avalia Gava.

Modelo híbrido

O atual desafio é buscar alternativas para suprir a redução do principal funding que o mercado possui, que são os depósitos de poupança por meio do SBPE. Os atuais recursos fora desse âmbito são junto ao mercado de capitais, diretamente influenciadas pela taxa básica de juros, a Selic, que atualmente está em 15% ao ano.

Mas, de acordo com nota do Banestes, existe em curso uma discussão entre o setor e os órgãos reguladores para criar um modelo de financiamento híbrido, combinando as fontes tradicionais com as do mercado de capitais. “O objetivo é estabelecer uma solução perene, que não dependa exclusivamente de um único funding e que ajude a mitigar as oscilações das taxas de financiamento e de disponibilidade de recursos do setor”, diz a nota.

Para Gava, o cenário tende a ser positivo. “Ao diversificar as fontes de funding, o setor ganha mais liquidez e estabilidade, o que abre espaço para maior competitividade entre bancos e, consequentemente, melhores taxas e prazos para o consumidor. O resultado esperado é um mercado mais acessível, com maior oferta de crédito e condições menos vulneráveis às oscilações de um único tipo de recurso, como a poupança”, explica.

Linha do tempo do financiamento imobiliário

1964
- É criado o Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e o Banco Nacional da Habitação (BNH) para facilitar a aquisição da casa própria.
- O financiamento era feito com recursos da poupança e do FGTS (criado em 1966), por meio do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE).

1986
- O BNH é extinto, mas o SBPE permaneceu e foi incorporado ao Banco Central (Bacen), que até hoje é o seu órgão regulador.

1997
- A Lei n.° 9.514 institui o Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI) e a alienação fiduciária, que se torna a principal garantia nos contratos imobiliários.
- O SFI é criado para expandir a oferta de crédito privado, aumentando as opções de financiamento para quem não se enquadrava nas taxas do SFH.

2001
- Criada a Cédula de Crédito Imobiliário (CCI) pela medida provisória n° 2.223/01, com foco em fomentar o mercado de crédito imobiliário. É um título negociado no mercado financeiro que permite ao banco vender seus créditos de financiamento para novos investidores.

2004
- A CCI é consolidada por meio da Lei n° 10.931 e juntamente a ela nasce a Letra de Crédito Imobiliário (LCI), que traz a abertura de nova captação de recursos para empréstimo no financiamento, com isenção de Imposto de Renda para pessoas físicas, ampliando as fontes de recursos além da poupança e do FGTS.

2009
- Criação do Minha Casa, Minha Vida (MCMV) pela Lei n° 11.977 para facilitar acesso de famílias com renda até 10 salários mínimos. Faixa 1 e 2 recebem subsídios do governo e juros subsidiados para adquirir a casa própria mais barata. A Faixa 3 financiaria o imóvel total, mas sem subsídios.

2020
- O MCMV é descontinuado e substituído pelo Casa Verde e Amarela, que manteve, basicamente, as regras do programa anterior.

2023
- O MCMV é relançado e a Faixa 3 é reformulada, aumentando a renda familiar.

2025
- É criada a Faixa 4 do MCMV com foco nas famílias de classe média com rendimentos mensais de R$ 8 mil a R$ 12 mil para adquirir imóveis de até R$ 500 mil, sem subsídios.
- Governo federal discute novo modelo de crédito habitacional com maior flexibilidade no uso de recursos do SBPE.

Fontes: Caixa, Confederação Nacional de Municípios, Ipea, Abecip, Ministério das Cidades, Serasa.

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