Carta do Papai Noel a um cozinheiro capixaba

Publicado em 15/12/2025 às 15h16
Carta do Papai Noel a um cozinheiro capixaba

Papai Noel: "No Brasil vocês me obrigam a vestir roupas muito grossas em pleno verão". Crédito: aerogondo2/Shutterstock

Estimado Murilo Góes,

Recebi sua carta no natal do ano passado, mas só agora consegui lhe responder. Estamos em uma terrível crise de trabalhadores aqui na oficina e as demandas acabaram acumulando muito. Não é fácil ser empresário com diversas filiais na cultura ocidental. Além disso, hoje os duendes e as renas estão quase todos ocupados com entregas da Shopee.

Não sou de reclamar, mas aí no Brasil vocês me obrigam a vestir roupas muito grossas em pleno verão de dezembro. Da última vez, passei mal assim que desembarquei em Manaus. Mas lembro de terem me servido um prato de pirarucu. Achei interessante, embora tenha ficado preocupado com os efeitos disso em uma nação historicamente catequizada pelas piadas sobre peru e bacalhau - principalmente nesta época.

Reconheço o seu esforço recente em torno da farofa de socol com abacaxi e acho até que tem certa razão: cozinhar algo autêntico pode ser simplesmente experimentar com aquilo que o lugar melhor produz. Mas reza a lenda que posso fabricar tudo aqui mesmo, no Polo Norte (sem querer concorrer com a China, óbvio). 

Recebi cartas com pedidos de cafés especiais, chocolates artesanais, panetones de longa fermentação que, honestamente, não quero ter que preparar. Aí me dediquei a respondê-las dando como sugestão a sua feira de artesanias comestíveis, em especial para as crianças com paladar consciente; sei bem que fazer comida boa dá trabalho e o meu saco já está cheio de imediatismos para distribuir em uma única madrugada em nome dessa tradição.

Devo confessar que tenho, sim, um pouco de inveja de vocês pois ainda não consegui plantar caju e jabuticaba aqui no Hemisfério Norte. Como o clima não seria apropriado, o solo precisaria de muito fertilizante químico, que o nosso governo dificilmente autorizaria usar. Nesse ponto, e no pudim de leite condensado, não há como negar: vocês são mesmo imbatíveis.

Neste ano, achei curioso muitas cartas pedirem também canetas emagrecedoras, que não encontro em papelaria nenhuma - o que torna ainda mais difícil de escrever essa parte da história. Inibir o apetite não combina muito com uma cultura que gosta de celebrar encontros à mesa.

De fato, o Natal dos brasileiros é realmente mais saboroso, pois salpicão e rabanadas produzidos para uma noite alimentam famílias inteiras durante dias. Nisso preciso também reconhecer o mérito da sua última carta: é melhor celebrar a data pelos sabores que marcam as nossas memórias positivas. Assim, duvido que haverá discussão sobre solda em tornozeleira que sobreviva ao momento da distribuição do pavê.

Sei que as casas capixabas são mais difíceis de acessar porque, além de não terem chaminés, também não são tão receptivas a visitas - e olha que estou sempre levando algum presente... Você mesmo sugeriu que eu não aparecesse na sua ano passado.

Lamento muito estar ausente das suas festas nesses últimos anos; sua terapeuta também fez anotações que me impedem de te presentear com um pouco mais de paciência, conforme tem solicitado. No dia 24, como de costume, saindo da Bahia, descerei direto para o Rio.

Mas se você ainda estiver aceitando encomendas para a ceia de réveillon, vou querer salpicão de aratu e a tal da farofa com abacaxi.

Ass.: Papai Noel.

P.S.: Se souber alguém bom para me ajudar com as entregas, manda o contato pelo zap?

Este vídeo pode te interessar

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de HZ.

A Gazeta integra o

Saiba mais
Gastronomia Natal opinião Fim de ano
Viu algum erro?

Se você notou alguma informação incorreta em nosso conteúdo, clique no botão e nos avise, para que possamos corrigi-la o mais rápido o possível