Publicado em 28 de novembro de 2025 às 12:00
Há trinta anos, Vitória testemunhou de perto um dos maiores fenômenos musicais do país nos anos 1990. Cinco rapazes de Guarulhos - que haviam conquistado o Brasil com irreverência, letras debochadas e humor anárquico - subiram ao palco do Ginásio do Clube Álvares Cabral, o “Gigante”, para o que seria a primeira e também a última apresentação dos Mamonas Assassinas no Espírito Santo. Esta é a primeira de uma série de reportagens sobre o grupo. >
O show aconteceu em 1º de novembro de 1995 e reuniu cerca de oito mil pessoas. Não há registros em vídeo daquela noite, mas o acervo da Rede Gazeta preserva fotografias exclusivas, testemunhos silenciosos daquela energia. O resgate da memória vem também pelas vozes de dois fãs — Fernanda Macedo, 48 anos, e Luciano Menezes, 50 - e do então produtor da banda, Joni Anglister.>
Dinho Alves, Bento Hinoto, Samuel Reoli, Júlio Rasec e Sérgio Reoli formavam o grupo que, em menos de um ano, subverteu o cenário musical brasileiro. Eles surgiram em 1995 e se despediram em março de 1996, num acidente aéreo que encerrou uma trajetória meteórica. O país mergulhou em um luto juvenil e ruidoso, daqueles que misturam incredulidade e saudade.>
Para marcar os 30 anos daquela apresentação em Vitória, A Gazeta/HZ foi até Guarulhos, cidade natal dos Mamonas. Conversou com exclusividade com familiares, membros da equipe técnica e fãs que acompanharam de perto o auge de uma geração. >
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Os Mamonas eram mais que uma banda de humor ou um fenômeno do pop rock. Quando viraram febre nacional, o jornalista Roberto Muggiati, da extinta Revista Manchete, os batizou como os “Beatles do Besteirol”. >
Na essência, eles encarnavam o retrato de um Brasil adolescente e irreverente - “os meninos do fundão da 5ª série B”. A quem os reduzia a essa caricatura, o grupo respondia com um repertório de referências tão improvável quanto coerente: o pagode romântico dos anos 90, com alusões a Netinho de Paula, então à frente do Negritude Júnior, e a Luiz Carlos, do Raça Negra; o folk urbano de Belchior; a estética solar da Jovem Guarda, de Wanderley Cardoso, Trio Esperança e até do The Clash. >
Misturavam tudo! Pop-rock, sertanejo, heavy metal, pagode e forró, embalados por um humor anárquico e letras que oscilavam entre o nonsense e a crônica social. Em menos de doze meses, gravaram um único disco - e ele se tornou o álbum de estreia mais vendido da história da música brasileira. E um dos melhores desempenhos ainda hoje.>
O sucesso, tão repentino quanto avassalador, desdobrou-se em uma avalanche de produtos licenciados. Ainda em 1996, a EMI lançou o CD-ROM Mamonas Assassinas, que continha histórias em quadrinhos e jogos eletrônicos. Era a consolidação digital de um grupo que existiu por pouco tempo - e que chegou à era virtual quando a internet ainda engatinhava. Poucos meses depois, postumamente, MTV Brasil lançou o home-vídeo MTV na Estrada – Mamonas Assassinas, com registros da turnê que percorreu o país e arrastou multidões.>
O ex-produtor dos Mamonas, Joni Anglister, relembra que o show em Vitória teve contornos próprios — e uma tensão prévia que quase o cancelou:>
"O veto ao show acabou não acontecendo. O nosso advogado resolveu tudo e o show aconteceu", completou Joni.>
Segundo os pais de Dinho, Hildebrando Alves Leite e Célia Alves, embora não tenham uma lembrança exata do show em Vitória, o filho costumava comentar sobre as cidades por onde passava durante a turnê com os Mamonas. “Ele falava que a cidade era legal, que tinha gostado muito das pessoas. Inclusive, meu sobrinho se mudou para Vitória, no Espírito Santo, depois do acidente — já tem uns 22 anos”, contou o pai do vocalista. >
A irmã de Dinho, Grace Kelly, aproveitou para agradecer o carinho dos fãs capixabas: “Quero agradecer a todo mundo que manda mensagens pela internet. Tomara que tenha um show aí em Vitória da nossa banda ‘O Legado’ — projeto criado pela família — porque, se tiver, eu vou para conhecer vocês e receber um abraço pessoalmente”, disse.>
Mamonas Assassinas 01/11/1995
O show dos Mamonas Assassinas no Espírito Santo foi marcante para Luciano Leitão Menezes, 50 anos, técnico em eletrônica. Este foi o primeiro show em que esteve presente na vida. >
"Ouvi o CD dos Mamonas, gostei, comprei e trouxe para casa. Pouco depois, eu e meus amigos decidimos ir ao show. A gente ouvia as músicas, se divertia, zoava. Chegamos cedo e observamos todo mundo com uniforme, praticamente, por causa da camisa-ingresso, que também credenciava a entrada. Eu já saí do show guardando ela. Nunca tinha visto algo assim, achei bem interessante a camisa. ‘Corte aqui e estrague o seu encarte, corte aqui e estrague sua camisa'. Achei aquilo fantástico!".>
"As músicas de antigamente eram bem diferentes, voltadas mais para o humor, mesmo nas coisas de duplo sentido. Eu não sei como seria hoje, como ele estariam diante dessa mídia, dessa geração que mudou bastante. Dá para fazer humor dentro dos limites da sociedade, sem ser vulgar. Apesar das letras deles terem duplo sentido, sempre havia respeito na época. Ficava conforme a interpretação de cada um. Tanto é que muita criança ouvia as músicas, cantava, mas, no fundo, não sabia o que estava dizendo. Eu era uma delas. Assim que saímos do show, eu e meus amigos comentamos que iríamos ao próximo", completou.>
Esse foi o pedido de Fernanda Macedo da Silva, 48 anos, agente de suporte educacional. Fã dos Mamonas Assassinas, Fernanda tinha 17 quando saiu da Serra rumo a Vitória só para ver o grupo, acompanhada de uma carta com um título um tanto quanto curioso: ‘leiam essa porra dessa carta’. Ela relembra: "Cheguei cedo ao ginásio, acompanhada de uma amiga. Entreguei a carta, num envelope pardo, para uma pessoa da produção. Fiquei esperando por quase uma hora e depois saí do lugar onde estava. Quando voltei, eles estavam cantando ‘Sabão Crá-Crá’. Tentei me aproximar, mas não consegui, e um rapaz me colocou nos ombros dele, momento em que o grupo deu uma pausa, pegou a minha carta, leu o título e agradeceu. Eu comecei a gritar igual louca lá embaixo">
A educadora prossegue dizendo: "Levei uma câmera fotográfica de filme, e as minhas fotos ficaram todas ruins. Um amigo conseguiu tirar uma foto do Dinho já saindo do palco — ficou ótima, mas como não havia cópia, ela se perdeu. Não tenho nenhum registro. As pessoas não acreditam em mim, de que eles leram a minha carta. O grupo tocou todas as músicas do álbum, não deixaram nenhuma de fora. Eu era muito fã, mas não tinha dinheiro, então não tinha o CD original, comprei a fitinha cassete".>
Fernanda conta que foi surpreendida com a notícia da morte de todos os integrantes do grupo, na manhã de domingo, 3 de março. O avião com os rapazes caiu na Serra da Cantareira, em São Paulo, na noite de sábado. >
"Quando aconteceu o acidente, eu estava dormindo. Meu pai me acordou com a notícia. Eu chorei muito, compulsivamente. Hoje eu tenho 48 anos hoje, mas o encantamento continua. No decorrer dos anos, a gente não perde isso: quem é fã, é fã para o resto da vida. Onde as músicas deles tocam as pessoas ainda gostam de ouvir. Acredito que eles continuariam fazendo sucesso, com a mesma irreverência. Se mudasse, deixariam de ser os Mamonas. A mim, a maturidade trouxe outro tipo de peso. Hoje em dia eu sei o que é ser séria. A minha vida é de responsabilidade; naquela época eu não tinha responsabilidade com nada". >
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