> >
Celso de Mello: a todo vapor para liberar primeiras ações da Lava-Jato

Celso de Mello: a todo vapor para liberar primeiras ações da Lava-Jato

Revisor no STF pretende enviar processos para julgamento antes de abril

Publicado em 5 de março de 2018 às 10:53

Ícone - Tempo de Leitura 0min de leitura
Ministro Celso de Mello. ( Divulgação)

Decano do Supremo Tribunal Federal, o ministro Celso de Mello, 72 anos, relator da Lava-Jato na Corte, diz que está trabalhando “a todo o vapor” nas ações penais e que pretende liberar antes de abril os primeiros processos para julgamento, envolvendo o deputado Nelson Meurer (PP-PR) e a senadora Gleisi Hoffman (PT-PR).

Recentemente, chegaram ao gabinete do senhor, para revisão, as primeiras ações penais da Lava-Jato. O senhor já começou a elaborar um voto?

Já, eu quero ver se libero logo (para julgamento na Segunda Turma). Primeiro chegou o processo do deputado Nelson Meurer (PP-PR) e depois o da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR). Vou observar a ordem de chegada.

O senhor acha que conclui o trabalho até abril?

Ah, eu espero que sim. Tranquilamente. Até antes disso. Eu estou a todo vapor trabalhando.

São comuns críticas ao STF por ainda não ter punido ninguém na Lava-Jato. Como o senhor vê isso?

Às vezes fala-se que no Supremo, até agora, não se fez nada. Há várias razões para isso. Primeiro porque decidir monocraticamente é muito mais prático e ágil do que decidir colegiadamente. Eu não posso receber uma denúncia contra alguém monocraticamente. Se eu fosse magistrado de primeiro grau, eu levaria o inquérito com a denúncia para a minha casa num sábado, ficaria estudando no fim de semana, redigiria minha decisão e segunda-feira liberaria. Mas isso não é possível fazer em tribunal, não é só no Supremo. Também reclama-se que o Supremo não decreta a prisão de ninguém. O número maior de pessoas sob investigação provém do Congresso Nacional. A Constituição da República estabelece um círculo de imunidade à prisão em torno do congressista. A Constituição diz que deputado federal e senador só podem ser presos em razão de uma condenação criminal final, como aconteceu com alguns deputados federais no âmbito do mensalão, e prisão cautelar em flagrante de crime inafiançável. Esse círculo de imunidade em torno dos congressistas impede que eles sejam presos preventivamente. O STF não pode decretar a prisão (fora dessas hipóteses). E, se decretar, será inconstitucional.

As delações premiadas muitas vezes geram expectativa de punição, que acabam não se concretizando. Como o senhor vê essa situação?

Não vou me pronunciar sobre uma situação concreta, mas parto de uma premissa básica, que é o direito de ser presumido inocente. É dever jurídico do Ministério Público provar cabalmente a autoria e a materialidade do fato. O réu não precisa provar sua inocência. Em uma ação penal, quando recebi o processo para estudar, a acusação final do procurador-geral da República pedia a condenação do réu porque havia uma “altíssima probabilidade” de que ele fosse o autor do fato. “Altíssima probabilidade” não justifica a formação de um juízo condenatório. A prova tem que ser cabal, além de qualquer dúvida razoável. Resultado: foi absolvido por falta de prova.

A delação tem força para justificar uma condenação, se for corroborada por outra delação?

A lei que disciplina a delação premiada foi sábia quando estabeleceu que, se a única prova existente contra o réu apoiar-se exclusivamente no depoimento do agente colaborador, o Judiciário não poderá condenar o réu. Às vezes existe a chamada corroboração recíproca, quando o Ministério Público consegue depoimentos de vários colaboradores e conclui que todos os depoimentos são harmônicos entre si e conduzem à demonstração da culpabilidade do réu. Só que são depoimentos de agentes colaboradores, e a lei não distingue entre um ou dois ou três. Mesmo nos casos de corroboração recíproca dos colaboradores, se essa for a única prova, não se condena também.

O ministro Toffoli pediu vista do processo sobre a restrição do foro privilegiado no ano passado. O STF deveria tomar logo essa decisão?

A questão da prerrogativa de foro, que já tem sete votos, é uma decisão que o Supremo vai tomar. Claro, nós não podemos negar aos congressistas a prerrogativa de foro, porque isso está na Constituição. Mas nós podemos interpretar a Constituição de modo legítimo. Estamos emprestando uma interpretação em conformidade dizendo que a prerrogativa de foro existe se o delito cometido o for no desempenho das atribuições daquele cargo, que confere àquela pessoa a prerrogativa de foro. Não se aplica a prerrogativa de foro se o delito é cometido no desempenho do mandato, mas não tem nada a ver com o conteúdo das atribuições. Outra situação é que se o delito foi cometido antes da investidura no mandato, o caso vai para o primeiro grau.

Por que o senhor tem essa posição?

A lei da República a todos iguala. Todos têm que ser submetidos à Justiça de primeira instância. A dignidade da função não fica ofendida.

Se forem tantos processos para a primeira instância, será preciso aumentar a quantidade de juízes?

Não. O número de processos também não é tão grande assim que vá obstruir a atuação jurisdicional.

A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, deu indícios de que não quer pautar no plenário o julgamento das ações sobre prisões de condenados em segunda instância. Para o senhor, o tribunal deveria julgar o assunto novamente?

Entendo que a ministra Cármen Lúcia terá a sensibilidade para compreender a necessidade de pautar no plenário o julgamento das duas ações diretas de constitucionalidade. Porque nelas vamos julgar em tese, de forma abstrata, questão envolvendo o direito fundamental de qualquer pessoa de ser presumida inocente.

O senhor mantém a convicção de que o réu tem direito a recorrer em liberdade até a última instância?

Eu ainda estou fiel à minha posição. É uma decisão que me preocupa como cidadão. A Constituição proclamou a presunção de inocência. Diz, no artigo 5º, que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. É um retrocesso que se impõe em matéria de direito fundamental (a prisão antecipada), porque a Constituição está sendo reescrita de uma maneira que vai restringir o direito básico de qualquer pessoa. A Constituição exige o trânsito em julgado. As leis ordinárias exigem o trânsito em julgado. E há um limite, que é o limite semântico. Se a Constituição ou a lei diz trânsito em julgado, é transito em julgado, e não decisão de segundo grau que ainda não transitou em julgado.

Qual a vantagem que o senhor vê nesse modelo?

Tive aqui o processo de um réu de São Paulo que foi condenado em primeiro grau, recorreu ao Tribunal de Justiça e perdeu. O tribunal mandou executar a pena provisoriamente, com base nessa jurisprudência. Ele recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e foi absolvido. Mas ele cumpriu durante um certo período de tempo com rigor penitenciário essa pena. A mim me basta que um inocente seja submetido a essa esdrúxula execução provisória para que eu me mantenha fiel à minha posição.

No que o senhor acredita que vai dar o julgamento?

Eu não sei se prevalece o trânsito em julgado, porque precisamos de seis votos. Meu palpite é que vai acabar prevalecendo a posição intermediária, da possibilidade de execução da pena com a sentença confirmada pelo STJ.

Seria mais confortável para o STF ter decidido isso antes da condenação do ex-presidente Lula?

Sim, poderíamos ter decidido isso até 19 de dezembro do ano passado. De qualquer maneira, ainda é tempo. E acho importante que nós decidamos nas ações, porque foram ajuizadas antes que qualquer desses fatos notórios, dessas condenações que surgiram depois, tivessem ocorrido. Elas foram ajuizadas em relação a um princípio. A discussão é em abstrato, obrigatoriamente. É a tese, é o alcance do princípio constitucional.

O senhor acha que existe brecha para o STF mudar o entendimento sobre a Lei da Anistia?

Quando eu votei nesse caso, compus a corrente majoritária e entendi que a Lei da Anistia se tornou irrevogável. Mas entendo ser possível processar autores de crimes de sequestro praticados durante o regime militar, porque sequestro é um crime permanente. Isso significa que o momento consumativo do crime ocorreu quando já estava em vigor a Lei de Anistia. Mas está anistiado? Não. Porque crime permanente é consumado segundo a segundo, o momento consumativo dele se prolonga no tempo. As vítimas eram sequestradas, executadas e enterradas. Nesses casos, quando você não conseguiu libertar a vítima e não houve uma solução do caso, porque a vítima não apareceu, então o crime é permanente, ou seja, ele ainda está sendo cometido. Logo, ele ultrapassa o marco temporal da Lei da Anistia.

A Procuradoria-Geral da República pediu ao STF para reabrir um processo para discutir essa hipótese. Se a tese do senhor for vencedora, militares que cometeram esse crime específico na ditadura podem ser punidos?

Este vídeo pode te interessar

Não só militares, mas civis associados à ditadura militar que comprovadamente tenham sido considerados autores de crimes de sequestro de vítimas ainda não localizadas são passíveis de punição penal.

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais