
Antes de os tapetes colorirem as ruas de Castelo, no Sul do Espírito Santo, cada detalhe dos desenhos é cuidadosamente planejado. A arte tem um propósito: provocar reflexão. E a cada passo da procissão, uma nova história é contada.
Desde o primeiro tapete de Corpus Christi montado na cidade em 1963, a manifestação religiosa não parou de crescer. Atualmente, 3 mil voluntários, divididos em 34 equipes (17 quadros e 17 passadeiras), movimentam essa engrenagem artística em nome da fé.
Se antes, a rotatividade dos voluntários era alta, com mais trabalho do que mãos para ajudar, hoje a realidade é diferente, conta o coordenador-geral do Corpus Christi em Castelo, Luciano Travaglia.
Luciano Travaglia
Coordenador-geral do Corpus Christi de Castelo
"Hoje, temos pessoas que perguntam se tem vaga para trabalhar em algum quadro ou passadeira"
Um novo jeito de fazer
A tradição da celebração de Corpus Christi em Castelo começou despretensiosa, em 1963, quando a freira Vicência, montou um singelo tapete com folhas e flores em frente à Capela da Santa Casa. Dois anos depois, a inspiração para aprimorar o trabalho veio das páginas da revista semanal ilustrada O Cruzeiro, fundada por Assis Chateaubriand, com sede na cidade do Rio de Janeiro.
"Nós estávamos preparando material para o Corpus Christi. Nunca tínhamos visto tapetes como se faz hoje. Então, chegou uma colega nossa com a revista O Cruzeiro nas mãos. E nessa revista havia uma reportagem sobre a cidade de Matão, em São Paulo, mostrando as passadeiras. Foi um alvoroço. E a Irmã Vicência, entusiasmada, falava: 'vamos fazer, vamos fazer!'", relembrou Maria Cecília Perim, professora aposentada e uma das pioneiras dos tapetes de Corpus Christi de Castelo.

As referências mudaram, e os materiais também. A confecção começou com o que se tinha em casa, como folhas, flores e pó de café, por exemplo. Hoje, são usados materiais modernos: pedriscos, calcita e dolomita. Na estimativa da organização, a matéria-prima usada nos tapetes deve pesar cerca de 80 toneladas.
Integrante da comissão artística do Corpus Christi, o artesão Thainan Vettorazi explica que a transformação da festa não passou apenas pela forma de montar os tapetes e pelos materiais utilizados.
"É um trabalho maior do que as pessoas imaginam. Existe a escolha de um tema do Corpus Christi, que é dividido em subtemas, que são colocados nos quadros e passadeiras. Os temas não são escolhidos aleatoriamente. Existe uma sequência específica. O quadro traz uma introdução ao tema, com uma imagem figurativa. Já a passadeira, é um espaço de reflexão sobre o tema apresentado no quadro. Enquanto a pessoa vai passando, vai refletindo", explicou.

Por muitos anos, as formas dos tapetes eram desenhadas em papais por cima de uma imagem projetada em uma parede. Hoje, essa realidade é outra. Os desenhos dos quadros e das passadeiras são projetados primeiro na tela de um computador pelo designer gráfico Juliano Guimarães. Ele, que faz esse trabalho desde 2023, explica como a tecnologia ajuda a manter viva uma tradição de mais de 60 anos.
Juliano Guimarães
Designer gráfico
"Com o software, dá para fazer desenhos em escala real, que são impressos em tamanho real. Dá para ter um cálculo de material mais preciso e também testar cores. Os artistas e os voluntários conseguem fazer esses testes nos materiais, trazendo mais precisão"
Origem do Corpus Christi

Antes da montagem dos tapetes nas ruas, a celebração de Corpus Christi, em Castelo, era marcada por folhas nas ruas e enfeites nas sacadas. Para os católicos, explica o professor de teologia José Angelo Campos, o corpo de Cristo é, nesse dia, remédio e alimento espiritual — e os tapetes sacros celebram essa fé durante a procissão.
"A origem da festa de Corpus Christi remonta às visões da Santa Juliana, que viu uma lua com uma mancha, interpretada como uma ausência de uma celebração específica para a Eucaristia. Ela recebeu a revelação de que era preciso instituir uma festa dedicada à hóstia consagrada, para fortalecer a fé. A ideia chegou ao Papa Urbano IV, também impactado por um milagre: durante uma missa, um padre que duvidava da presença real de Cristo viu a hóstia sangrar. Assim o papa, que conhecia Santa Juliana, instituiu oficialmente a festa de Corpus Christi", explicou.
A professora e escritora Joelma Cellin, afirma que a manifestação transcende os rituais religiosos no município.
Joelma Cellin
Professora e escritora
"A festa de Corpus Christi pode ser considerada o chão, o corpo e a alma do povo castelense"
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