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Governo Bolsonaro pagou R$ 193 milhões antecipados a empresa e não comprovou recebimento de máscaras

Governo Bolsonaro pagou R$ 193 milhões antecipados a empresa e não comprovou recebimento de máscaras

O pagamento e a falta de comprovação foram apontados em um relatório de auditoria da CGU. O documento foi concluído em 4 de agosto e inserido no sistema de consulta pública de auditorias em 22 de setembro deste ano

Publicado em 9 de outubro de 2021 às 15:07

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O Ministério da Saúde pagou R$ 193,4 milhões antecipados a uma empresa intermediária responsável por fornecer máscaras chinesas no auge da pandemia da Covid e não conseguiu comprovar o recebimento dos produtos.

Máscara de proteção contra a Covid-19
A compra de máscaras não entregues no valor de R$ 193 milhões é alvo da CGU . (Pixabay)

O pagamento e a falta de comprovação foram apontados em um relatório de auditoria da CGU (Controladoria-Geral da União). O documento foi concluído em 4 de agosto e inserido no sistema de consulta pública de auditorias em 22 de setembro deste ano.

É o mesmo relatório que apontou ausência de comprovação de entrega pelo Ministério de Saúde de 4.816 respiradores a estados e municípios, como a Folha mostrou no dia 5. Os equipamentos custaram R$ 273,3 milhões ao governo Jair Bolsonaro.

No caso dos respiradores, os comprovantes de entrega eram uma responsabilidade da VTCLog, empresa com contratos com o ministério e que é investigada pela CPI da Covid no Senado. A companhia disse ter entregue mais de 18 mil respiradores, com comprovantes.

As máscaras, por sua vez, foram compradas pelo governo Bolsonaro em abril de 2020, em um momento em que a pandemia ganhava contornos cada vez mais letais no país, em uma primeira fase crítica das infecções e mortes.

O contrato teve o valor total de R$ 691,7 milhões e foi assinado com a Global Base Development HK Limited, de Hong Kong, e com a 356 Distribuidora, Importadora e Exportadora, empresa brasileira que fez a representação da Global Base. As máscaras eram de fabricantes da China.

A compra envolveu 200 milhões de unidades de máscaras cirúrgicas e 40 milhões de máscaras KN95. Cada um dos dois lotes custou o mesmo valor, R$ 345,85 milhões.

Foi por meio deste contrato que o governo Bolsonaro distribuiu máscaras KN95 impróprias a profissionais de saúde, como a Folha revelou em uma série de reportagens. O material acabou estocado nos estados e, posteriormente, foi destinado para o uso comum, fora dos ambientes hospitalares.

O presidente Jair Bolsonaro
Jair Bolsonaro com frequência questiona a necessidade da utilização de máscaras . (Alan Santos/PR)

Cada máscara imprópria custou R$ 8,65 aos cofres públicos. No mesmo momento da pandemia, o Ministério da Saúde pagou R$ 3,59 por máscara do tipo PFF2, comprada diretamente da fabricante 3M do Brasil.

A PFF2 é considerada um dos melhores modelos para a proteção contra o coronavírus. A compra da 3M foi omitida em ofícios do Ministério da Saúde ao MPF (Ministério Público Federal) em Brasília, que investiga irregularidades nas aquisições de máscaras impróprias.

A pasta não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre os apontamentos da CGU em relação às máscaras. Também não respondeu às perguntas relacionadas aos respiradores.

Todos esses contratos foram assinados por Roberto Ferreira Dias, que ocupava o cargo de diretor do Departamento de Logística em Saúde. Ele foi demitido do ministério após a revelação de suspeitas de cobrança de propina em um mercado paralelo de vacinas contra a Covid-19.

Em uma auditoria sobre as demonstrações contábeis dos gastos do Ministério da Saúde em 2020, a CGU constatou 15 lançamentos sem documentos que confirmam o recebimento das máscaras pela pasta. Isso impede uma conclusão sobre baixas contábeis no valor de R$ 193,4 milhões.

O relatório não explica se o produto é a KN95 ou a máscara cirúrgica.

Os pagamentos pela importação das máscaras foram adiantados ao fornecedor, segundo o relatório. Isso ocorreu após o recebimento dos produtos por empresa transportadora na China, afirmaram os auditores.

O processo analisado "não possui qualquer documentação comprobatória do recebimento das mercadorias pela unidade, sendo composto apenas das ordens bancárias ao fornecedor", conforme a auditoria.

A CGU disse que o Ministério da Saúde não apresentou os documentos que evidenciem a regularidade de adiantamentos feitos ao fornecedor. Não foram apresentados documentos que comprovem os "efetivos recebimentos dos insumos pelo ministério".

A 356 Distribuidora, representante da Global Base, afirmou em nota, “com segurança”, que todas as máscaras contratadas foram entregues e que nenhum pagamento foi feito antes de confirmada a entrega da mercadoria.

"Todos os procedimentos foram realizados de acordo com critérios definidos pelo próprio Ministério da Saúde. A documentação comprovando a entrega da mercadoria segundo as exigências do ministério está devidamente armazenada pela 356 Distribuidora", disse a empresa.

Antes da liberação dos pagamentos, havia a necessidade de apresentação de quatro documentos à área financeira da pasta, conforme a nota: comprovante de recebimento da transportadora e logística, comprovante de recebimento da companhia aérea, invoice (fatura) da Global Base e relatório de certificação internacional a cargo de empresa suíça.

"Somente após receberem e conferirem esses quatro documentos que o ministério realizava o pagamento. Nada era pago antes de a companhia aérea Latam confirmar ao ministério o recebimento da mercadoria em seu armazém na China, bem como após o recebimento dos demais documentos", afirmou a 356 Distribuidora.

A Global Base cumpriu o contrato na íntegra, "com os produtos de qualidade conforme pedidos pelo Ministério da Saúde". "A entrega de 100% dos materiais ocorreu dentro do prazo acordado, sem receber um centavo antecipado."

O dono da 356 Distribuidora é Freddy Rabbat, um empresário que atua no mercado de relógios de luxo suíços. Rabbat assinou o contrato como representante do fornecedor, e Roberto Dias como representante do Ministério da Saúde.

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Máscaras KN95 distribuídas aos estados continham na embalagem a inscrição "non-medical". Um parecer da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) foi contrário ao uso dessas máscaras por profissionais de saúde.

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