Café Lindenberg, diretor-geral da Rede Gazeta
Café Lindenberg, diretor-geral da Rede Gazeta
Café Lindenberg

“Fizemos os movimentos certos a favor do jornalismo”

Para o diretor-geral da Rede Gazeta, momento de transformação é "a garantia de que A Gazeta viverá mais"

Café Lindenberg, diretor-geral da Rede Gazeta
Vitória
Publicado em 05/10/2019 às 10h49
Atualizado em 05/10/2019 às 10h49

Há 18 anos no comando da Rede Gazeta, Café Lindenberg acaba de atravessar um dos momentos mais importantes da história da empresa, que completou no mês passado 91 anos. A transformação digital de A Gazeta, que desde a última segunda-feira deixou de circular diariamente na versão impressa para se tornar um site e este jornal de fim de semana, cujo primeiro exemplar chega às mãos dos leitores hoje, é, nas palavras do próprio diretor-geral, “um reflexo dos novos tempos” e “a garantia de que A Gazeta viverá mais 20, 30, 40 anos ou até mais”.

Na entrevista a seguir, Café conta um pouco dos bastidores da decisão e demonstra estar ciente que, para que a transformação digital se consolide, será preciso tempo e reforço dos valores jornalísticos que a empresa sempre cultuou. Confira:

Em que momento houve o “clique” de que A Gazeta precisava passar pelo processo de transformação digital?

Na verdade não houve um clique. Vínhamos acompanhando a situação dos jornais impressos ao longo do tempo, ou, na verdade, da indústria jornalística, que já não se resume a jornais impressos há muito tempo, embora para a maioria das empresas o impresso ainda tenha um papel de formação e reputação muito forte. Desde que os classificados começaram a minguar e, depois, a publicidade veio paulatinamente diminuindo, ao passo em que as assinaturas também iam perdendo ritmo, sabíamos que haveria um momento de ruptura. Mas esse momento não é igual para todas as empresas. No nosso caso, esta situação se agravou depois da década de 10. Em meados de 2014, 2015, com a crise no Brasil se agravando, esse processo de degradação do negócio acelerou.

Isso chegou a comprometer a estabilidade financeira da Rede Gazeta?

Não, mas uma empresa jornalística precisa de pilares muito sólidos em termos de economia. É preciso dar resultados para você não ficar preso a compromissos com governos ou anunciantes. Sua credibilidade depende da saúde econômica do negócio. Isso vinha sendo corroído com a aceleração da crise no país. Então, quando começamos a elaborar o projeto G2020 (que uniu as áreas comerciais da Rede Gazeta em um só núcleo), de uma forma já pensávamos em trazer o jornal impresso para perto das outras mídias e dar viabilidade mais longa a ele. Mas a crise continuou e, quando chegamos ao começo de 2017, concluímos que precisávamos fazer este movimento de transformação antes que não tivéssemos mais condições de fazê-lo.

Mas esta decisão pressupôs riscos, não?!

A gente considerou vários aspectos. Um deles, e que era negativo na visão da época, foi o fato de ser um movimento pioneiro, que poderia deixar muito vulnerável nossa reputação. Colocamos isso em discussão no Conselho de Administração no começo de 2017 e, já neste momento, definimos algumas diretrizes. A primeira é que seria um projeto de longo prazo, nada açodado. Criamos um grupo de trabalho, começamos a estudar como desativaríamos o jornal impresso e tivemos sinal verde para tratar o tema. Eu e Marcello Moraes (diretor de Negócios) organizamos os primeiros passos, formamos os grupos de trabalho e fomos agregando elementos, junto com nosso escritório de projetos. Fizemos muitas conversas, trouxemos, aos poucos, mais diretores para o grupo e ele começou a trabalhar com uma agenda de projeto, com várias frentes.

Quando decidiram manter A Gazeta com este novo formato de produto impresso para o final de semana?

Esta foi uma decisão muito importante. Muitas pessoas com as quais conversamos mencionaram que seria bom mantermos este jornal enquanto houver viabilidade porque ele tem um público importante, tem papel ultraimportante para a nossa reputação. Tomada a decisão, as etapas foram caminhando por mais um ano e meio, até o dia 31 de julho, quando fizemos o anúncio do projeto. E neste sábado fazermos a última etapa de entrega dessa transformação, com a chegada da nova Gazeta impressa.

Qual foi o momento mais crítico?

A decisão de propor tudo isso ao conselho, e foi uma decisão solitária, foi o ponto mais crítico para mim. Vivi solitariamente este problema durante algum tempo, até que o compartilhei com o Marcello Moraes e começamos a dividir as decisões. Tomar a decisão e transformá-la numa ação foi um ponto crucial e crítico. Outro ponto foi a organização dos trabalhos, porque uma das nossas certezas era a confidencialidade do projeto, o sigilo. O sucesso da comunicação deste projeto era muito importante para o sucesso do projeto, e o maior risco era o vazamento da informação. Então, o mês de julho e as semanas anteriores ao anúncio (31 de julho) foram bastante tensos.

Você acredita que o novo site de A Gazeta vai conseguir manter o peso editorial e a relevância que o jornal construiu em 91 anos?

Acho que sim, mas não acho que é algo automático, tampouco a partir de segunda-feira passada, quando lançamos o site. O jornal impresso, em essência, ganhou sofisticação ao longo das décadas mas sempre foi a mesma coisa: tinha o impacto de, pela manhã, permitir que o leitor se sentasse e absorvesse o impacto das notícias. Essa é a história de 300 anos de imprensa. Mas na internet os hábitos são completamente diferentes, e a internet no Brasil tem só 30 anos. Na internet não existe a história de se sentar pela manhã e ler o jornal; você acessa o site diversas vezes por dia, o noticiário é mais pulverizado. O leitor sofre um bombardeio de notícias de diversas frentes. O veículo digital tem que reconquistar espaço. Mas, por outro lado, temos mais ferramentas e oportunidades de entregar conteúdo. Estamos no meio da transição e acredito que o produto jornalístico digital vai conquistar seu espaço. Com o tempo, vamos conseguir provar ao leitor que a mesma consistência editorial e o mesmo respeito que nos foi dado em 91 anos estará também balizando o site. Quando o leitor captar que a empresa é a mesma e que nossos valores não mudaram, acredito que acontecerá essa migração de confiança e relevância do impresso para o digital. Mas, repito, não é um processo automático.

Essa questão de não mexer com a essência de A Gazeta, aliás, tem sido algo muito repetido nas suas falas e também na do seu pai, Cariê…

Com certeza. Acredito que o jornalismo raiz, que é o que nós fazemos, que é um jornalismo sem interesses políticos nem com outro negócio grande que o sustente, tem fundamentos que são essenciais para que as pessoas que trabalham conosco se orientem. É por isso que atraímos bons jornalistas. A gente escreve e assina embaixo, a gente sempre defende os princípios do bom jornalismo. Vamos continuar fazendo matérias que incomodam, matérias que inspiram. Sem um bom jornalismo você não fideliza os leitores. E eu acho que A Gazeta é respeitada até mesmo por leitores que não são assíduos. Temos o desafio de manter isso e, se conseguirmos, vamos conseguir replicar a reputação que construímos até hoje.

Promover essa transformação em meio a um ambiente onde a imprensa profissional é tão alvo de ataques e tentativas de desmoralização parece tornar o processo mais desafiador, não? Como você está vendo tudo isso?

Este é um processo complexo, bastante complexo. E se agravou depois de Donald Trump assumir o governo dos EUA. Foi ele quem criou o termo “fake news” e passou a chamar notícias incômodas de notícias mentirosas. Agora isso está sendo repetido no Brasil. A indústria jornalística, como um todo, menosprezou o potencial destrutivo disso. Mas hoje todos nós sabemos que jornalismo se constrói com credibilidade. O grande desafio é que nós próprios é que temos que nos defender desses ataques, mas falar de nós não produz efeitos tão grandes naquela parcela cética da população. Mas parece haver consenso entre os jornais, hoje, de que devemos falar mais de nós mesmos, de como o jornalismo é feito, de como apuramos e checamos as informações. Nesse ambiente nebuloso, isso já não é tão claro para algumas pessoas. Por isso estamos tentando explicar mais nossos métodos de apuração para desarmar a armadilha que é taxar notícias incômodas de mentirosas.

Café Lindenberg

diretor-geral

"Vamos continuar fazendo matérias que incomodam, matérias que inspiram. Sem um bom jornalismo você não fideliza os leitores."

A transformação digital vai chegar a outros veículos da Rede Gazeta?

Nós fomos induzidos a fazer a transformação em consequência da mudança de hábitos do leitor. No nosso último dia de circulação diária, domingo passado (29 de setembro), tivemos uma tiragem de 14 mil exemplares. Enquanto isso, na média diária, nosso site tem 180 mil leitores únicos. Isso também está influenciando outros veículos. Os serviços de vídeo on demand, como Netflix, Net Now, Globoplay influenciam a forma como as pessoas assistem TV, assim como os aplicativos de áudio mexem com o consumo de música e notícias nas rádios. A transformação está chegando para as rádios e para a televisão, vide Globoplay, que lança novelas e séries na plataforma digital. Mas como os modelos de negócio são um pouco diferentes, talvez tenhamos mais tempo para preparar essa transformação para a TV. Mas que a transformação digital vai atingir a todos, vai. E de forma cada vez mais acelerada.

Que lições a transformação digital deixou para a Rede Gazeta, como legado?

Nesses quatro ou cinco últimos anos nossos processos de transformação foram muito acelerados. Principalmente com este último projeto, aprendemos a monitorar movimentos e a reagir com rapidez às mudanças. Aprendemos a nos reposicionar. O aprendizado principal não é o novo site ou o jornal de fim de semana. Foi nossa capacidade de navegar neste mundo que muda a cada momento e de entender as mudanças que atingem nossos negócios de forma segura.

Qual a sensação que fica de toda essa transformação?

Particularmente tive uma sensação de frustração ao ver o fechamento do Parque Gráfico, inaugurado há apenas 20 anos. Quando o inauguramos, o projetamos para uma ampliação. É triste ver uma máquina em perfeitas condições e profissionais tão preparados serem desligados. Isso me tocou muito. Como uma coisa pôde ficar obsoleta tão rápido? Isso foi muito impactante para mim. Mas, por outro lado, sempre tivemos em mente que esse projeto não é o fim de uma empresa, não entregamos os pontos. Este projeto é uma renovação para a Rede Gazeta. Uma empresa como a nossa tem, obrigatoriamente, que passar por transformações. Quando inauguramos a TV Gazeta, não entendíamos nada, não dominávamos a tecnologia. Na concepção do meu pai, em 1976, conseguir a concessão da TV era uma forma de preservar o jornal, e olha só onde chegamos! Ao olhar esse espectro de tempo, fica claro que foi preciso, sempre, fazer escolhas. E hoje não tenho dúvida alguma de que tomamos a decisão certa. Tomou muito do nosso tempo, tomou recursos, mas acredito que essa transformação é que garantirá a perpetuidade de A Gazeta por mais 20, 30, 40 anos ou mais. Vendo hoje sinto que fizemos os movimentos certos a favor do jornalismo e da nossa reputação. A Gazeta sai desta transformação sendo vista como corajosa, visionária. Isso é muito compensador. Não dá pra dizer que o dever está cumprido porque esta tarefa não termina nunca. Mas passamos por esta encruzilhada mais fortes e com um time preparado para o futuro. Nossos produtos estão mais aptos e próximos das novas gerações que estão vindo aí, e é isso que vai garantir que esta empresa dure mais muitas décadas.

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