A força do Planalto para aprovar projetos e a existência de uma mínima governabilidade já começaram a ser colocadas em dúvida no ambiente político, devido ao agravamento das turbulências registradas entre o presidente Jair Bolsonaro (PSL) e seus ministros, de um lado, e os deputados federais e senadores, de outro.
Mesmo com uma aparente folga na obtenção de votos para aprovar projetos de interesse do governo, como a reforma da Previdência, essa e outras agendas do governo têm sofrido as consequências do desgaste entre Executivo e Legislativo, e correm o risco de serem prejudicadas, caso não haja uma mudança na condução das articulações.
O doutor em Ciência Política pela USP e pesquisador da FGV Humberto Dantas acompanhou de perto o clima em Brasília esta semana e avaliou que enquanto o governo Bolsonaro continuar tratando as conversas com o Legislativo como fisiologismo, dificilmente seus projetos ganharão fôlego.
O que está por trás dessa briga entre o presidente da República e o presidente da Câmara dos Deputados?
Há um conflito entre duas partes que parecem entender política de forma diferente. Bolsonaro tem uma visão de que o Parlamento lhe daria uma possibilidade quase unilateral de construir agenda. Isso porque sua atuação no Congresso, durante 20 anos, foi muito individualizada, convicta e pouco afeita a acordos. Para ele, tudo que é negociado é corrupção. Ele precisa flexibilizar um pouco a visão sobre política, o que não quer dizer que tenha que abrir mão de aspectos éticos e legais. Parlamento no Brasil tem peso, partidos têm influência e, se parte da ideia de que negociação é corrupção a gente paralisa o país.
O Congresso tem tanta força política quanto Bolsonaro?
Na minha visão, Bolsonaro está se mostrando tão inábil para lidar com o Parlamento quanto Dilma e Collor. Rodrigo Maia é hoje o principal articulador do centrão e é pouco inteligente o governo acreditar que vai matá-lo por inanição. O grupo político do presidente é muito desconfiado. Até o vice-presidente Hamilton Mourão, que por dar declarações mais moderadas e ter recebido mais simpatia, é tido como alguém que está tramando. O presidente tem que estar alerta, pois se no ano que vem ele permanece com déficit e precisa pedir suplementação ao Congresso e for negado, por exemplo, ele vira alvo de impeachment. Ou começa a jogar o jogo da política, ou ficará em perigo.
Como diferenciar diálogo e fisiologismo?
Em qualquer país democrático do mundo negocia-se recursos e cargos, inclusive onde há parlamentarismo. Os partidos que o apoiam querem participação no governo, às vezes por motivos dignos, e legítimos, ou não. É preciso separar o joio do trigo. O Legislativo não tem obrigação de tomar a frente dos projetos. É do Executivo o interesse e a obrigação negociar.
Quais agendas podem ser mais afetadas?
A reforma da Previdência certamente será desidratada, mas isso era algo esperado, pois o projeto é muito amplo, tem gordura para cortar, e seus benefícios são a médio e longo prazo. Já o projeto anticrime do Sérgio Moro, vejo com cautela. Ele precisa aprender a ser do Executivo para aprová-lo. Entender que vai precisar agir também como um político, não só como um técnico. O Parlamento ainda o vê com desconfiança, como um possível candidato a presidente, embora ele negue. Ou seja, é um adversário, em termos políticos. Se o governo continua falhando, o Parlamento pode tomar as rédeas da agenda e atender a outros grupos. O grupo dos governadores, por exemplo, percebeu esta lacuna e já está lá, tentando emplacar a compensação pela Lei Kandir, que tira recursos da União.
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