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'Não se trata um ser humano assim', diz Cabral sobre uso de algemas

'Não se trata um ser humano assim', diz Cabral sobre uso de algemas

Ex-governador também reclamou que MP adulterou inspeção na qual foram encontrados alimentos proibidos em Benfica

Publicado em 10 de maio de 2018 às 09:40

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(Rodrigo Felix Leal/Arquivo)

Em depoimento prestado em 19 de abril, o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral soltou o verbo contra integrantes do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) e policiais federais de Curitiba. Segundo ele, promotores fraudaram em novembro do ano passado a inspeção na cadeia de Benfica na qual foram encontrados alimentos proibidos. Os supostos benefícios a Cabral na prisão foram a razão de ele ter sido transferido para Curitiba em janeiro deste ano, onde chegou a ser algemado nas mãos e nos pés durante o transporte da carceragem da Polícia Federal (PF) para o Instituto Médico Legal (IML) e depois para o Complexo Médico Legal de Pinhais.

Ele foi ouvido pelo juiz instrutor Ali Mazloum, lotado no gabinete do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Foi Gilmar quem determinou a abertura de inquérito para apurar se houve abuso no uso de algemas. A decisão de fazer a investigação foi tomada durante o julgamento da Segunda Turma da corte que determinou a volta de Cabral de Curitiba ao Rio em 10 de abril deste ano.

— Eu reclamei (quando algemado). Falei: "Isso não é assim. Não se trata um ser humano assim, muito menos alguém que não oferece perigo, alguém que está aqui pacificamente". Ele (o chefe da carceragem da PF em Curitiba, Jorge Chastalo Filho) respondeu: "Isso é determinação" — disse Cabral, que ainda reclamou: — E eu fui na caçamba, não fui no banco da frente não!

Segundo Cabral, no dia da inspeção em sua cela, em 24 de novembro, uma promotora disse não ter encontrado nada de mais. Mas a equipe que a auxiliava continuou no local. E depois outras duas promotoras continuaram a vistoria, com postura bem diferente.

— O "cooler" que diziam era uma caixa de papelão com balde, com gelo, para preservar a comida que a minha família trazia de casa, que todas as famílias trazem de casa. A equipe não foi embora com ela, a equipe ficou lá. Nesse mesmo dia, à tarde, é um dia fácil de identificar porque houve repercussão no telejornal local, eu estava no corredor e a equipe veio, Excelência, sem exagero, com uma volúpia de quem estava invadindo um local — disse Cabral.

— Pegaram esses "coolers" de papelão, de balde com papelão, jogaram no chão, começaram a jogar tudo, e filmando, dizendo "tem isso, tem aquilo". Depois, o que nós fazíamos por organização interna, era anotar na tampa do papelão o nome de cada interno, de cada preso. Então, eles pegaram somente o meu "cooler", somente o meu, depois foram recolhendo coisas em todas as celas, e declararam à imprensa que todas aquelas coisas recolhidas pertenciam a mim. Era inverossímil, porque camarão, por exemplo, eu não como — acrescentou o ex-governador.

TAMPA DE QUEIJO ERA NA VERDADE PAPELÃO DE 'COOLER'

Segundo ele, a tampa do cooler levou a mais uma informação errada: a de que ele guardava queijo na cela.

— A tampa parecia como se fosse uma tampa de queijo. Eles deram a impressão, e aquilo era uma tampa de papelão — afirmou Cabral.

O ex-governador disse ainda que, em Curitiba, o chefe da carceragem da PF na cidade teria dito que só não é algemado daquele jeito quem é delator. Em depoimento prestado em 24 de abril, Jorge Chatalo negou ter dito isso. Segundo ele, outros policiais federais e agentes de Departamento Penitenciário Nacional (Depen) cedidos, as algemas eram necessárias para garantir a própria segurança de Cabral, uma vez que o ex-governador poderia ser agredido por populares. Chastalo disse inclusive que "se necessário fosse carregaria o preso Cabral" até a viatura.

Em depoimento em 24 de abril, o agente do Depen Saulo de Morais Farias, que já trabalhou no presídio federal de Mossoró, relatou o que ouviu do traficante Marcinho VP, um dos presos do local. "Esta pessoa afirmou que não gostava do governador Cabral", diz trecho da ata da audiência, acrescentando: "O algemamento confere segurança à integridade do preso, já que ele tem vários desafetos, como é o caso do 'Marcinho VP'." Segundo o agente da PF Rodrigo Augusto de Andrades, havia até mesmo um vídeo do traficante atacando o ex-governador.

Cabral relatou dor enquanto andou algemado e teria sido orientado por Chastalo a caminhar mais devagar. Mas o chefe da carceragem argumentou que foi o próprio Cabral quem decidiu andar mais lentamente. Segundo a ata de audiência do depoimento de Chastalo, "o andar vagaroso da viatura até a porta de exames do IML foi proposital da parte de Cabral, tendo ele feito isso para mostrar à imprensa que estava sendo maltratado". Isso o irritou, "pois Cabral poderia andar três vezes mais rápido, mesmo com o marcapasso." Negou ainda ter dito que o uso de algemas era por determinação de alguém sendo na verdade uma decisão tomada por convicção própria dele e de sua equipe. Afirmou também que outros presos da Lava-Jato já tinham sido algemados da mesma forma.

JAPONÊS DA FEDERAL TRATOU CABRAL BEM

Segundo Cabral, até então ele nunca tinha usado algemas no transporte entre unidades prisionais e varas de justiça. O ex-governador sustentou que jamais alterou a voz nesses momentos. Por outros motivos, ele já tinha ido preso a Curitiba em duas ocasiões, mas ficando pouco tempo por lá. Na época, o chefe da carceragem da PF era Newton Ishii.

— Newton é o japonês da Federal, que havia se aposentado, o seu Newton, que sempre me tratou com muita dignidade e respeito — explicou Cabral.

Ao voltar de Curitiba para o Rio, Cabral não foi para Benfica, onde estava até janeiro, mas para Bangu. Ele reclamou do isolamento a que foi submetido por lá numa "cela precária" e disse não ter dúvida de que foi uma retaliação à decisão do STF que o mandou de volta para o Rio. Reclamou até do trânsito.

— Para Vossa Excelência ter uma ideia, daqui onde nós estamos (o depoimento foi no Tribunal Regional Federal da Segunda Região, no Centro do Rio) até Benfica, com trânsito normal, quinze minutos, vinte minutos. Daqui até Bangu, está em obras a Avenida Brasil, no mínimo uma hora.

'ME ACHEI SEQUESTRADO'

Cabral reclamou ainda da pressa na transferência para Curitiba. O pedido do Ministério Público Federal (MPF) foi em 16 de janeiro de 2018. No dia seguinte, ao meio dia, já havia decisão dos juízes federais Sergio Moro, que toca a Lava-Jato em Curitiba, e Caroline Vieira Figueiredo, substituta de Marcelo Bretas, responsável pelos desdobramento da operação no Rio. Poucas horas depois já estava no aeroporto.

— Eu, sinceramente, me achei sequestrado. A minha sensação era de sequestro — afirmou Cabral.

Também reclamou da sua exposição à imprensa:

— Excelência, o que eu falo à tarde à noite já está no noticiário da televisão.

Moro chegou a intimar a PF esclarecer o uso de algemas em janeiro. A cena foi amplamente filmada e fotografada. Cabral disse nunca ter sido ouvido nessa investigação. Relatou também que, no período em que ficou em Curitiba, prestou depoimento apenas uma vez, e por meio de videoconferência, em razão de um processo que responde no Rio.

Há uma súmula do STF que autoriza algemas em casos de resistência, risco de fuga ou perigo à própria segurança do preso. Segundo a ata da audiência da agente do Depen Ana Clara Moraes Maximino, "esse súmula do STF não vale nada" nos presídios federais e a regra é o uso de algemas. Já o agente da PF Jackson Ribas Bianchini afirmou em seu depoimento que Cabral não foi humilhado. Segundo ele, ao ouvir agressões verbais de populares sem estar algemado, o ex-governador "poderia ficar alterado e correr para o lado errado, atrapalhando a integridade física dele".

SENSAÇÃO DE ESTAR NUMA CAÇADA

Ao responder se já havia sido condenado em algum processo, Cabral respondeu:

— Já há cinco condenações a quase cem anos de prisão.

Depois acrescentou:

— A minha sensação é de uma caçada. Eu, como homem político, não posso deixar de expressar a Vossa Excelência.

No depoimento, Cabral também voltou a dizer que, ao fazer referência aos negócios da família do juiz Marcelo Bretas durante uma audiência, não tinha a intenção de ameaçá-lo. Esse foi o motivo para determinar sua ida no ano passado para um presídio federal. Mas, por decisão de Gilmar Mendes, a medida foi suspensa e essa transferência nunca se concretizou. Somente em janeiro, por supostas regalias na prisão, ele foi para Curitiba, voltando ao Rio em abril.

MPRJ RESPONDE

Em nota, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro se manifestou sobre as acusaçoes de Cabral. Segundo nota do órgão, "na fiscalização ordinária foram constatadas várias irregularidades", que não resultaram em apreensões no momento por conta da agente estar "sozinha sem estrutura de apoio". O Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (GAESP/MPRJ) e a Coordenadoria de Segurança e Inteligencia (CSI/MPRJ) teriam sido acionados e retornado para realizar "nova vistoria, essa, extraordinária, ocasião em que o material foi apreendido".

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O MPRJ também disse que, de acordo com promotora de Justiça Andréa Amin, coordenadora do GAESP/MPRJ, "nenhum dos promotores do MPRJ afirmou que todos os produtos foram apreendidos na cela do ex-governador Sérgio Cabral". Teriam sido "apreendidos na operação vários objetos e alimentos in natura nas celas de todos os que estavam nas galerias C e A e dos presos de nível superior".

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