Mulheres têm fotos e vídeos íntimos vazados na internet após chantagem

Por ano, cerca de 60 capixabas procuram a polícia para denunciar crimes de pornografia de vingança e estupro virtual

Publicado em 23/03/2019 às 01h11
Atualizado em 24/01/2020 às 10h07

Com o avanço do acesso às tecnologias, crimes praticados através da internet tornam-se cada vez mais comuns. E ocorrências de pornografia de vingança e estupro virtual, por exemplo, atingem em especial as mulheres. Por ano, cerca de 60 capixabas procuram a polícia para denunciar esse tipo de violência. No total, 80% das vítimas são do sexo feminino. Mas o número de vítimas pode ser ainda maior, já que muitas delas ainda sentem medo ou vergonha de denunciar.

De acordo com o delegado Brenno Andrade, titular da Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes Cibernéticos (DRCC), a pornografia de vingança – ou revenge porn, em inglês - acontece quando os criminosos conseguem imagens íntimas das vítimas de várias formas: uns hackeiam as redes sociais, há os que têm acesso ao computador ou celular das vítimas, os que conseguem as imagens através de ameaças de morte ou chantagens, e existem ainda aqueles que se envolvem emocionalmente com as vítimas – pessoalmente ou pela internet – e as convencem a enviar as imagens. Depois, eles divulgam as imagens sem o consentimento das vítimas.

“Os acusados podem ser ex-companheiros da vítima, pessoas com quem elas tiveram relacionamentos passageiros ou até mesmo desconhecidos. Depois, por algum motivo, alguma briga, término de relação ou até a negativa da vítima em enviar mais imagens, eles divulgam as fotos e vídeos íntimos na internet”, afirmou o delegado Brenno Andrade.

CHANTAGENS

O crime de pornografia de vingança muitas vezes anda junto com o crime de estupro virtual. Isso porque enquanto o primeiro delito é caracterizado pela ação de divulgar fotos e vídeos íntimos da vítima como forma de retaliação, o estupro virtual acontece em meio a chantagem para o criminoso conseguir mais imagens.

Ele ameaça a vítima de formas diversas e exige que ela envie cenas de nudez ou sexo para saciar seu próprio desejo, muitas vezes fazendo exigências absurdas e cruéis.

CASOS NO ES

No Estado, um empresário de 38 anos responde a processo em liberdade por divulgar fotos íntimas de uma adolescente de 16 anos. Tudo aconteceu em fevereiro deste ano, quando a adolescente enviou as fotos em um motel para uma amiga. O empresário viu as fotos no celular da filha, ficou irritado e compartilhou as fotos no WhatsApp.

Também em fevereiro, uma homem de 55 anos foi preso, durante uma operação da Polícia Civil, suspeito de espalhar fotos íntimas de uma ex-companheira por não aceitar o fim da relação. Ele foi autuado pelo crime de pornografia de vingança.

Já em dezembro, dois jovens foram indiciados pela polícia após divulgarem, na internet, fotos íntimas da ex-namorada de um deles. O caso aconteceu em Santa Maria de Jetibá. Segundo as investigações, os acusados também agiram por vingança.

PUNIÇÃO MAIOR

Por muito tempo a conduta de pornografia de vingança não foi considerado crime sexual pelo Direito Penal brasileiro, sendo punida muitas vezes apenas como difamação ou injúria. Diante de uma nova realidade de delitos da internet, parlamentares mobilizaram-se para uma punição mais efetiva nos casos de crimes sexuais virtuais. Em 24 de setembro de 2018, foi criada a lei 13.718/18.

Apesar de não falar especificamente do termo pornografia de vingança, o Art. 218-C afirma ser crime "oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio - inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática - fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia".

A pena é de um a cinco anos de prisão se o fato não constitui em outro crime. O tempo de reclusão pode ser aumentado de um a dois terços se o crime for praticado por quem mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança e humilhação.

"A pena ainda é curta mediante aos danos que o crime acarreta para as vítimas. Há casos de pessoas que não aguentam e tiram a própria vida, entram em depressão, se automutilam. O poder de divulgação desse conteúdo íntimo é grande e pode chegar a pessoas do outro lado do mundo. Mas tornar crime que cabe prisão já é um avanço. Nosso código penal é de 1940 e antes esse era apenas um crime contra a honra, com pena branda", explicou o delegado.

ANÁLISE

"É essencial que vítimas de pornografia de vingança e estupro virtual busquem acompanhamento psicológico. Existem recursos públicos que podem dar suporte. Esses crimes tem o potencial de acabar com a vida de uma pessoa. Não é só a questão de ser exposta, mas o fato da sociedade inteira criticar a vítima e não o abusador. O machismo é muito doloroso e fica muito óbvio nessa situação porque atinge especialmente a mulher. É difícil continuar com o julgamento de todas as pessoas. Elas perguntam por que a vítima enviou as fotos e não por que o criminoso fez a exposição. Não é tão simples. Por trás disso há violência psicológica, ameaças, abusos. Muitas se automutilam na tentativa desesperada de dar vasão àquele sentimento ruim. É interessante saber que esses casos agora são criminalizados porque tira, aos poucos, esse peso de cima das mulheres e a sociedade vai entendendo aos poucos que esses crimes tem relação com o machismo. A resolução disso, tem base na educação. Precisamos discutir a questão de gênero das escolas. Não "ideologia de gênero" como tentam deturpar, mas explicar as diferenças em ser mulher ou homem para nossa sociedade. Explicar aos meninos que é importante não apenas não bater e matar as mulheres, mas aprenderem a lidar com seus próprios sentimentos e emoções. Os meninos são muito massacrados quando educados. Eles são ensinados a não chorar, a reagir com violência. Temos que trabalhar a regulação emocional. Há quem use argumentos como 'ah, os homens são assim'. Não, eles não são assim. Eles foram ensinados a serem assim".

Tammy Andrade Motta, psicóloga.

PREVENÇÃO

A Polícia Civil orienta a não enviar fotos íntimas. Mas caso envie, que a imagem não mostre o rosto em nenhuma hipótese. É importante também que na foto não haja nada que associe a sua casa, trabalho, tatuagens ou sinais.

Evitar falar com estranhos na internet. Pois aquele perfil de uma pessoa super legal, bonita e gente boa, pode ser administrado por um criminoso disfarçado.

Se receber ameaças ou mensagens com chantagens, procurar a polícia imediatamente, mesmo com medo. Só com a investigação da polícia é possível colocar fim no ciclo de chantagens.

Se pedirem dinheiro, não enviar. Não há nenhuma garantia de que as ameaças terão fim mesmo após ceder.

ONDE DENUNCIAR

As vítimas devem procurar a Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes Cibernéticos (DRCC).

Endereço: Av. Marechal Campos, Nº1246, Bairro Bonfim, Vitória-ES.

Telefone: (27) 3137-2607

Atendimento ao público das 9 horas às 16 horas.

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