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'Se eu contar vai ser pecado', disse Kauã para professora

"Se eu contar vai ser pecado", disse Kauã para professora

Relato foi feito por Kauã à professora. Ele e o irmão mudaram o comportamento na escola. Servidores podem ser investigados

Publicado em 22 de junho de 2018 às 02:34

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George Alves com o filho Joaquim, 3 anos, e o enteado Kauã, de 6 anos | O rosto de um jovem ao fundo da imagem e a marca do sorvete foram borrados a pedido de um dos sócios da sorveteria. (Facebook | @GeorgeAlvesHair)

“Eu não posso contar. Se eu contar, vou estar falando mentira, e isso não pode, porque é pecado.” Essas foram as palavras de Kauã Salles Butkovsky, 6, para a professora Gilmara Magescky, quando ela o questionou sobre a mudança de comportamento. Gilmara, que deu aula para ele em 2017, contou que Kauã, no final do ano, apresentou um quadro de tristeza, dizendo que não queria ir para a escola.

“Ele abraçava a mãe e dizia que só queria ficar com ela. Kauã era um menino inteligente. Já lia e escrevia, mas não estava tão entusiasmado e não queria fazer as atividades. A mãe disse que não estava acontecendo nada.”

A professora questionou a criança sobre o que estaria ocorrendo, mas ele disse que não poderia contar. “Os pais foram chamados na escola e disseram que estava tudo tranquilo e não sabiam porque ele estava falando aquilo. Depois da conversa com os pais, ele logo voltou normal”, disse.

A mudança de comportamento da criança é citada pelo juiz André Dadalto, da 1ª Vara Criminal de Linhares, em sua decisão de denunciar a pastora Juliana Salles, 27, como uma das responsáveis pelas mortes dos filhos Kauã e Joaquim Alves, 3, assim como o seu marido, Georgeval Alves Gonçalves, 36, conhecido como pastor George. “A vítima Kauã em certas ocasiões chorava desesperadamente, mas alegava aos professores que não podia relatar a motivação”, afirma trecho da decisão.

“Joaquim, também na escola, relatava que sofria abusos sexuais, quando então os acusados lá compareceram no estabelecimento de ensino afirmando que os abusos não eram praticados no âmbito doméstico e familiar”, destaca outro trecho.

RELATO À DIRETORA

À reportagem, Jonizete Morello de Paula, diretora da escola municipal onde os irmãos estudaram até o ano passado, em Linhares, disse que chamou Juliana e George após um dos meninos relatar um suposto abuso, em setembro de 2017.

“O Joaquim disse para a professora, e depois para mim, que alguém da escola havia mexido no ‘pipi’ dele. Falou que era um menino grande que tinha feito isso, mas na escola não tem gente grande. Os maiores têm cinco anos e nós tínhamos somente mulheres. A referência que ele dizia, era de uma figura masculina. Joaquim mencionou um nome, que era comum de várias crianças na creche também, e chamei os pais para uma reunião”, disse.

A diretora contou que questionou George se na família havia alguém com o nome dito pela criança. “Os pais disseram que não. George disse que era impossível um fato desses acontecer no ambiente familiar, pois a família dele era exemplar, perfeita, com momentos de ensinamentos da Bíblia. Disseram que procurariam uma psicóloga da igreja deles, para conversarem sobre o fato relatado por Joaquim. Registrei tudo em ata.”

Questionada se após essa reclamação Joaquim chegou a relatar outras vezes que poderia estar sendo abusado, Jonizete respondeu: “Nunca mais.”

A professora Keila Augusto Ferreira Agrizzi, que deu aula para Joaquim por um ano e seis meses, contou que a criança tinha crises de choro. “Ele dizia que queria ficar com a mãe. Já dei banho algumas vezes nele na escola junto com a cuidadora, quando ele se sujava muito, e nunca percebi marcas de agressão”, disse.

TÚNICA BRANCA

Questionada sobre o comportamento dos pais, a professora disse que eles pareciam ser um “casal normal”, mas estranhava quando George aparecia na escola de cabeça raspada, descalço e de túnica branca para buscar os filhos.

“Uma hora estava todo arrumado, parecendo um playboy. Mas, às vezes, o George aparecia de túnica branca, cabelo raspado e descalço. Nunca questionei por respeito à religião. Sempre que raspava a cabeça, ele usava a túnica. Era tipo uma penitência e um voto de pobreza. Lembro que a Juliana raspou a cabeça uma vez, depois que a filha morreu.”

INVESTIGAÇÃO

Na quinta-feira (21), a Prefeitura de Linhares informou que abrirá procedimento administrativo para apurar os relatos das crianças e sinalizou que o resultado das investigações pode culminar com a exoneração de servidores. A prefeitura não disse quais procedimentos a escola adotou após tomar conhecimento dos relatos dos meninos.

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A reportagem perguntou se o caso foi levado ao conhecimento da secretaria Municipal de Educação, da Polícia Civil e do Conselho Tutelar, e se a conduta dos servidores da escola foi condizente com as diretrizes estabelecidas pela município. Nada foi respondido. “O município vai buscar acesso ao inquérito policial, que estava em segredo de Justiça, para tomar as medidas cabíveis. Quanto à eventual questão criminal por omissão cabe ao Ministério Público ou ao órgão competente”, destacou a prefeitura, por nota.

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