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Eles desistiram dos seus empregos por causa da violência

Eles desistiram dos seus empregos por causa da violência

Vítimas de assaltos e furtos, profissionais desistem do trabalho em nome da segurança pessoal

Publicado em 1 de junho de 2019 às 01:58

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Motoboy pede demissão do emprego e vira eletricista. (Isaac Ribeiro)

Vítimas constantes da violência urbana da Grande Vitória, trabalhadores de diversos segmentos estão abandonando o emprego e trocando de profissão para ter mais segurança e qualidade de vida. É o caso de uma atendente de caixa de Vila Velha, de 25 anos, que, em apenas um dia, esteve na mira de bandidos por três vezes na mercearia onde trabalhava. Ela pediu demissão e ainda está em busca de nova oportunidade, mas não se arrepende.

Assim como a jovem, muitos outros se veem neste dilema: trabalhar sem segurança, ou ficar desempregado. Representantes dos taxistas, rodoviários e comerciantes afirmaram que, na maioria das vezes, esses profissionais pedem demissão por causa de assaltos e furtos onde trabalham ou nas vias que dão acesso ao posto funcional.

Dados da Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp) indicam que, de janeiro a abril deste ano, foram registrados 10.581 assaltos, crimes praticados com violência. Do total, foram 6.914 roubos de celular, 2.693 roubos em via pública, 851 roubos de veículos e 123 assaltos a ônibus. Em 2018, no mesmo período, foram 12.185 casos: 7.699 roubos de celular, 2.939 roubos em via pública, 1.359 roubos de veículos e 188 assaltos a ônibus.

Para o diretor do Sindicato dos Taxistas do Espírito Santo (Sinditaxi-ES), Sergio Marinho, a insegurança pública influencia a rotina da categoria. “O motorista sai de casa sem saber o rumo e sem saber se volta para casa vivo. Apesar da crise financeira, muita gente desiste da profissão e dá preferência à própria vida. Muitas vezes, pede demissão sem ter outro emprego garantido e passa meses desempregado", disse o diretor.

PREOCUPAÇÃO

O Sindicato dos Comerciários do Estado do Espírito Santo (Sindicomerciários) informou que os profissionais da área também estão preocupados com os casos de assaltos e arrombamentos registrados em estabelecimentos comerciais. "Vivemos uma rotina de insegurança no comércio. Sabemos que esses casos acontecem e muitos deles assustam o trabalhador que prefere abandonar o posto de trabalho porque cansou de ser vítima. O sindicato trabalha discutindo essa pauta e cobra melhorias", destacou o presidente da entidade, Rodrigo Oliveira Rocha.

O presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários no Espírito Santo (Sindirodoviários), José Carlos Sales, disse que a maioria dos casos envolve funcionários recém-contratados.

“Alguns novatos não se adaptam com o serviço por causa da violência dentro do coletivo ou a caminho do trabalho, pois muitos acordam de madrugada. Existe também o funcionário mais velho de empresa que pede demissão porque está cansado da rotina de violência. O serviço de rodoviário é estressante. As pessoas acabam optando por outra atividade, muitas vezes, por achar que estarão mais seguros. Na verdade, qualquer trabalho oferece risco hoje em dia", avalia.

MOTOBOY VIRA ELETRICISTA 

Um jovem de 24 anos desistiu da profissão de motoboy após trabalhar dois meses na função de entregador de pizza em Vila Velha. Após pedir demissão, o rapaz investiu na profissão de eletricista. No entanto, por causa da crise no mercado de trabalho, ele está desempregado mesmo após a formação técnica.

"No fim do ano passado, fui fazer uma entrega no Morro do Moreno e fui rendido por um bandido armado. Ele desceu do carro e roubou meu celular e o do cliente. Se o ladrão estivesse a pé, também roubaria minha moto. Todo dia roubavam cinco ou seis motos dos meus amigos. Para não ser roubado também, abandonei a profissão", disse.

Ele contou que todos os dias presenciava assaltos nos bairros por onde passava a trabalho. "Tinha comprado a moto recentemente e trabalhava com medo de ser vítima. Me formei em eletricista, mas estou desempregado atualmente. Mesmo assim, não me arrependo da escolha que fiz quando pedi demissão", afirmou o jovem.

PROFESSOR QUER SER ENGENHEIRO

O professor de Matemática Jerffeson Nunes de Morais, de 37 anos, pediu demissão pediu demissão de uma escola estadual da Serra no dia 29 de março deste ano após ter sido ameaçado de morte por um aluno de 14 anos. Em dezembro, ele concluirá a faculdade de Engenharia Civil. Atualmente, ocupa um cargo em uma escola municipal da Serra.

O professor é casado, pai de uma jovem de 19 anos e de um adolescente de 16 anos.

"Eu só desisti da educação. Para mim, escola é um lugar que só cabe a violência e desilusão. Hoje, continuo trabalhando com adolescentes, mas minha rotina na escola é mais segura. No entorno, ainda há violência, mas por dentro, o ambiente escolar é mais seguro", afirmou.

"Enquanto sentimento, depois que pedi exoneração parece que metade do peso que tinha em mim foi embora por ter saído de um local tão insalubre. Financeiramente, foi um baque. Nunca é fácil desistir de um sonho por causa da violência. Mas digo que você não coloca um ponto final, você acrescenta uma vírgula. Estou pegando outra trajetória que inclua mais qualidade de vida. A sala de aula é uma bomba-relógio e a qualquer hora qualquer um pode explodir", desabafa.

Jerffeson é professor há nove anos. Segundo ele, há alguns anos, o que motivava a permanência em sala de aula era o salário e a estabilidade oferecida aos servidores públicos. "No final deste ano não serei mais professor. Eu me formo em engenharia civil e vou trabalhar em qualquer lugar do país. Se não der certo, eu compro um caminhão e vou para a estrada. Trabalhar em sala de aula eu não quero mais não", afirmou.

(Vitor Jubini )

TRÊS ASSALTO EM APENAS UM DIA

Uma atendente de caixa de 25 anos pediu demissão em janeiro deste ano após a mercearia onde ela trabalhava, localizada no bairro Rio Marinho, em Vila Velha, ter sido assaltada cinco vezes em menos de duas semanas. Na semana do Natal do ano passado, o estabelecimento foi assaltado três vezes no mesmo dia. Os bandidos roubaram o celular dela, de outro funcionário e R$ 100. “Na última vez, eu falei com o ladrão que não tinha mais celular porque era o terceiro assalto. Ele achou que eu estava mentindo e encostou o cano da arma no meu nariz e simulou um disparo. Disse que eu estava com sorte dele não atirar e foi embora. Depois daquilo, nunca mais voltei no bairro", relembrou a vítima.

A jovem relatou que, desde o assalto, busca uma nova oportunidade de emprego. Ela trabalhou na mercearia por um ano. Durante esse período, o local foi assaltado oito vezes. Segundo ela, o patrão arrendou o local para outro empresário. A jovem não soube informar o motivo que levou o comerciante a transferir a gestão do estabelecimento.

"Meu marido está sustentando a casa porque desde que saí não consegui trabalho. Na época, ele me apoiou e estamos muito seguros quanto à minha decisão. Mas a crise está feia e não quero ficar sem trabalhar por muito mais tempo. Estou buscando todo dia", afirmou.

Vendedora pede demissão após assaltos. (Issac Ribeiro)

O QUE DIZ A POLÍCIA

Procurado pela reportagem, o titular da Delegacia Especializada de Segurança Patrimonial (DSP), delegado Henrique Vidigal, explicou que além de investigar os crimes ocorridos, também atua na identificação e prisão dos que compram e vendem os produtos roubados ou furtados.

Segundo o delegado, a prisão dos receptadores contribuiu para a diminuição dos casos registrados no primeiro quadrimestre deste ano em comparação ao mesmo período no ano passado.

“A Polícia Civil tem feito muitas operações no sentido de fechar empresas que praticam esse tipo de crime e também para prender pessoas que vendem esses produtos. Constantemente, realizamos operações em conjunto com a Polícia Militar e, além disso, compartilhamos dados para tornar a atuação ainda mais eficaz”, disse.

"É PRECISO FOCO PARA REDUZIR CRIMES”

Essa pessoas que foram vitimadas várias vezes viveram um desgaste. De um lado, é natural que a população acabe deixando de sair à noite para se divertir e não queira certas profissões que influenciem na perda de qualidade de vida. Algumas profissões são particularmente vulneráveis porque elas exigem que o trabalhador lide com um público muito grande, como é o caso do taxista que circula muito, não pode escolher o passageiro e está muito exposto.

O Espírito Santo estava numa situação muito crítica em relação ao homicídio. Isso obrigou o Estado a dar foco ao tema e foi feito um trabalho que vem permitindo uma redução sistemática nos homicídios. E uma redução, além de grande, que já vem se mostrando uma tendência. Percebo que já estão criadas as condições para que seja iniciado um novo trabalho no sentido de reduzir os crimes violentos contra o patrimônio. O importante é sempre ter um foco.

Em segurança pública, os problemas não são resolvidos de uma vez. Não é da noite para o dia, mas se fizer algo semelhante com o que foi empregado nos homicídios, também se faz uma redução bastante grande sem provocar a superlotação carcerária.

A maioria dos crimes contra o patrimônio não chega a ser realmente investigada. De um modo geral, a pessoa rouba muitas vezes. Quando a polícia consegue prender um autor de um crime desse, soluciona vários crimes que já ocorreram porque as pessoas denunciam e isso acaba prevenindo outros crimes que esse indivíduo cometeria.

Henrique Geaquinto Herkenhoff

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Professor do Mestrado em Segurança Pública da UVV

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