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Bolsonaristas e petistas agem de forma semelhante nas redes sociais

Bolsonaristas e petistas agem de forma semelhante nas redes sociais

Em análises feitas por especialistas em comunicação digital, o que se identifica é um mesmo modo de agir: ofensas ao polo oposto, ataques à mídia e culto à personalidade

Publicado em 31 de março de 2019 às 23:27

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Tentar entrar em um debate travado nas redes sociais, seja em páginas de notícias de política ou nos perfis dos políticos ícones da atual polarização, pode ser uma tarefa incômoda para quem não se encaixa no perfil de militância.

No ambiente virtual, os espaços ocupados por bolsonaristas e petistas tornaram-se lugar de disputa retórica e de quem ocupa mais espaço. Em análises feitas por especialistas em comunicação digital e ao observar as publicações e comentários dessas páginas, o que se identifica é um mesmo modo de agir: ofensas ao polo oposto, ataques à mídia e culto à personalidade.

O aspecto passional que dominou a política brasileira certamente contribui para isso. Na publicação de um link com alguma notícia que soe como uma mínima crítica ao presidente Jair Bolsonaro (PSL), seu governo ou suas opiniões, por exemplo, um conglomerado de seguidores já inicia a reação.

APROVAÇÃO

Um exemplo é um post feito pelo Gazeta Online, em fevereiro, com o título “Bolsonaro inicia governo com menor aprovação que FHC, Lula e Dilma”, sobre uma pesquisa CNT/MDA.

“A Gazeta, nos poupe de suas fake news... O povo acordou e está sabendo de que lado vocês estão... É melhor Jair se arrependendo...”, afirmou um seguidor.

Esse comportamento não é novidade entre os apoiadores daquele que está no poder. Em uma publicação de 2013, no governo Dilma, a página do Gazeta Online lançou o questionamento: “Dilma vem ao Espírito Santo em outubro para inaugurar obras. Qual mensagem você gostaria de dizer pessoalmente à presidente?”

Boa parte das respostas não falavam da notícia em si, e sim questionavam a intenção do jornal. “Estimulando a discórdia, hein Gazeta? Você já se apropriou bastante dos governos. A imprensa burguesa só atira pedra”, disse uma seguidora.

 

O pós-doutor em comunicação digital e diretor da AP/Exata, Sergio Denicoli, detalha que já fez este tipo de constatação.

“A rede é muito emocional, e tenta acabar com mensageiros. Mesmo jornais mais identificados com a direita, se faz qualquer publicação que incomode o grupo, eventualmente também será atacado por ele, pois na mesma hora a narrativa se volta contra o jornal, e questiona-se sua credibilidade. Isso ocorre com os dois lados”, afirma.

Além das críticas ao próprio veículo que divulga a informação, outra atitude comum é ofender o lado adversário, ou criar novas versões aos fatos.

“Tanto bolsonaristas quanto petistas se ofendem com qualquer coisa, vêm em bandos e xingam todo mundo com extrema agressividade, quando o assunto em evidência é um fato negativo sobre Bolsonaro e Lula. Tentam tachar as pessoas em estigmas, como se todos da esquerda defendessem corruptos, ou todos os bolsonaristas são reacionários, nazistas”, acrescenta o pesquisador.

BLOCOS

Em uma de suas análises, Denicoli identificou que os blocos mais extremos compõem uma rede. No caso do presidente, por exemplo, as páginas dele, de seus filhos, do escritor Olavo de Carvalho, e outras sem alguém identificado, como “Direita Vive 3.0” se auto-alimentam e vão sempre defender Bolsonaro, segundo o diagnóstico.

“No caso da divulgação da notícia de que o acusado de matar Marielle Franco era vizinho de Bolsonaro, por exemplo, há um grande alarde da rede de influência da esquerda logo em seguida, com textões, memes. Rapidamente, a rede da direita se organiza para apresentar um argumento único, e Bolsonaro declara que também quer saber quem foi o mandante da facada da qual foi vítima, e toda a rede dele começa a replicar. A internet vira essa guerra retórica”, exemplifica.

Nos próximos meses, com um distanciamento cada vez maior do período eleitoral, a expectativa é de que esse ambiente se tranquilize, pelo menos um pouco.

“As pessoas estão ficando um pouco cansadas das redes sociais, porque elas estão muito radicalizadas. Mas o tom de campanha adotado pelo presidente também é danoso, já está gerando desconforto. Ele precisa descer do palanque e mostrar os pontos positivos de sua gestão, pois a rede é muito volátil”, avalia Denicoli.

“A DINÂMICA USADA NA POLARIZAÇÃO É A MESMA”

O professor da USP e coordenador do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (Gpopai), Pablo Ortellado, atua no monitoramento de páginas do Facebook, em que analisam os compartilhamentos e comentários das páginas de sites de notícias, e também de outras 400 páginas que tratam de política na rede social. Para ele, o comportamento dos “ativistas” possui mais semelhanças do que diferenças.

O que se pode aferir nesta análise sobre como agem petistas e bolsonaristas nas redes sociais?

A dinâmica da polarização é a mesma. Significa que tudo que o governo Bolsonaro abraça, o campo da esquerda automaticamente nega, e vice-versa. Por esse motivo, no caso dos bolsonaristas, eles são levados a defender todos os atos do governo, inclusive os mais indefensáveis, assim como ocorria no governo Dilma (PT).

Por que há este ataque à imprensa tradicional?

O Brasil é diferente de outros lugares, como os Estados Unidos. Lá, a esquerda defende a grande imprensa, curte New York Times, por exemplo. Já a direita só curte a imprensa alternativa de direita, com a exceção da Fox News, e despreza o restante. No Brasil, não. Nossas pesquisas mostram que as pessoas de esquerda leem predominantemente a imprensa alternativa de esquerda, e as de direita também preferem os veículos direitistas. Quando se trata da grande imprensa, os dois lados leem manchetes que favorecem apenas o seu campo, então ela é atacada pelos dois lados e só é defendida por conveniência.

Quem mais estimula esse comportamento?

Há uma dinâmica comum. Um exemplo foi no dia do anúncio de que o ex-deputado Jean Wyllys sairia do Brasil. Rapidamente foi acusado de estar envolvido no atentado a Jair Bolsonaro. Fizemos uma reconstrução histórica, de como nasce uma campanha dessa. Um ou dois pequenos usuários lançam a ideia, aí vem um grande usuário, vê que isso tem potencial de atacar o campo adversário e organiza. Faz uma fala forte, lança uma hashtag. Outros grandes aderem, e realmente se lança uma campanha. E tem ainda os robôs, que servem para levantar o tema.

O que explica essa conduta comum?

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É uma postura que só serve para pregar para os convertidos, inflar o ego de seu grupo. E os grandes líderes, tanto de um lado, quanto de outro, não vêm a público condenar essa postura com veemência, o que afasta os mais moderados dos debates nas redes.

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