A Floresta Amazônica, responsável diretamente pela estabilidade ambiental do planeta, sofre há quase um mês com um incêndio de proporções extremas. A situação assusta a todos, principalmente especialistas e órgãos que monitoram o quadro, como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e a Nasa, que têm divulgado dados alarmantes em tempo real.
De acordo com estudos do Inpe, os focos de incêndio florestal até o dia 18 de agosto cresceram 70% no Brasil, em comparação ao mesmo período do ano passado. Ao todo, foram 66,9 mil pontos identificados e a Amazônia concentra mais da metade deles. Apesar de localizada em territórios de nove estados das Regiões Norte e Nordeste do Brasil, os impactos chegam até o Espírito Santo.
Por isso, o Gazeta Online conversou com quatro especialistas para entender as consequências desse avanço das queimadas e do desmatamento para os capixabas. Todos concordam que a situação é preocupante e pode trazer desdobramentos ao Estado. Impactos na atmosfera e nos sistemas hídricos seriam os primeiros a serem notados.
- Já pensou respirar o ar semelhante ao de áreas vulcânicas?
- Ou então presenciar a escassez de chuva e a transformação do Sudeste brasileiro em um deserto?
Além das consequências, os especialistas também explicaram a importância da Amazônia, analisaram como as atuais políticas governamentais colaboram com o desmatamento e a proliferação das queimadas, e indicaram os possíveis caminhos para proteger os recursos naturais, sem que o país deixe de crescer.
IMPACTO VULCÂNICO
A fumaça gerada pelo incêndio deve chegar ao Sudeste com impactos similares aos de atividades vulcânicas. “O caminho que ela fará é o mesmo da umidade: ricocheteará nos alpes dos Andes e virá na nossa direção. O que acarretará em um aumento no monóxido de carbono da atmosfera, influenciando o aquecimento global e gerando problemas respiratórios”, explica Ary Gomes da Silva, professor e doutor em Biologia Vegetal e pós-doutor em Ecologia e Paisagem.
Presenciado no início desta semana em diversas cidades do Norte e Noroeste do Espírito Santo, o pôr do sol neon já é uma influência do grande incêndio, garante o especialista. A maior intensidade da cor se deve à soma do ar mais seco às partículas de fuligem, provenientes da fumaça que já chegou ao nosso Estado.
Por outro lado, são baixas as chances de se repetir no Estado o fenômeno do céu negro visto em pleno dia em São Paulo, na última segunda (19), de acordo com o meteorologista do Incaper, Hugo Ramos, a curto prazo. Isso porque os ventos provenientes da Amazônia não costumam atingir o Espírito Santo durante esta época do ano.
“Como estamos do outro lado, na porção oriental sudeste, os sistemas de vento não alcançam diretamente o nosso Estado. A qualidade do nosso ar é e será muito mais influenciada pelas próprias indústrias da região. Mas tudo é muito complexo e é fato que a quantidade e a intensidade das chuvas vêm se alterando há muito tempo”, diz.
CRISE HÍDRICA E AUMENTO DE TEMPERATURA
Quanto a situações futuras, este é um dos fatores mais alarmantes, na avaliação de Ary Gomes.
Ary Gomes
A crise hídrica é imediata, em cerca de um ano ou dois, apenas. Temos que prestar atenção no volume de cheias do Rio Itapemirim e do Rio Doce, que vão ser os nossos indicadores mais imediatos
Nos próximos anos, a população também poderá presenciar o aumento na temperatura média. “Além das consequências no ar e na água, a temperatura também mudará. O que hoje já está calor, deve subir 0,5 grau ou 1 grau. Pode não parecer, mas é muita coisa”, alerta.
A Floresta Amazônica realiza serviços ambientais como a manutenção do clima em todo o planeta. A perda dela, portanto, pode acelerar muito o aquecimento global e a ocorrência de eventos extremos e inesperados, ressalta Izair Izar Aximoff, biólogo, mestre profissional em Ecologia e doutor em Botânica e responsável por estudos de queimadas e como a vegetação responde a esse impacto. Chuvas fora de época, secas em outras regiões e calor excessivo são alguns exemplos.
A médio prazo, Izair alerta que a queima de toneladas de carbono fixadas na floresta causa emissão de material particulado que pode se deslocar por todo o território nacional.
Izair Izar Aximoff, biólogo
A poluição atmosférica proveniente das queimadas pode colocar em risco a saúde da população e também os ambientes naturais, influenciando até a qualidade da água que bebemos
NOVO DESERTO
Além da atmosfera vulcânica, o contínuo desmatamento na Amazônia pode mudar completamente o bioma do Sudeste brasileiro. “O clima está todo interligado. Os rios aéreos, formados pela umidade que evapora da floresta, chegam até a nossa região e fazem com que não seja árido por aqui, como os desertos da Namíbia e da Austrália, que ficam no mesmo paralelo. Se a floresta não existir, faltará água na área de maior desenvolvimento e densidade do país”, atesta Thiago Ferrari, ambientalista, ativista e presidente do Instituto O Canal.
Correspondente a praticamente 50% do território nacional, a Floresta Amazônica influencia diretamente a estabilidade ambiental do planeta e abriga milhares de espécies de plantas e animais, das quais muitas ainda podem ser desconhecidas pela ciência. As queimadas podem fazer com que várias delas sejam perdidas a curto prazo.
“Grande parte da riqueza genética que poderia ser utilizada para diversos fins, como a medicina, por exemplo, é perdida. Na Amazônia, existem várias áreas consideradas prioritárias para conservação da biodiversidade e muitas estão desprotegidas legalmente. Essas áreas seriam as mais ameaçadas e prioritárias, por conterem espécies ameaçadas de fauna e flora”, observa Izair Aximoff.
NÃO HÁ DESENVOLVIMENTO SEM NATUREZA
A atual situação vivida pela Amazônia é resultado de problemas que se arrastam por anos, agravada por um governo que sinaliza para um crescimento não sustentável, na avaliação de Thiago Ferrari. “O desmatamento na região já perdura há décadas e já perpassou por vários governos. O atual se declara voltado apenas para o crescimento, enquanto política macroeconômica”, analisa.
A significativa parcela do setor agropecuário no PIB brasileiro também favorece o desequilíbrio entre economia e sustentabilidade. “É necessário alinhar esses dois vetores, porque ações como esta impactam diretamente nos sistemas hídricos, na fauna e na flora. O que é ruim para a população e também para as indústrias que também dependem desses recursos”, sustenta o ambientalista.
FALTA DE PUNIÇÕES E DESCRÉDITO DE ENTIDADES
Na maioria das vezes, os agentes causadores de queimadas não são identificados e, por isso, acabam impunes. Além disso, quem trabalha na área ambiental se sente, atualmente, acuado com a diminuição contínua de entidades fiscalizadoras do Ibama e do ICMBio, bem como de órgãos estaduais e municipais. Tudo acrescido do descrédito de institutos de pesquisa, como o Inpe.
“A política atual está favorecendo a ocorrência de queimadas e a ampliação de áreas para o agronegócio. O descrédito das instituições de pesquisas científicas também faz com que os criminosos se sintam mais fortalecidos. As ações de ataque, por exemplo, aos carros e funcionários de institutos de pesquisas causam enorme retrocesso no enfrentamento dessas pressões”, explica Izair.
Com opinião semelhante à de Izair, e apontando os possíveis caminhos para solucionar o problema a curto e longo prazo, Ferrari acredita ser primordial o retorno da crença na ciência. “Quando você não acredita em dados gerados seriamente por institutos que acompanham a situação do desmatamento há anos, você leva o debate para um lugar sem diálogo."
E acrescenta: “São números comparativos e as imagens de satélites não deixam dúvidas. Se estiverem conscientes disso, as pessoas começariam a rever os próprios hábitos e a buscar soluções para um desenvolvimento e uma vida mais sustentáveis."
Ferrari destaca que a Amazônia tem um potencial enorme, que deveria ser melhor explorado, em vez de destruído. “Os animais, as plantas, as belezas naturais. Toda a riqueza de lá poderia ser valorizada e aproveitada, como no ecoturismo sustentável que nós já praticamos no Espírito Santo”, exemplifica. “É possível crescer por meio de indústrias limpas”.
Em meio a tanta fumaça e desmatamento, o ambientalista Thiago ainda acredita que o quadro possa ser revertido e que há algo de positivo nesta situação.
Thiago Ferrari, ambientalista
Apesar do momento ser bastante crítico e sensível, as pessoas estão se mobilizando e reagindo ao que está acontecendo. É uma oportunidade de debater o assunto no Brasil
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