Professora e advogada
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1939
2025

Morre Myrthes Bevilacqua, primeira deputada federal do ES

Advogada e professora exerceu papéis de influência no magistério, o que a credenciou entre os eleitores para defender os interesses do Estado no Congresso Nacional

Vitória
Publicado em 12/09/2025 às 13h46

Morreu aos 86 anos, nesta sexta-feira (12), Myrthes Bevilacqua Corradi, a primeira mulher eleita deputada federal no Espírito Santo. Advogada e professora, exerceu papéis de influência na educação capixaba, sendo reconhecida como referência no magistério, o que a credenciou entre os eleitores para atuar no Congresso Nacional defendendo os interesses do Estado.

Em sua memória, o governador Renato Casagrande (PSB) decretou luto oficial de três dias no Estado. "Exemplo de dedicação à educação e à justiça social", disse o chefe do Executivo social sobre ex-deputada.

Myrthes nasceu em Vitória, em 3 de fevereiro de 1939, e foi estudar em Minas Gerais, onde concluiu o ensino médio. De volta ao Espírito Santo, estudou na Escola Normal Pedro II, atual Escola Maria Ortiz, ao lado do Palácio Anchieta, no Centro da Capital. Foi nessa época que começou seu interesse pela política, conforme relatado na dissertação de mestrado "Mulheres na Política: Myrthes Belivácqua e Luzia Alves Toledo no Poder Legislativo", de Leandro da Silva Lunz.

A obra, produzida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em História das Relações Políticas (PPGHIS), da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), relembra que Myrthes iniciou a vida profissional como professora particular, atendendo nas residências da Capital. Depois, passou a substituir professoras em escolas, até ser aprovada em um concurso público e tornar-se efetiva da rede estadual.

Em 1957, ainda aos 18 anos, assumiu um cargo administrativo na Secretaria de Estado de Educação e Cultura, que funcionava no Palácio Anchieta. Sua atuação chamou a atenção do então secretário e ela foi convidada para ser assessora de gabinete da pasta, oportunidade em que desenvolveu relações com representantes políticos da Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales).

Formou-se em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), integrou o Centro Acadêmico do curso, participou da União Democrática Nacional (UDN) feminina e de assembleias estudantis. Durante a graduação, ainda frequentou reuniões políticas do Partido Comunista do Brasil (PCB). Não seguiu a carreira na advocacia, optando por continuar dedicando-se à educação.

Durante a ditadura militar, associou-se à União dos Professores Primários do Espírito Santo (Uppes), diante de uma necessidade que viu de se mobilizar politicamente para defender os direitos da categoria. Foi convidada para assumir o conselho e, logo depois, escolhida para presidente da instituição por dois mandatos, entre 1973 e 1977 e de 1977 a 1981.

Data: 11/08/2011 - ES - Vila Velha - Myrthes Bevilacqua Corradi, professora e ex-deputada federal - Editoria: Política - Foto: Carlos Alberto Silva - GZ
Myrthes Bevilacqua Corradi, professora e ex-deputada federal . Crédito: Carlos Alberto Silva/ Arquivo AG

Uma das marcas de Myrthes era o uso de um lenço no cabelo. Leandro da Silva Lunz explica que a ideia de usar o adereço veio após  tomar a decisão de ser presidente da Uppes, como forma de ser reconhecida pelos professores em todos os municípios capixabas.

A chegada de Myrthes ao movimento trouxe profissionalização ao magistério e fortaleceu a categoria. A avaliação é de Renato Viana Soares, na tese de doutorado "Retrato escrito: a reconstrução da imagem dos professores através da mídia impressa (1945/1995)", apresentada à Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). 

Myrthes era, por vezes, a única liderança feminina que participava das reuniões do magistério capixaba com a Central Única dos Trabalhadores (CUT). Esse trabalho levou à união dos professores em grandes manifestações, sendo reconhecida não só pelos docentes, como também pela classe política do Estado.

Sua atuação no magistério trouxe grande visibilidade no Espírito Santo e a levou para a política partidária. A professora pretendia, a princípio, concorrer como deputada estadual, visando a atender anseios dos colegas docentes, no entanto foi convencida por membros do MDB, entre eles o ex-governador Paulo Hartung, a tentar a cadeira de deputada federal.

Myrthes foi eleita na 47ª legislatura, entre 1983 e 1947, com 46.604 votos. Em Brasília, atuou em comissões e confederações voltadas ao serviço público, educação e trabalho. Durante sua jornada na capital federal, chegou a ocupar a vice-presidência dessas entidades.

Em entrevista ao pesquisador Leandro da Silva Lunz, ela relatou que alcançar a presidência naquele cenário era difícil, uma vez que os homens excluíam as parlamentares das discussões, em um cenário no qual sequer existiam banheiros para as mulheres na Casa de Leis.

Myrthes Bevilacqua Corradi

Advogada, professora e ex-deputada federal

"Os companheiros se reuniam e vinham falar para gente o que a gente tinha que votar. Nós não podíamos participar das discussões, porque nós não podíamos entrar no banheiro masculino e muito provavelmente era no banheiro masculino que se resolviam os votos e, olha bem, não existia banheiro para as mulheres. Não existia. Eu falo isso para ver como era difícil ser deputada.
Data: 12/08/2011 - Myrthes Bevilacqua Corradi e Max Mauro, deputado federal - Editoria: Política - Foto: Gildo Loyola/Neg. 9974 - Jornal A Gazeta
Myrthes Bevilacqua Corradi e Max Mauro, deputado federal. Crédito: Gildo Loyola/ Arquivo AG

Leandro relembra em sua dissertação que Myrthes atendeu a um pedido do ex-governador Max Mauro e aos interesses do partido e prejudicou a sua tentativa de reeleição, pelo fato de não se dedicar totalmente à campanha, em troca da oferta da Secretaria de Educação após as eleições.

A estratégia possibilitou que Vasco Alves fosse o candidato do partido, sendo consequentemente eleito. Após as eleições,  derrotada nas urnas com pouco mais de quinze mil votos, foi convidada por Max para o cargo de secretária estadual de Ação Social, pasta em que atuou por apenas um ano. Em 2010, recebeu o convite de Rita Camata para ser sua 3ª suplente ao Senado, mas não alcançaram sucesso.

Myrthes deixa três filhos. Ainda não há informações sobre o sepultamento.

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