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Publicado em 2 de abril de 2024 às 15:20
A torcida explodindo num gol. O som da bateria. Os fogos de artifício que antecedem os jogos. Tudo isso compõe fortemente a memória de quem é um torcedor apaixonado e, mais que isso, consolida as relações de afeto com o clube do coração. Entretanto, para as pessoas que convivem com o autismo, toda essa oferta de barulhos pode servir de gatilho para um episódio de crise. >
Neste dia 2 de abril (terça-feira) é o Dia Mundial de Conscientização do Autismo, e constatamos que atualmente, no Espírito Santo, não há nenhum estádio preparado para atender torcedores com espectro autista. Como forma de sensibilizar à causa das pessoas que convivem com TEA, a Associação dos Amigos dos Autistas do Estado do Espírito Santo (Amaes) marcou para o dia 14/04 uma caminhada pela orla de Camburi.>
No que tange aos estádios, a Secretaria de Esportes e Lazer do Espírito Santo (Sesport) informou que "atualmente há um projeto em fase de elaboração para a construção de uma sala sensorial no Estádio Estadual Kleber Andrade, voltada para a pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA)". A Federação de Futebol do Espírito Santo (FES), por sua vez, confirmou que nos 15 estádios aptos a receber jogos, nenhum possui sala sensorial. Ainda conforme o órgão, "não houve demanda" para a construção das salas sensoriais.>
Na Câmara Federal tramita um Projeto de Lei, o 14.597/23, do deputado Julio Cesar Ribeiro (Republicanos-DF) que preconiza a inclusão de salas sensoriais em estádios de futebol para atendimento a pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Aqui no Estado há outro Projeto de Lei, o 153/2023 da Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales), elaborado pela deputada Iriny Lopes (PT), que dispõe de formas a garantir a criação de salas sensoriais, chamadas "Salas do Bem", para atender pessoas que convivem com o TEA não só nos estádios de futebol como nos grandes eventos. Em paralelo a isso, no âmbito privado, há movimentos internos nas torcidas dos clubes em promover maior inclusão dessas pessoas nos estádios, através da fundação de torcidas especiais. >
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As salas sensoriais são espaços mais controlados e com condições acústicas, iluminação suave, áreas de descanso e de iluminação favoráveis para que a pessoa autista se confortável. O ideal é que para a edificação de espaços assim haja o acompanhamento de entidades especializadas. >
Clubes como Corinthians, Coritiba, Goiás e Londrina estão mais avançados nesse sentido e construíram espaços adaptados em seus estádios. O maior delesé o Espaço TEA da Neo Química Arena, do Corinthians, com capacidade para 160 pessoas. Inclusive é atribuído ao clube do Parque São Jorge o pioneirismo da formação de uma das primeiras torcidas com essa característica, a Autistas Alvinegros. A Copa do Mundo do Catar apresentou também um espaço voltado às pessoas neurodivergentes.>
A frase acima destacada foi a primeira falada por Miguel, então com 4 anos, dita ao seu pai, Ruan Seabra. O engenheiro de software sênior é o fundador da torcida Autistas Botafoguenses, no Rio de Janeiro, e possui, além de Miguel (9 anos), outro filho, Renan (5 anos). Ambos são autistas, sendo que o primeiro tem grau 1 de suporte e o segundo o grau 2 - cuja presença em ambientes públicos requer mais atenção. Ainda de acordo com Ruan, o seu filho mais velho não havia falado frase alguma até o momento em que se disse torcedor do Alvinegro Carioca. A segunda frase dita pelo menino também foi relacionada ao time da General Severiano: "Mãe, eu amo o Gatito", disse sobre o goleiro do clube. >
A ideia de fazer uma torcida de autistas veio de Ruan como forma de fazer com que os filhos tivessem uma vivência com o futebol da mesma forma como ele teve. "Eu sempre ia aos estádios com meus tios e primos e queria levar Miguel e Renan, porém me preocupava com o barulho da bateria e como eles reagiriam. Inicialmente fiquei no Nilton Santos, num lugar onde a torcida não costuma ficar, porém, preparado para qualquer eventualidade. Num primeiro momento ele estava com abafador de som que ele próprio acabou retirando. Com a resposta positiva, vimos que daria para levar as crianças". >
A experiência bem sucedida acabou dando origem a um perfil no Instagram para incentivar os pais a levarem os filhos ao estádio e mais tarde transformou-se numa rede de apoio e no grupo com o atual formato. Atualmente são 89 pessoas no grupo de WhatsApp e 2.400 seguidores no Instagram. Como ainda não foi construída uma sala sensorial no Nilton Santos, casa do Botafogo, Ruan busca um espaço para reunir os outros membros da torcida.>
Ruan Seabra
Fundador da torcida Autistas BotafoguensesOutros coletivos também objetivam reunir torcedores que possuem o espectro autista. Além dos apoiadores botafoguenses e corintianos, há os Autistas Alviverdes, do Palmeiras; a Tricolor Autista, do São Paulo; os Autistas Vascaínos; os Autistas do Galo, do Atlético-MG e os Autistas Rubro Negros, do Flamengo. Não foi localizada torcida com essa segmentação no Espírito Santo.>
Estima-se que há cerca de 2 milhões de autistas no Brasil. A população total no país é de 200 milhões de habitantes, o que significa que 1% da população estaria no espectro. No último Censo, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) colocou – pela primeira vez – o autismo no radar das estatísticas, visando mapear quantas pessoas vivem com o transtorno autista e quantas podem ter, mas ainda não receberam o diagnóstico. >
Segundo Pollyana Paraguassú, presidente da Amaes e mãe de um rapaz com nível 3 de suporte, atualmente, a cada 36 crianças nascidas do Brasil, 1 é autista. No passado, a estatística era de 1 para cada 168 nascidos. Essa mudança significativa se deve em muito a uma maior precisão hoje no diagnóstico da condição. Segundo Pollyana, houve avanços sobre a inclusão de autistas no futebol, mas ainda há muito a caminhar para uma sociedade mais igualitária e diversa. "A sociedade precisa entender que os nossos sonhos não cabem numa gaveta".>
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