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Em vez de advogado, inteligência artificial é que vai te mandar um WhatsApp

Em vez de advogado, inteligência artificial é que vai te mandar um WhatsApp

Sistemas de escritórios de advocacia, em uso no ES, já conseguem monitorar bancos de dados processuais e entrar em contato com clientes de forma automatizada, monitorar decisões e avaliar riscos em processos

Publicado em 10 de agosto de 2020 às 10:18

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Uso da tecnologia, da inteligência artificial e de robôs está mais frequente no ramo jurídico
Uso da tecnologia, da inteligência artificial e de robôs está mais frequente no ramo jurídico. (Amarildo)

A ansiedade daqueles que aguardam uma solução da Justiça para os seus processos costuma ser comum. Muitos clientes já conviveram com uma época em que tinham que esperar que o advogado se dirigisse aos fóruns e retirasse a papelada para ter informações sobre o caso. Hoje, já é possível que eles recebam uma mensagem pelo WhatsApp, enviada por Allana. 

Ela fala sobre cada novo andamento processual ocorrido, traduzindo o "juridiquês", e pergunta se o cliente quer conversar com um advogado. Se houver interesse, realiza o contato por ligação telefônica.

A Allana é uma das novas ferramentas de inteligência artificial para o meio jurídico que está em uso no Espírito Santo e representa um "pontapé" já dado pela advocacia para as diversas formas de aplicação dessa tecnologia, que é amplamente utilizada em áreas da economia como varejo, serviços financeiros e indústria.

Ela trabalha com a programação de máquinas capazes de aprender conforme os dados inseridos e alimentados, simulando as habilidades da inteligência humana e, desse trabalho, surgem modernos softwares. Ou seja, são máquinas que formulam construções, como um pensamento.

No Brasil, já há outras iniciativas com inteligência artificial para o trabalho de advogados, que conseguem, por exemplo, identificar e classificar movimentações processuais, para identificar a fase em que o processo se encontra e determinar um tempo previsto para ele; identificar a probabilidade de êxito ou perda de uma ação com base na análise de julgamentos anteriores; analisar documentos e petições, identificando padrões e teses e sugerir documentos, entre muitas outras aplicações.

Toda esta tecnologia passou a receber maior atenção e investimentos dos advogados após uma percepção de que, com o enorme fluxo de processos e dados existente e a complexa e esparsa legislação do Brasil, poderia haver melhor desempenho com o auxílio da inteligência artificial.

Com ela, passa a ser possível conseguir maior velocidade, precisão e qualidade na realização daqueles diversos serviços jurídicos maçantes e repetitivos. E ela permite não apenas a análise e a obtenção de dados, mas também pode impactar a gestão dos escritórios.

O mestre em Direito e advogado capixaba Luiz Cláudio Allemand, que pensou na concepção de Allana, identificou que essa tecnologia poderia ser aplicada para melhorar a relação humana, entre clientes e advogado, visto que hoje qualquer pessoa que tenha a senha de um processo pode acessá-lo pela internet.

Aspas de citação

Isso está longe de ser ruim. Afinal, a transparência é um direito dos clientes. O advogado precisa, então, estar preparado para atender às expectativas do novo mercado. Por exemplo, se uma petição é juntada ao processo, ou se há alguma decisão, o cliente provavelmente desejará entender o que aconteceu. E o profissional deve explicar a ele, portanto, o andamento

Luiz Cláudio Allemand
Mestre em Direito e advogado capixaba
Aspas de citação

"Com essa tecnologia, o escritório assegura que o cliente vai ter as informações atualizadas sobre seu processo a cada movimentação, e permite a ele decidir se quer falar imediatamente ou solicitar para Allana um momento específico para falar com o advogado responsável pelo caso. Não é o cliente que me procura, sou eu que procuro ele", explica.

A NOVA COMUNICAÇÃO

Além das facilidades na análise de processos e outras tarefas, a inteligência artificial e o uso de softwares passaram a ser explorados pela advocacia, inclusive para acompanhar as novas formas de comunicação adotadas pelas pessoas, na avaliação do professor de Direito da Ufes e advogado Rodrigo Mazzei.

"O nosso sistema cultural de produção de sentidos não aceita só aqueles sentidos do passado. Hoje, a nossa forma de comunicar é ampla, é por meio dessas plataformas. Se a Justiça não fizer isso, ela vai ficar para trás. Não é ficar com uma ideia robótica do Direito, e sim pensar que os advogados poderão se preocupar em desenvolver e praticar as habilidades que apenas os humanos têm, para captar novos clientes e defender os casos. Criatividade, persuasão, empatia e capacidade de desenvolver relacionamentos sociais serão colocadas em foco", afirma.

Mazzei também desenvolveu um sistema em seu escritório para gerenciar prazos processuais eletronicamente, e que avalia, pela importância do prazo, a estipulação no tempo que vai ser necessário para análise. Além disso, após a digitalização, não mantém mais quase nada em arquivo físico. Ele afirma ainda estar utilizando uma nova forma de linguagem, mais tecnológica, nas petições, com o uso de QR Codes.

"Em processos muito extensos, sabemos que os julgadores não têm tempo para ler todas as peças processuais, e pode haver uma avaliação superficial. Temos que ter outros instrumentos de comunicação: vídeos, infográficos e outros elementos visuais", elenca.

Inteligência artificial e tecnologia
Inteligência artificial permite, por exemplo, que seja automatizada a leitura de intimações e distribuição de prazos para advogados, sugerindo a eles quais tarefas fazer. (Pixabay)

O advogado Pedro Andrade, que também investiu em sistemas para a gestão interna e controle de prazos automatizado, destaca que as tecnologias em desenvolvimento dialogam melhor com o processo eletrônico, pois fazem buscas automatizadas. Na Justiça Estadual do Espírito Santo, em que a maior parte dos processos ainda é físico, há um caminho mais longo a percorrer.

"O uso de inteligência artificial na advocacia brasileira é um caminho sem retorno, mas que anda a pequenos passos. Em casos de grandes escritórios fora do Estado, já há robôs que analisam probabilidades de risco de julgamento dos processos e custos de decisões em massa, como em casos de consumidores ou de ações bancárias, por exemplo."

Allemand avalia que é preciso cautela com o uso de determinadas ferramentas. "Não há vantagem em usar tecnologia para que robôs pensem o processo. O Judiciário também foi buscar os meios de ele usar a inteligência artificial, para julgar mais rápido. Hoje, a mesma facilidade que o advogado tem para localizar uma tese, o magistrado e o assessor também tem. Se existe padrão, a máquina alcança e o Poder Judiciário também", frisa.

No Supremo Tribunal Federal (STF), foi desenvolvida uma inteligência artificial, batizada de Victor, em que um algoritmo baseado em aprendizado de máquinas tem por finalidade analisar os temas de repercussão geral que, ainda que o STF tenha afirmado que não decidiria, chegam à Corte. Ele consegue dar maior eficiência na análise de processos, com economia de tempo e de recursos humanos. Tarefas que os servidores do Tribunal levam, em média, 44 minutos, podem ser feitas em cinco segundos pelo Victor.

No Espírito Santo, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), a Justiça Federal e o Tribunal Regional do Trabalho (TRT-ES) afirmaram ainda não fazer uso da inteligência artificial.

AS LEGALTECHS

Outra forma de investimento tecnológico que tem se destacado no meio jurídico é o das legaltechs, empresas, em sua maior parte startups, que desenvolvem tecnologias aplicáveis que facilitem a rotina jurídica.

Há legaltechs que auxiliam na gestão jurídica, outras que fazem a extração e o monitoramento de dados públicos, soluções tecnológicas capazes de resolver problemas gerados pelas exigências de regulamentação, e empresas de resolução de conflitos on-line, envolvendo a mediação, a arbitragem e a negociação de acordos.

Algumas tecnologias ainda encontram resistência no meio jurídico e certo receio de perda de controle para a inteligência artificial, segundo os advogados.

Recentemente, a Ordem dos Advogados do Brasil - seccional Espírito Santo (OAB-ES) acionou a Justiça para proibir uma startup capixaba que atua contra empresas aéreas de fazer anúncios, por entender que a atividade que ela exerce, de auxiliar passageiros que tiveram problemas com voos aéreos, é típica da advocacia.

Para o presidente da Comissão de Startups, Proteção de Dados e Inovação da OAB-ES, Guilherme Deps, a inteligência artificial e as legaltechs trarão um impacto a médio e longo prazo para a advocacia, conseguindo trazer mais assertividade para as decisões judiciais.

"Com a análise de dados, você consegue orientar melhor o seu cliente na tomada de decisões, saber se é mais interessante fazer um acordo ou ir para o litigioso, conforme as decisões que são tomadas. O advogado que antes era generalista, tem que se especializar cada vez mais no seu ramo, utilizar as tecnologias que tem a seu dispor, entender o contexto de transformação digital e compreender quais são as novas empresas que estão surgindo, sabendo falar a língua dessas pessoas", avalia.

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