Publicado nesta quinta-feira (24) pelo governo federal, o Decreto 9.690/2019, que permite que servidores comissionados imponham sigilo ultrassecreto a dados públicos, é avaliado com preocupação por especialistas no assunto.
Conforme argumentam, se antes tal delegação era restrita a políticos e autoridades do primeiro escalão, agora, ela é ampliada para um leque de mais de 1200 pessoas, que ganham a capacidade de negar o consentimento de informações através da Lei de Acesso à Informação (LAI) pelo argumento do sigilo. As consequências, na prática, podem ser a redução do grau de transparência do poder público em âmbito federal, que vai justamente de encontro à criação da própria LAI.
"Sigilo sempre é refúgio de incompetência, ineficiência e corrupção"
Gregory Michener - professor de Administração da FGV EBAPE
"Esse decreto tem grandes e graves implicações na LAI. O número de autoridades que terão o poder para classificar informações públicas fora do alcance do cidadão passa de menos de 50 para cerca de 1200. O Decreto 7.724/2012 já dizia quem poderia classificar as informações (presidente e vice-presidente da República, ministros de Estado e autoridades equivalentes, além dos comandantes das Forças Armadas e chefes de missões diplomáticas no exterior). Simbolicamente e praticamente isso tem uma implicação muito grande para a transparência. Sigilo sempre é refúgio de incompetência, ineficiência e corrupção. Se o governo quer alavancar as metas de combate à corrupção e melhorar a posição fiscal do Brasil a transparência é uma condição. Ela deveria ser expandida e não diminuída. Além da sociedade civil ser prejudicada pois amplia-se também as chances de uma informação ser considerada sigilosa e não poder ser divulgada o próprio governo se enfraquece. A transparência fomenta um tipo de disciplina administrativa, pois o servidor sabe que o trabalho dele pode ser verificado. Perde-se, então, em termos de motivação e de profissionalismo de gestão. A LAI é uma lei recente, mas muito boa, é considerada uma das 20 melhores do mundo. A sociedade civil faz mais de 100 mil pedidos de informações por ano pela LAI e isso só no governo federal. Essa nova medida cabe, portanto, dentro de uma tendência mais autoritária de governo, que vão contra as promessas democráticas pelas quais o presidente Jair Bolsonaro se elegeu."
"É um trabalho de blindagem nas sombras"
Marcelo Chiavassa professor de Direito Digital da Universidade Presbiteriana Mackenzie de Campinas
"O argumento utilizado por alguns de que esse novo decreto é inconstitucional é fraco, pois o decreto anterior que veda as delegações também poderia ser considerado inconstitucional por ir contra o que dizia o texto original da LAI. Mas acho que as duas principais preocupações neste caso são outras. A primeira é que ao que parece esse decreto não foi discutido com o Conselho que trata do tema e que é ligado à Controladoria Geral da União (CGU), tendo em vista que autoridades já declararam que foi anunciado que seriam feitas alterações, mas não o que seria feito. O segundo é que, se antes, com poucas pessoas podendo decidir quais informações eram ultrassecretas, essa decisão já era subjetiva, agora, a tendência é que seja ainda mais. Além disso, antes, para alguém dizer que um documento era sigiloso, ele precisaria se expor perante a sociedade, por se tratarem de autoridades do primeiro escalão. Mas agora pessoas com cargos comissionados, que podem ser facilmente demitidos e substituídos, têm esse poder. Essas pessoas não estão mais expostas. É um trabalho de blindagem nas sombras. Isso poderá inclusive aumentar o número de judicializações sobre o tema."
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