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Família de Dinho revela relatos inéditos 30 anos após fim dos Mamonas Assassinas

Em conversa exclusiva com a família do vocalista, HZ revela lembranças íntimas e os projetos que mantêm o legado vivo

Publicado em 29 de novembro de 2025 às 12:00

Em conversa exclusiva com a família do vocalista, HZ revela lembranças íntimas e os projetos que mantêm o legado vivo

Uma das bandas mais bem-sucedidas dos anos 1990, responsável por uma verdadeira revolução estética e musical, marcou época no Brasil. Em 23 de junho de 1995, chegava às lojas o álbum que levava o nome do grupo, formado por cinco jovens de Guarulhos — cidade situada a 30 km de São Paulo. Um mês antes, em maio de 1995, a EMI havia enviado todos os integrantes dos Mamonas Assassinas para Los Angeles, nos Estados Unidos, com o objetivo de gravar aquele que seria o único disco da banda. Há 30 anos, o Brasil se apaixonava por uma “Brasília Amarela”. Esta é uma das três reportagens da série “Mamonas Assassinas: 30 anos”.

A banda continua mobilizando público, e a marca “Mamonas Assassinas” deve ganhar novos desdobramentos e investimentos entre este ano e 2026, quando se completam 30 anos do fim do grupo. Segundo Jorge Santana, CEO da marca “Mamonas” e primo do vocalista Dinho, ele e o Instituto Mamonas atualmente desenvolvem projetos sociais voltados à infância.

“No Instituto Mamonas, temos o futebol para amputados e a banda O Legado, criada após o longa ‘Mamonas Assassinas: O Filme’, que viaja pelo mundo todo levando um pouquinho da arte que eles nos deixaram. Há também o projeto ‘Mamoninhas’, voltado ao público infanto-juvenil, que estreia em 2026”, revela.

Ainda segundo Jorge, deve haver em breve um projeto voltado às pessoas que convivem com o autismo, além da oferta de oficinas de composição, roteiro e instrumentos musicais. Além disto, Célia Alves, mãe do vocalista Dinho, lançou o livro “Indo Além da Dor” (Editora Betel), em que conta o lado íntimo ao lado do filho, em homenagem aos 30 anos da banda e revisita também o último dia do conjunto. O livro começou a ser escrito há sete anos, em 2018 e foi lançado neste ano.

"Nossa intenção é deixar a arte mais acessível. A gente acredita que existem muitos Renatos Russo, Marílias Mendonça, Dinhos, Sérgios, Júlios, Bentos e Samuéis esperando uma oportunidade. O Dinho falava que o impossível foi uma palavra inventada por alguém que desistiu. Então, acredito que a gente não pode desistir dos nossos sonhos. Não tem o porquê desistir"

Mamonas Assassinas. Grupo se apresentou em Vitória em Novembro de 1995
Mamonas Assassinas. Grupo se apresentou em Vitória em Novembro de 1995 Crédito: Reprodução/Biblioteca Nacional/Revista Manchete (recuperada por iA)

Joni Anglister, ex-produtor do grupo, relembra uma das últimas memórias que cultivou junto aos músicos. “Uma das fãs nos procurou, à época, e reparamos que ela estava com um lenço na cabeça, acompanhada da mãe dela, numa cadeira de rodas, afastada do público, para não ficar no tumulto. Soubemos que ela estava com câncer. Os meninos deram camiseta para ela, uma faixinha para cabeça, e naquele dia ela acabou ficando com a gente o tempo todo. E na hora do show, a gente pôs ela no palco, onde ela assistiu à apresentação. Uma semana depois a gente ficou sabendo que ele havia falecido. Foi a história que mais nos tocou”.

"Eu sou uma sobrevivente em meio à dor. Eu não escrevi a minha história. A gente tem que ir mais à frente, são muitos os que passam por esta dor"

MUITO HUMANOS

Para além do lugar idealizado ao qual costumam ser elevados, os Mamonas Assassinas eram pessoas - e, sobretudo, muito humanas em seu comportamento. “O Júlio Rasec era a cabeça pensante da banda, que punha ordem nas coisas. O Samuel era um anjo, super humilde, super bonzinho, estava sempre bem. O Sérgio já era um pouco mais polêmico. O Bento era espetacular, ele adorava jogar ioiô, estava sempre sorrindo, sempre na boa. Já o Dinho gostava de dormir, então muitas vezes ele demorava para sair do quarto", relembra Joni.

Após o acidente, a tudo mudou. E em sempre a abordagem à família dos artistas passou pelos caminhos da delicadeza. De acordo com Célia, mãe de Dinho, o contato com ela e com os familiares beirou, em alguns momentos, a insensibilidade. Imediatamente após a morte do grupo, fotos dos artistas mortos após a tragédia circularam em computadores ainda antes da popularização da internet. O autor das imagens foi o fotógrafo Fernando Cavalcanti, que revelou os bastidores da cobertura em um relato publicado no El País, em 2018. Célia recorda o momento de maior dor: 

Perguntaram se eu queria um pedaço do avião, ou ainda se eu teria o interesse em ver as fotos [dos corpos após o acidente]. Eu nunca vi, graças a Deus

Os registros chegaram a estampar a capa de um jornal popular de São Paulo - hoje extinto. A divulgação dessas imagens configura o crime de vilipêndio de cadáver - ou seja, o desrespeito a um corpo, restos mortais ou sepultura. A lei pune atitudes que ofendem a dignidade da pessoa mesmo depois da morte. Grace Kelly Alves, irmã de Dinho, complementa: “Eu fico pensando a que ponto pode chegar a frieza do ser humano para ter algo em troca. [Não há a empatia em pensar] que não é a família deles, ou se é um filho, um irmão - o quanto isso ia doer.”

"Tem gente que me pergunta se eu quero ver as fotos dos corpos até hoje. (...) O Brasil inteiro chorou há 30 anos atrás e chora até hoje. Tem pessoa que me abraça até hoje, já começa a chorar"

O saldo, 30 anos depois, é de muita gratidão. “É muito lindo ver. Às vezes vêm uns adolescentes e me chamam de tia no Instagram, e as pessoas dizem amar o Dinho. Isso é muito gratificante. Eu sempre falo quando eu vou da nossa banda (cover) e a gente conversa um pouquinho com o público antes do show, e eu sempre agradeço muito aos pais que mostram para os filhos, aos avós que mostram para os netos. São eles que dão a dimensão da realidade da frase que o Dinho falou e ficou marcada, né? O impossível não existe”,  diz Grace.

“Há crianças que me abraçam ou que perderam os pais e que pedem para eu as adote como mãe. Eu ganhei um monte de filhos, de netos, né? E sempre alguém querendo me conhecer, sempre querendo dar um abraço (...). A saudade vai ser sempre enorme. Ele sempre vai fazer falta, ele vai fazer falta para assistir filme comigo, para eu brigar com ele, para ele lavar o pé. Quando a pessoa morre, você não sabe para que lado foi, nem para que lado vai voltar e nem se vai voltar", acrescenta a mãe do vocalista.

Família de Dinho segue dedicada em manter o legado da banda
Grace Kelly e Benício, irmã e sobrinho de Dinho; Hildebrando e Célia, pais do cantor; Norma e Jorge Santana, primos do músico Crédito: Diego Calado

RELEMBRE O ACIDENTE

O grupo Mamonas Assassinas perdeu a vida em um acidente aéreo no dia 2 de março de 1996. A aeronave — um jato executivo Learjet 25D, de prefixo PT-LSD — havia decolado do Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek, em Brasília, com destino ao Aeroporto Internacional de São Paulo/Guarulhos. Durante a aproximação para o pouso, o avião acabou se chocando contra a Serra da Cantareira, resultando na morte de todos os ocupantes.

De acordo com o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA), o episódio foi classificado como uma colisão controlada com o terreno, termo usado quando a aeronave está sob controle, mas o piloto perde a referência espacial e colide inadvertidamente com o solo. As investigações concluíram que o jato estava com toda a documentação e inspeções em dia, porém a tripulação apresentava sinais de exaustão após uma sequência intensa de viagens.

Outro fator agravante foi a falta de familiaridade dos pilotos com as cartas de navegação do aeroporto de destino, somada às condições externas adversas — baixa iluminação, relevo acidentado e pouca ocupação urbana na região da serra —, que dificultaram a orientação durante o voo noturno.

Segundo a Revista Manchete de Janeiro de 1996, os Mamonas estavam com shows marcados até março daquele ano - momento em que a tragédia se abateu sobre eles. Célia explica que, na época do acidente, sua filha Grace estava grávida e o cantor estava empolgado para ser tio e já fazia planos com a criança. Em junho daquele ano, nasceu Alecsandra, batizada em homenagem ao tio falecido três meses antes.

Trinta anos depois, o riso ainda ecoa onde o som cessou. Há algo de imortal no que é dito entre gargalhadas e canções: a leveza que eles espalharam tornou-se abrigo para quem aprendeu a rir do trágico e a celebrar o improvável. O impossível — palavra que Dinho recusava — parece hoje apenas um detalhe sem peso. Porque, entre os ecos de “Pelados em Santos” e o silêncio da Serra da Cantareira, o Brasil aprendeu que algumas vozes não se calam: apenas mudam de frequência e seguem vivas, tocando, como sempre, o coração do povo.

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