A sanção a projeto da Assembleia Legislativa que autoriza, em pleno contexto de recuperação econômica e desemprego em alta, o pagamento de bônus de R$ 1 mil a servidores de gabinetes, esta semana, é apenas mais um episódio de aval a medidas controversas arquitetadas por deputados estaduais.
Nos últimos meses e anos, o Legislativo criou cargos, permitiu que comissionados trabalhassem fora da sede da Assembleia, abriu brecha para a existência dos chamados fantasmas e, mais recentemente, acabou com a única forma de controle das atividades dos servidores externos - pouco tempo depois de sugerir o mesmo controle aos demais Poderes.
Para especialistas, medidas paroquiais como essas estão relacionadas aos problemas da estrutura do sistema político brasileiro. Eles avaliam que, para parlamentares, é conveniente ignorar a ideologia partidária e fazer dos mandatos "empresas" eficientes em vencer as eleições, de modo que as disputas se restrinjam aos mandatários.
Medidas que geraram forte reação da sociedade não são exclusividade desta ou da anterior administração da Assembleia. Todas elas costumam ser tomadas em nome da transparência ou do aperfeiçoamento da prestação de serviços. Contudo, abrem novas despesas ou lacunas.
Em 2011, os deputados decidiram criar os gabinetes externos. Funcionários de livre nomeação passaram a poder trabalhar nas bases eleitorais. Em 2015, todos os funcionários de todos os deputados foram liberados do ponto de frequência. Em 2017, permitiu-se um funcionário a mais por gabinete, alcançando um total de 19 servidores por deputado. Esses funcionários geram um gasto equivalente ao de uma empresa de pequeno porte.
A atual gestão da Assembleia comemora iniciativas como a de oferecer delegacias, Procon e emissão de carteiras de identidade na sede do Legislativo. De fato, ficou visível a circulação de populares naquela que é considerada a "Casa do Povo".
No entanto, não há notícias de modernizações na maneira como os deputados exercem as atividades para as quais eles foram eleitos: legislar e fiscalizar o Executivo. A regra continua sendo acolher desejos do governo e dos demais Poderes, e no ritmo que eles querem.
O cientista político Fernando Pignaton avalia que funciona e vai funcionar assim enquanto não houver uma reforma política que tenha como diretriz o fortalecimento da vida partidária. "Uma das carreiras sociais é ser político, e isso nunca vai se encontrar com as necessidades modernas da sociedade. Os mandatos personalistas estão sendo cada vez mais fortalecidos, com ascensões econômicas. Estão cada vez mais corporativos. Isso causa disfuncionalidades no planejamento de políticas públicas, que não é como o da China ou como o da Coreia do Sul."
Têm ocorrido mudanças nos perfis dos legisladores brasileiros, observa o cientista político da Universidade Presbiteriana Mackenzie Rodrigo Prando. Não necessariamente são positivas.
A questão é que os políticos com o foco "difuso" foram eleitos da mesma maneira que os que pretendem ser diferentes.
"O cidadão contribui para isso. O pior político não está em Brasília ou em qualquer cidadezinha do Brasil se não por via do voto. O sistema engessa, leva a isso, mas a sociedade, se melhorasse a qualidade da representação, estaria em outro patamar", complementou Prando.
Na avaliação de Roberto Bocaccio Piscitelli, especialista em administração pública e ciência política da UnB, polêmicas da Assembleia capixaba são similares às do Congresso. Ele observa predominância do "toma lá, dá cá" e uma falta geral de critérios técnicos.
"Os legislativos talvez cometam abusos com relação aos demais Poderes, mas esse não é um privilégio só dele se pensarmos que o presidente está indicando o filho para embaixador nos EUA. Há uma característica patrimonialista na realidade brasileira que, de forma geral, não tem mudado na administração pública", disse.
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