José Antônio Marengo
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" Os extremos estão mais altos e o risco de desastre natural está cada vez maior"

Pesquisador alerta para a frequência dos chamados eventos extremos e como a população e o poder público precisam se preparar

José Antônio Marengo
Publicado em 08/03/2020 às 16h08
Atualizado em 08/03/2020 às 16h08

Considerado um dos maiores pesquisadores do mundo, o meteorologista e coordenador-geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), José Antônio Marengo, alerta que o risco dos desastres naturais está cada vez mais alto. Isso porque os eventos extremos, como grande quantidade de chuva em pouco tempo, seca e furacões estão ocorrendo com mais frequência e passaram a ser o “novo normal”, segundo ele mesmo descreve.

Marengo diz que os eventos extremos triplicaram, inclusive em Vitória. Ele dá o exemplo de que na década de 60 a 80 ocorreram 16 eventos com muita chuva no curto período de 24 horas enquanto que entre 2000 e 2020 foram 38. “Uma interação da ciência, que fornece o conhecimento, com os tomadores de decisão, deve acontecer para começar a elaboração de planos de adaptação e gerenciamento urbanos porque senão teremos pessoas mortas todos os anos, como aconteceu no Espírito Santo, em São Paulo e Minas Gerais”, alerta o especialista.

O que pode ser considerado chuva extrema?

A definição de chuva extrema depende muito dos impactos, geralmente se considera chuvas acima de 80 milímetros (mm), 100mm num período de 24 horas, como uma definição de chuva extrema. Mas isso é relativo porque chuva extrema é aquela que produz um impacto na população, pode haver área com 50 mm em 24 horas de chuva, valor suficiente para o solo ficar encharcado e ocorrer deslizamento, enxurrada. Mas em outros locais com 100 mm no dia de chuva poderá não ter impacto porque não tem gente no local.

Chover muito em pouco tempo é caracterizado como chuva extrema?

Geralmente a chuva extrema é mais intensa e mais abundante em poucas horas. Porque você pode ter 200mm de chuva no mês, mas isso é considerado regular. No entanto, se dessa quantidade 180mm cair em 3 horas numa pequena área seria uma chuva muito intensa e poderia ser extrema.

Em São Paulo foi realizado um estudo mostrando que aumentaram as chuvas extremas. Isso se reflete no Espírito Santo?

Imagina que eu defina a chuva extrema como sendo de 80mm em 24 horas. No estudo realizado num período de 70 anos em São Paulo foi observado que esses eventos extremos triplicaram. Em Vitória aconteceram 16 eventos com chuva de 80mm em 24 horas na década de 60 a 80, mas entre 2000 e 2020 foram 38. Observa-se que esse número de eventos pouco frequentes estão passando a ser mais frequentes. Os dados de Vitória foram obtidos através de uma análise dos dados do Instituto Nacional de Meteorologia, mas o mesmo tem se observado em São Paulo e em Belo Horizonte. 

Quais são as consequências?

O que afeta a população é o desastre natural, ou seja, ter uma chuva intensa combinada com pessoas morando em áreas de risco, onde pode haver deslizamento, enchente, enxurrada e, consequentemente, mortes.

No Estado tivemos chuvas extremas e também passamos por períodos de seca. Tanto as chuvas extremas quanto o período de seca tendem a aumentar?

Quando a gente fala de algo extremo pode ser chuva abundante ou falta total de chuva, a seca. Temos que observar que em regiões como na Amazônia tivemos seca em 2005, 2010 e 2016 e também anos de enchente em 2009, 2012 e 2014. No Brasil, podemos falar de seca e inundações como eventos extremos, essa alternância é justamente uma das coisas que temos observado. Estamos chamando esses eventos do “novo normal”, que eram raros e passaram a ser mais frequentes.

Como a gente conseguiria reduzir os riscos dos desastres naturais?

Primeiro, para reduzir o risco tem que admitir que existe. O Cemaden emite alertas de risco e passa para a Defesa Civil, que tem o papel de ir às casas evacuar onde há risco. O problema, muitas vezes, é que a Defesa Civil tira as pessoas e elas voltam depois, algumas morrem por causa do deslizamento, da enxurrada. Admitindo o risco e sabendo que, em determinada área sempre morrem pessoas não se deve construir nesses locais. Precisamos de um planejamento urbano melhor, muitas vezes as estruturas hidráulicas, galerias pluviais, piscinões foram feitos considerando um volume de chuva com base no que caía nos anos 60, 70, mas está chovendo muito mais, as galerias não suportam tanta água. É necessário também que as pessoas não joguem lixo na rua para não entupir bueiros, além de tentar manter áreas com vegetação para absorver a água da chuva. Quando há asfalto e concreto, a água acumula como numa piscina porque são materiais que não conseguem absorvê-la.

A forma como as cidades foram construídas influencia?

Em certa forma, sim. Muitas vezes as cidades foram construídas copiando a Europa, mas São Paulo não é Paris, não chove tanto em Paris. A capital paulista é construído sobre áreas de córregos e não se pensou que em algum momento a chuva irá aumentar, como já aumentou. A forma da construção e a situação das galerias pluviais pioram o cenário.

O poder público está preparado para essa situação?

Acredito que o Brasil é um país bem reativo e não preventivo. Antes da criação do Cemaden quando se falava em desastre natural era abordado o número de mortes e a Defesa Civil fornecia cesta básica, água. Agora temos uma cultura de previsão de risco, então com isso é possível reduzir o número de mortes. É necessário colocar o tema desastre natural na agenda ambiental e na cultura das pessoas. Os desastres acontecem, não podemos lutar contra a natureza, temos que nos adaptar, se deseja construir uma casa é preciso analisar se tem um rio perto, um morro. A chuva cai sempre, mas, se as cidades não estão preparadas, ela pode ser mortal.

Alguma coisa já está sendo feita?

Muitas cidades de grande porte já começaram a elaborar planos de adaptação às mudanças climáticas. Em Santos, a prefeitura criou o plano em relação ao nível do mar. Estão trabalhando com a comunidade científica e com a população, colocando algumas obras de engenharia para reduzir o impacto, por exemplo, da ressaca. O poder público deve reagir antes que o desastre aconteça.

O que está relacionado aos extremos?

Uma coisa que a comunidade científica nacional e internacional tem observado é que nos Estados Unidos, Europa, ondas de calor e de frio têm ficado mais intensas, assim como em países tropicais ciclones e furacões estão mais intensos, isso não ocorre somente com a chuva. Existe uma correlação alta entre os extremos meteorológicos e o aquecimento global, caracterizado pelo aumento da temperatura em todo o mundo. Esse aquecimento é um processo natural a longo prazo, mas está sendo piorado e intensificado com a queima do combustível fóssil e desmatamento, por exemplo.

Como os eventos extremos estão relacionados ao aquecimento global?

Se a temperatura aumenta, muda tudo. O aumento da temperatura significa mudar toda a meteorologia, não fica somente mais quente, fica mais chuvoso, tem mais vento, mais seca.

Há o que fazer por parte da população?

O acordo de Paris estabelecia que todos os países do mundo deveriam reduzir sua emissão de gases de efeito estufa que provocam o aquecimento global. Mas os EUA e outros países largaram o acordo. Se um país, que é o maior poluidor, deixa o acordo ele não tem validade. É como se você parasse de usar o carro e as outras pessoas continuassem. Tem que ser todos. É importante que a população aceite que a temperatura está mudando, os extremos estão mais altos e o risco de desastre está cada vez mais alto. Isso tem que ser visto dentro das escolas porque os alunos de agora serão adultos do futuro. Isso pode ajudá-los a serem mais exigentes, evitando morar em áreas de risco, mudar o estilo de vida. Vai chegar um momento que o aquecimento global vai ser tão intenso que a gente pode não conseguir se adaptar e seria o nosso fim, praticamente. Precisamos melhorar a parte urbana, que é algo que começa em casa. A população pode começar a ser racional no consumo de água, além de não jogar lixo na rua porque vai entupir bueiros e aumentar enchentes. A população está sendo afetada e as áreas de risco estão sendo invadidas, a ocupação não deve ser permitida.

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