Publicado em 9 de outubro de 2021 às 10:33
Criado no início do ano, o canal de Jair Bolsonaro (sem partido) no Telegram acaba de ultrapassar a marca simbólica de 1 milhão de inscritos, o que faz do atual presidente e candidato à reeleição líder absoluto no uso dessa ferramenta de comunicação. Em comparação, o líder nas pesquisas, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), tem menos de 36 mil usuários em seu canal, criado em junho deste ano.>
Já o de Ciro Gomes (PDT) conta com menos de 19 mil membros, embora tenha sido criado bem antes, em março do ano passado. Outros pré-candidatos, como o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), ainda nem exploram este aplicativo de troca de mensagens. >
O abismo nos números a favor de Bolsonaro mostra que o presidente é de longe quem mais tem levado a sério uma plataforma que tem tudo para ser fundamental na campanha do ano que vem. >
Na última segunda-feira (4), o Telegram teve um pico de procura em razão do apagão de cerca de sete horas que atingiu o WhatsApp, seu concorrente direto. Num único dia, o presidente ganhou 20 mil inscritos em seu canal. >
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"Independente do que ocorreu nesse dia, Bolsonaro se destaca porque vem fazendo um esforço contínuo para atrair seus apoiadores para a plataforma", diz Giulia Tucci, que pesquisa o alcance do Telegram para seu doutorado em ciência da informação na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). >
Segundo dados levantados por ela, com base em informações disponibilizadas pela própria plataforma, cada post do canal de Bolsonaro impacta cerca de 178 mil usuários do Telegram. O presidente faz em média oito publicações por dia, em geral ações de governo de caráter institucional. >
Ainda não está claro como será o comportamento do Telegram de Bolsonaro no ano que vem, num contexto de campanha. O uso abertamente político da ferramenta e de outras redes sociais por ele poderá gerar ações de uso da máquina na Justiça Eleitoral. >
"A penetração do Telegram cresceu muito. Não é uma ferramenta tão popular como WhatsApp, e imagino que nem venha a ser. Mas está se consolidando rapidamente como uma opção", afirma a pesquisadora. >
O salto no canal de Bolsonaro foi de mais de 650% desde 10 de janeiro. Apenas nos últimos 90 dias, o aumento foi de 30% no número de usuários. >
A cada dia, o canal do presidente ganha em média quase 3.700 inscritos. O de Lula, em comparação, registra 300 novos adeptos diariamente, e o de Ciro, apenas 30. >
"O Telegram guarda muitas semelhanças com o que foi o WhatsApp em 2018, embora dificilmente terá o mesmo impacto, até porque a realidade da legislação eleitoral mudou", diz Diogo Rais, professor de direito eleitoral na Universidade Mackenzie e fundador do Instituto Liberdade Digital, que tem analisado os dados de Tucci junto com a pesquisadora Samara Castro. >
Em 2018, o WhatsApp era em larga medida uma terra sem lei, e nem escritório tinha no Brasil. Como mostraram reportagens da Folha na época, foi muito usado para a divulgação de notícias falsas, a maior parte para beneficiar Bolsonaro. >
Desde então, a rede social pertencente ao Facebook ajustou sua conduta e tem colaborado com a Justiça Eleitoral para minimizar seu papel na disseminação de desinformação. Limitou grupos e passou a identificar conteúdo encaminhado e a restringir as possibilidades de compartilhamento. >
Já o Telegram, de origem russa, é impenetrável e não conta com os limites implantados por outras redes. Também não mantém escritório no Brasil e ignora as discussões sobre o papel das redes sociais na eleição promovidas pelo TSE, como o Programa de Enfrentamento à Desinformação. >
De acordo com a assessoria da corte, as tentativas de contato com a plataforma não tiveram sucesso. >
"A estratégia do programa será celebrar parcerias com entidades da sociedade civil, instituições de ensino e empresas que realizam pesquisas e monitoramento de grupos públicos em plataformas não parceiras, com o objetivo de identificar e responder à desinformação contra o processo eleitoral que circula nessas redes", afirma o TSE, em nota enviada à reportagem. >
Um diferencial alardeado pelo Telegram é a amplitude dos seus grupos. Enquanto o WhatsApp limita a 256 membros, o Telegram admite fóruns de discussão com até 200 mil inscritos. Entre conservadores, diversos foram criados para debater o voto impresso, por exemplo. >
Já canais como o de Bolsonaro, que funcionam basicamente como listas de transmissão, não têm limite. >
"O Telegram é um espaço onde qualquer conteúdo é considerado bem-vindo, e onde a Justiça não atua. É um lugar imune ao próprio Estado brasileiro", afirma Rais. >
Por isso, diz ele, a ferramenta está muito alinhada ao discurso do Bolsonaro, de defesa absoluta da liberdade de expressão. >
Não por acaso, há aumentos repentinos de acesso ao canal do presidente sempre que ele tem uma fala ou ação de impacto. Apenas no dia 7 de setembro, quando fez dois discursos de teor golpista, em Brasília e São Paulo, o Telegram de Bolsonaro ganhou 25 mil novos seguidores. >
O aumento na popularidade do Telegram no Brasil tem sido rápido, como mostram estatísticas levantadas por Tucci. >
Em 2018, apenas 15% dos celulares no Brasil tinham o aplicativo instalado, número que cresceu para 45% atualmente. O WhatsApp ainda é soberano, estando em virtualmente todos os aparelhos no país. >
Além disso, 45% dos usuários do Telegram acessam o aplicativo todos os dias, ou quase diariamente. >
A dianteira de Bolsonaro no canal é algo que já começa a incomodar seus prováveis adversários diretos na eleição do ano que vem. >
O PT diz que considera o Telegram uma ferramenta prioritária para a candidatura de Lula, e que está pensando em estratégias para aumentar rapidamente o número de adeptos. >
"Estamos pedindo para nossos militantes, filiados e simpatizantes se cadastrarem no Telegram e no WhatsApp conjuntamente. Como mostrou o apagão recente que tivemos, é importante ter acesso a mais de uma rede", diz o secretário de Comunicação petista, Jilmar Tatto. >
No dia do apagão, o canal de Lula ganhou cerca de 1.100 usuários, um dos maiores aumentos que já registrou em 24 horas. >
De acordo com Tatto, a ideia é produzir conteúdo exclusivo para a plataforma. "Nossa avaliação é que o Telegram vai crescer muito ainda, até por não haver a mesma política de filtros do WhatsApp. É uma rede mais solta, digamos assim", afirma. >
Procurada, a assessoria de Ciro não se manifestou. >
Para o professor Rais, é inevitável que a forte atuação de Bolsonaro no Telegram provoque um certo efeito manada em seus concorrentes. "Em 2018, todo mundo correu para o WhatsApp porque tinha um candidato que era campeão no uso dessa rede, o Bolsonaro. Isso agora certamente vai ocorrer com o Telegram também", diz. >
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