No dia 10 de setembro de 2017, um grave acidente tirou a vida de 11 pessoas na BR 101, em Mimoso do Sul, no Sul do Estado. Famílias choraram pela perda de entes queridos e, um ano depois, a dor do luto continua presente. Enquanto isso, os dois acusados de homicídio pelo acidente, dono e motorista da carreta que transportava pedras de granito, respondem o processo em liberdade. O motorista teve a carteira suspensa.
O acidente ocorreu no Km 450 da BR 101. O caminhão com chapas de granito seguia de Vitória para o Rio de Janeiro e perdeu o controle quando passava por um outro automóvel, derrubando todo o granito na pista. Em seguida, colidiu contra a lateral do micro-ônibus que, desgovernado, invadiu a contramão e bateu contra uma carreta que transportava cervejas. Ambos pegaram fogo. O Ford Ka, que seguia atrás do micro-ônibus, colidiu com os pedaços de granito espalhados na via.
Dos 20 ocupantes do micro-ônibus, 11 morreram. Nele estavam familiares e dançarinos do Grupo Folclórico Bergfreunde de Campinho, com idades entre 17 e 42 anos. Eles voltavam de uma festa alemã em Juiz de Fora, Minas Gerais,e seguiam para Domingos Martins.
Natalia Herbst, coordenadora do grupo de dança
É grande a sensação de impunidade. Ele matou 11 pessoas e continua solto. Queremos justiça
Durante o ano que se passou, famílias das vítimas e sobreviventes lutam por justiça. A coordenadora de dança do Grupo Folclórico Bergfreunde de Campinho, Natalia Herbst, de 34 anos (foto acima), é uma das sobreviventes. Ela explica que vive diante de dois sentimentos opostos: felicidade por estar vida e tristeza por ter perdido pessoas queridas.
“A sensação de impunidade é grande, ele matou 11 pessoas e parece que a justiça não foi feita, ele continua solto. Às vezes me pergunto por que não ficamos mais tempo no hotel? Por que não atrasamos a viagem? Infelizmente não tem como voltar no tempo, mas as lembranças ficam. Às vezes choro no chuveiro, ao deitar ou falar sobre o assunto, mas preciso continuar com as atividades do grupo”, desabafa.
Questionada sobre a indenização, ela disse que ainda não recebeu. “Além disso, eu ainda não recebi nada da seguradora, perdi notebook, celular, HD externo, máquina fotográfica, como eu sou coordenadora, carrego os materiais para registro do grupo.”
RESPONSABILIDADE
O motorista do caminhão, que transportava placas de granito, Wesley Rainha Cardoso, 29, e o proprietário do veículo, Marcelo José de Souza, 38, foram denunciados pelo Ministério Público Estadual como os responsáveis pelo acidente em outubro de 2017.
No entendimento do MPES, o motorista assumiu o risco de matar por não ter o curso obrigatório para o manejo de pedras, velocidade alta, amarração em desacordo com a resolução do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) e peso da carga acima do permitido.
Já o dono da carreta foi denunciado pela conduta omissiva quanto a contratação do motorista sem curso, pelo caminhão não ter certificação para o transporte de carga, por não ter conferido a amarração das pedras e por um dos pneus estar desgastado.
Wesley foi denunciado por 11 homicídios dolosos e por nove tentativas de homicídio doloso. Já Marcelo por 11 homicídios culposos e nove lesões corporais culposas.
A denúncia foi aceita pelo juiz substituto João Carlos Lobato Fraga, da 2° Vara Criminal de Mimoso do Sul, em novembro do ano passado. O juiz, porém, negou o pedido de prisão preventiva contra os dois feita pela Polícia Civil após conclusão do inquérito. O magistrado apenas suspendeu a carteira de habilitação de Wesley.
“Entendo que o comportamento do primeiro acusado na direção de veículo automotor representa risco para a comunidade, sendo justificável, cautelarmente, a suspensão da sua Carteira Nacional de Habilitação”, diz em decisão.
O processo está em fase de audiências, em que os réus, testemunhas, de defesa e de acusação, prestam depoimento. A maioria das testemunhas residem em outro município e, por essa razão, estão sendo ouvidas por meio de cartas precatórias.
RÉU NÃO SE MANIFESTA
O proprietário do caminhão, Marcelo José de Souza, foi procurado pela reportagem do Gazeta Online, mas informou que não iria se pronunciar sobre o caso. “Eu só vou me manifestar judicialmente, como tenho feito”, disse. O advogado que faz a defesa do dono do caminhão também foi procurado, mas não foi encontrado para comentar o assunto. Já o motorista Wesley Rainha Cardoso não foi encontrado pela reportagem.
SEM CURSO
O motorista Wesley Rainha Cardoso, 29, informou que foi o responsável pela amarração das chapas de granito no caminhão em depoimento à Polícia Civil.
O relato também foi confirmado por ele em audiência na 1° Vara Criminal, na Comarca de Cachoeiro de Itapemirim, no dia 27 de agosto deste ano. O Gazeta Online teve acesso exclusivo aos depoimentos de Wesley e do dono do caminhão Marcelo José de Souza.
Wesley Cardoso Motorista do caminhão
O caminhoneiro aprende na prática (amarração). Eu não fiz nenhum curso porque nunca foi exigido
A carga tinha um total de 43 chapas de granito, que foram transportadas na vertical. Wesley disse em depoimento que aprendeu a amarrar na prática e não tinha nenhum curso para isso. “O caminhoneiro aprende na prática (amarração). O Ministério dos Transportes e o sindicato nunca deram respaldo. Eu aprendi na prática e assim trabalhava. Eu não fiz nenhum curso porque nunca foi exigido. O curso é para carga indivisível”, afirmou.
O motorista disse ainda que trabalha há três anos com transporte de carga, mas para Marcelo, dono do caminhão, fazia o serviço há 10 meses. Já Marcelo disse que a carga seria destinada para o município de Caieira, São Paulo, e confirmou que o motorista não tinha curso. “O Wesley não chegou a fazer curso de carga indivisível, ele é feito para quem transporta blocos e bobina.”
ENTREVISTA
“Eu não consegui me desfazer das coisas do meu filho”
Mãe de Pedro Lucas Saar Dias, 16, Anelize Saar, falou ao Gazeta Online sobre a dor de perder o filho. Ela contou sobre o luto que ainda vive e como foi voltar à rotina. Em meio às lágrimas, ela lembrou dos sonhos que o filho ainda tinha e que foram interrompidos. Ele foi uma das vítimas do acidente.
Como você soube do acidente?
Eu fiquei sabendo por uma das mães, a filha dela conseguiu sobreviver e avisou. Fomos direto para a Santa Casa, em Cachoeiro de Itapemirim. No local, minha funcionária e eu ouvimos da assistente social que ele não tinha saído do local do acidente.
Qual o sentimento de perder o filho de forma trágica?
São dois sentimentos: a dor de mãe por ter perdido o filho e o sentimento de angústia por saber que o acidente poderia ter sido evitado, caso houvesse fiscalização e o motorista possuísse curso para carregar as pedras, por exemplo.
Como está sendo lidar com a dor?
Infelizmente não tem nem como dizer, a dor da saudade é inexplicável. Dói saber que nunca mais vou ouvir e falar com ele e nunca mais vou sentir o seu abraço. A dor da perda não se explica. Hoje vejo fotos e vídeos e dói muito.
Sua rotina mudou?
Eu precisei voltar à rotina. Busco focar no trabalho no restaurante e me dedico a minha filha de 6 anos. Ficar ao lado das pessoas o tempo todo ajuda a me distrair. Passei a fazer acompanhamento psicológico desde a morte dele.
O que você fez com as coisas do seu filho?
O luto é muito individual, cada mãe tem o seu jeito de enfrentá-lo. Eu não consegui desfazer das coisas do meu filho. Eu precisei mudar de casa neste meio tempo, mas as roupas e objetos ficam todos dentro de uma mala ao lado de minha cama. Está tudo guardado.
Você recebeu alguma indenização?
Não. Eu quero principalmente justiça. Que as pessoas responsáveis paguem pelo que fizeram, até hoje não sei quem é o motorista da carreta.
Qual a lembrança que você carrega?
Uma lembrança que vem em minha memória é a última foto que tiramos juntos e coloquei em minha proteção de tela do computador. Estávamos no Centro de Domingos Martins e adorávamos sair para tomar açaí.
Como será o futuro?
Você trabalha pensando no futuro dos filhos, fiquei perdida quando ele faleceu. O que vou fazer? Sempre que vejo os amigos fico pensando que ele poderia estar junto. Sempre vou me perguntar como ele estaria. Ele tinha o sonho de ser modelo e estava programando viajar com a turma.
HONRAR A MEMÓRIA
Os passageiros do micro-ônibus que pegou fogo após bater de frente com um caminhão de bebidas na BR 101, em Mimoso do Sul, eram integrantes do Grupo Folclórico Bergfreunde de Campinho, de Domingos Martins. Mesmo com a dor da perda dos integrantes, o grupo permaneceu realizando apresentações pelo país. Para eles, é uma forma de manter viva a memória das vítimas.
“O que o grupo tem feito para lidar com essa perda é continuar dançando, continuando um trabalho que eles desenvolviam com tanto amor e carinho. Todo nosso esforço tem sido para honrar a memória e o legado deles. Eles são o que nos motivam a continuar”, afirma a integrante do Grupo Folclórico Bergfreunde, Susana Kohler.
Ela conta que atualmente 30 pessoas fazem parte do grupo, na época do acidente eram 19 pessoas. Oito dos sobreviventes permanecem nele. Susana espera que a justiça seja feita.
“O marco de um ano é sempre um momento difícil para quem perde um ente querido e o Bergfreunde é uma família. A saudade só aumenta, assim como as lembranças. A gente espera que a Justiça consiga punir os responsáveis pelo acidente conforme determina a lei. A gente também gostaria de estradas melhores e mais seguras e também motoristas mais conscientes para evitarmos novas tragédias como esta com quem quer que seja”, finaliza Susana.
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Moradores de Domingos Martins fizeram uma caminhada na tarde deste domingo (09) em memória às vítimas do acidente. A Caminhada por Justiça e Paz no Trânsito reuniu amigos e familiares das vítimas. Membros do grupo de dança participaram com trajes típicos.
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