O Supremo Tribunal Federal determinou, em decisão inédita, que a superlotação nas unidades de internação do Norte do Estado seja reduzida a 119% da capacidade. A decisão implica retirar do complexo Uninorte que reúne as unidades de internação de menores em situação provisória e definitiva em Linhares 214 adolescentes, reduzindo o número de internos de 419 para 178.
O pedido foi feito pelo Núcleo da Infância da Defensoria Pública do Espírito Santo sob o argumento de que a superlotação e suas consequências (como motins, violência e até mortes) violam os direitos fundamentais dos internados. O ministro Edson Fachin, no texto da decisão, dá três alternativas para desafogar a Uninorte: transferência para outras unidades (contanto que não ultrapassem 119% da capacidade), cumprimento das medidas em meio aberto e internação domiciliar.
As outras unidades estão com a capacidade máxima. A transferência traria problemas para o funcionamento delas, avalia o secretário de Direitos Humanos do Estado, Leonardo Oggioni.
Para ele, o cumprimento da decisão vai demandar análises conjuntas do Judiciário, Defensoria Pública e Estado. É difícil pois faltam vagas. Precisamos sentar para analisar as medidas que serão tomadas, diz.
MEIO ABERTO
Sem muito espaço para transferência a Defensoria Pública reforça outra alternativa. Os que não puderem ser transferidos, o ideal é que sejam inseridos em medidas de meio aberto, que são a liberdade assistida ou a prestação de serviços à comunidade, explica o defensor público Renzo Soares.
O complexo da Uninorte atende 31 municípios do Norte do Estado e apresenta superlotação pelo menos desde 2015. A situação degradante dos internos já foi, inclusive, denunciada à Organização dos Estados Americanos (OEA).
Em abril deste ano, A GAZETA mostrou que as famílias dos internos da Uninorte convivem com o medo de receber a notícia de que seus parentes morreram. Na época, um defensor público afirmou que havia risco iminente no local.
DO LADO DE FORA
De acordo com Renzo Soares, reduzir a lotação da unidade será benéfico tanto para aqueles que saírem quanto para os que vão continuar internados. Quando o adolescente tem que dormir com o rosto do lado do vaso sanitário porque não tem espaço é muito difícil que saia de lá ressocializado, explica.
Ele frisa que é preciso investir nos adolescentes para que eles tenham uma chance de se ressocializar. A sociedade tem esse temor de que os adolescentes saiam, mas todos eles em todas as unidades de internação do país eventualmente vão sair de lá. A preocupação é como ele vai sair, reflete.
O Judiciário tem 30 dias para apresentar ao Supremo as ações tomadas para reduzir a superlotação na unidade. A decisão é liminar, mas não há previsão para o julgamento do mérito.
SITUAÇÃO DOS MENORES VAI SER AVALIADA CASO A CASO, DIZ JUÍZA
Com a decisão liminar do STF, publicada na última sexta-feira (17), caberá à Justiça determinar, em 30 dias, quais adolescentes serão transferidos da Uninorte para outras unidades, quais cumprirão medidas em meio aberto e quais serão colocados em liberdade.
Para a juíza da Vara da Infância Richarda Littig, será necessário fazer uma análise antes de tomar as decisões. O Poder Judiciário vai apurar qual é a realidade atual da unidade, quais os casos ainda levam os meninos a receberem medidas de internação. Nos próximos dias vamos apurar a situação para verificar quais são os melhores mecanismos que temos, afirma.
Segundo ela, as transferências não devem ser maioria. A superlotação ocorre em todo o Estado. Pode estar em maior ou menor número em uma região, mas tem que ser avaliada em um contexto amplo, afirma.
Ela acredita que será necessária avaliar acaso a caso para decidir a partir das particularidades de cada processo. Pode ser que seja necessário fazer progressões e extinções de medida. Diferentemente do que as pessoas acreditam, a progressão também é uma das formas de trabalhar o socioeducando, pondera.
ENTENDA
Redução
A superlotação da Uninorte deve ser reduzida até alcançar o patamar de 119%. Hoje está em 279%.
ALTERNATIVAS
Transferência
Os internos podem ser transferidos para outras unidades contanto que elas também não ultrapassem 119% de lotação.
Meio aberto
Os adolescentes podem ser colocados em meio aberto, o que significa o regime de liberdade assistida ou a prestação de serviços à comunidade.
Internação domiciliar
A internação domiciliar não está prevista na lei, ela foi criada nesta decisão do ministro Fachin. Justiça e Estado terão que decidir como será aplicada.
PRAZO
30 dias
A Justiça tem 30 dias para apresentar ao Supremo as ações realizadas para o cumprimento da decisão.
LIMINAR
Temporária
A decisão do STF é liminar, ou seja, tem validade até a decisão do mérito. No entanto, não há prazo de quando esse julgamento deve acontecer.
ANÁLISE
A decisão do ministro Edson Fachin, do STF, foi civilizatória. Ela é importantíssima e deve ser celebrada. Limitar a lotação de uma unidade de internação de adolescentes é lógico e aceitável. O problema é que, no Brasil, a prática não é razoável. A decisão abre um precedente muito importante pois determina qual é o limite aceitável do sistema de privação de liberdade. Na decisão o Supremo indica sua sensibilidade e se sente legitimado a tomar providências para evitar que as situações como a da Uninorte não ocorram mais. É uma vitória para nós que trabalhamos com os sistemas de privação de liberdade. É a primeira vez que esse tema é levado ao STF e que o Supremo decide neste sentido. Acredito que esta será a primeira de uma série de medidas no mesmo sentido. A ONG Conectas, da qual faço parte, vai dar apoio para que o ministro coloque limite de superlotação no sistema do Brasil como um todo, baseado nesse precedente do Espírito Santo.
Rafael Custódio Coordenador de Violência
Institucional da ONG Conectas
Direitos Humanos
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