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Da tecnologia ao limite entre Poderes: desafios nos 35 anos da Constituição

Da tecnologia ao limite entre Poderes: desafios nos 35 anos da Constituição

Promulgada em 5 de outubro de 1988, Carta Magna tem de se adaptar às mudanças tecnológicas com papel de manter a harmonia na separação entre os Poderes da República

Publicado em 5 de outubro de 2023 às 08:03

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Leis
Constituição Federal do Brasil. (Divulgação/Nova Escola)

"No que tange à Constituição, a nação mudou. A Constituição mudou na sua elaboração, mudou na definição dos Poderes. Mudou restaurando a federação, mudou quando quer mudar o homem cidadão. E é só cidadão quem ganha justo e suficiente salário, lê e escreve, mora, tem hospital e remédio, lazer quando descansa." Esse é um trecho do início do discurso de Ulysses Guimarães, que presidiu a Assembleia Nacional Constituinte, que promulgou a Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988. 

Trinta e cinco anos separam 1988 de 2023 na linha do tempo. Mesmo assim, temas que Ulysses Guimarães considerou importantes o bastante para estarem no início de suas palavras, continuam no centro do debate público. Entre eles, cidadania e a harmonia na definição e separação entre os poderes da República. A Gazeta, então, conversou com especialista para saber quais são os principais desafios que a atual Constituição enfrenta. 

Constituição Cidadã

O advogado e especialista em Direito Civil e Empresarial Carlos Augusto da Motta Leal lembrou do momento histórico que o Brasil vivia no momento da promulgação da Constituição, acabando de sair de uma ditadura militar (1964 a 1985). "A Constituição Federal de 1988, também conhecida como "Constituição Cidadã", foi um marco na redemocratização do Brasil".

Motta Leal também colocou o direito à cidadania como um dos principais desafios à época. "Ao longo desses 35 anos, enfrentamos diversos desafios. Inicialmente, a consolidação das instituições democráticas e a garantia dos direitos fundamentais foram prioridades. Com o tempo, a efetivação desses direitos, especialmente os sociais, tornou-se um desafio, dada a complexidade socioeconômica do país", disse.

Advogado Carlos Augusto da Motta Leal, especialista em Direito Civil e Empresarial.
Advogado Carlos Augusto da Motta Leal, especialista em Direito Civil e Empresarial. (Divulgação)
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Com o tempo, a efetivação dos direitos, especialmente os sociais, tornou-se um desafio, dada a complexidade socioeconômica do país.

Carlos Augusto da Motta Leal
Advogado especialista em Direito Civil e Empresarial. Sócio e fundador do escritório Motta Leal & Advogados Associados.
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Mudanças tecnológicas

O modo como interagimos com o mundo mudou muito desde o final dos anos 1980 até hoje. Naquela época, não existiam telefones conectados à internet, os smartphones, e a própria internet estava muito longe de ser o que é hoje. Acompanhar essas mudanças também foi necessário para manter a Constituição atualizada.

"Outro ponto relevante foi a adaptação da Carta Magna às mudanças tecnológicas e globais, exigindo interpretações atualizadas e, por vezes, emendas constitucionais. Atualmente, ainda enfrentamos desafios relacionados à eficiência do Estado, ao equilíbrio fiscal, ao combate à corrupção e à garantia de direitos em um cenário de grande polarização política", elencou Motta Leal.

Harmonia entre os poderes

Um dos momentos mais marcantes do discurso de Ulysses Guimarães na promulgação da Constituição foram os sentimentos a respeito do momento institucional que o país tinha acabado de atravessar. "Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo", disse o chamado "Pai da Constituição", aplaudido em seguida.

Voltando a 2023, o risco à democracia também esteve presente no discurso do ministro Luis Roberto Barroso, ao assumir na última semana a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), corte conhecida por ser a "guardiã da Constituição". 

"Em todo mundo a democracia constitucional viveu momentos de sobressalto, com ataques às instituições e perda de credibilidade. Por aqui, as instituições venceram tendo ao seu lado a presença indispensável da sociedade civil, da imprensa e do Congresso Nacional. E justiça seja feita: na hora decisiva, as Forças Armadas não sucumbiram ao golpismo", afirmou Barroso, lembrando da invasão de golpistas às sedes dos três Poderes, em 8 de janeiro deste ano.

O momento institucional do país, no aniversário de 35 anos da Carta Magna, é de embates entre Judiciário e Legislativo, sobre as competências de cada poder.

Um exemplo é o marco temporal. Na mesma semana que o STF derrubou a tese jurídica, o Senado Federal aprovou o PL 2.903/2023, que, se sancionado, transforma pontos da tese em lei. Após a votação, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), até chegou a dizer que "não se trata de revanchismo". 

Em evento comemorativo do aniversário da Constituição, na quarta-feira (4), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) também falou sobre os limites de cada poder. “É importante que saibamos nos conter: cada poder desta nação nos seus limites constitucionais". 

"A Constituição é a regra matricial, estabelece princípios e fundamentos. Como dito, o equilíbrio e respeito às atribuições de cada um dos Poderes constituídos são fundamentais e garantem a estabilidade institucional", explicou Motta Leal.

O advogado também ressaltou que a estabilidade institucional é importante para a sociedade como um todo. "Cada Poder tem suas competências definidas e limites estabelecidos para garantir o equilíbrio institucional e a paz social".

O QUE É A CONSTITUIÇÃO?

Na hierarquia dos textos legais, a Constituição está no topo, orientando todo o restante. Nela, está previsto que o Brasil é uma República Federativa, composta por estados e municípios e o Distrito Federal.

Também é ela que estabelece a existência dos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e impõe limites a cada um deles. Nesse desenho, cabe ao STF (Supremo Tribunal Federal), chamado de guardião da Constituição, interpretar o que está ou não de acordo com o pacto de 1988, desde que provocado.

COMO ELA FOI CONSTRUÍDA?

O trabalho da Assembleia Constituinte teve início em fevereiro de 1987. Ao todo, eram quase 600 constituintes, entre deputados e senadores, sendo apenas 26 mulheres.

A professora de direito constitucional na UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora) Tayara Lemos ressalta que a Constituinte recebeu mais de 120 emendas de diferentes categorias, como movimento negro, de mulheres, sindicatos e povos indígenas.

"Embora nem todas as sugestões das emendas tenham sido acatadas, é importante considerar essa abertura para a sociedade", afirma Tayara, que destaca a contribuição das mulheres ao longo do processo. "Ela foi elaborada de forma analítica, detalhada, característica que também objetiva inviabilizar golpes, regimes autoritários e garantir direitos reivindicados por diversos segmentos da sociedade."

QUAIS PRINCIPAIS EIXOS?

Logo em seu início, a Constituição traz seus objetivos fundamentais. São eles a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia do desenvolvimento nacional e a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais; além da promoção do bem de todos, sem preconceitos de qualquer tipo.

Parte das preocupações da Constituição vinham ainda a se contrapor aos anos de chumbo. Foi garantida a liberdade de expressão e vedada a censura, e também foi proibida a tortura.

Entre as marcas do texto aprovado em 88 estão o direito à educação, além do reconhecimento de que a saúde é direito de todos e dever do Estado, o que dois anos mais tarde foi regulamentado por meio da criação do SUS.

"A educação era prevista em outras Constituições, mas não era estabelecida como um direito fundamental que as pessoas podiam exigir do Estado", diz Wallace Corbo, professor de direito da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e da FGV Direito Rio. Ele destaca também o papel da Constituição em estruturar as Defensorias públicas pelo país, o que antes dependia dos governos locais.

Outra inovação foi a criação de um capítulo destinado ao meio ambiente, além da ampliação dos direitos de quilombolas e a exigência de demarcação das terras indígenas.

PODE SER ALTERADA?

Para possibilitar a atualização do texto sem que para isso fosse preciso uma ruptura ou a realização de uma nova Constituição, o texto previu a possibilidade de emendas, o que ganha ainda mais relevância dado o seu caráter amplo e detalhista.

Apesar dessa abertura, que já resultou em 131 emendas aprovadas, há aspectos protegidos: as chamadas cláusulas pétreas. Elas proíbem alterações que queiram acabar com o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes, os direitos e garantias individuais e a forma federativa de Estado.

"Não é um problema adaptar a nossa Constituição para os problemas e desafios que vão se apresentando de tempos em tempos", diz Miguel Gualano de Godoy, professor da UFPR (Universidade Federal do Paraná). "[Mas] tratar de temas que, se não fossem tratados pela Constituição permaneceriam renegados, é uma conquista."

Para alterar a Constituição, é preciso que o Congresso aprove uma PEC (proposta de emenda à Constituição). Para passar, são necessárias duas rodadas de votação tanto na Câmara e quanto no Senado, com três quintos dos votos em cada Casa.

QUAIS OS PRINCIPAIS DESAFIOS?

Um dos principais obstáculos da Constituição é sua própria efetividade, em especial, em um país marcado por desigualdade social e econômica.

De outro lado, movimentos de intuito golpista, como os que culminaram nos ataques golpistas de 8 de janeiro, são outra vertente desafiadora ao Estado democrático de Direito, estabelecido pela Constituição.

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Com informações da FolhaPress

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