Papa João Paulo II visita a região de São Pedro, onde quebrou protocolo e se aproximou da população
Papa João Paulo II visita a região de São Pedro, onde quebrou protocolo e se aproximou da população. Crédito: Chico Guedes

As histórias e curiosidades do dia em que o papa visitou o ES

Em outubro de 1991, João Paulo II celebrou duas missas em Vitória. Saiba um pouco mais dos bastidores que envolveram a passagem do pontífice por terras capixabas

Há 30 anos um dos visitantes mais ilustres da história do Espírito Santo desembarcava em Vitória. As cerca de 18 horas em que o papa João Paulo II esteve em solo capixaba, entre os dias 18 e 19 de outubro de 1991, marcaram muita gente pelas demonstrações de fé e também por transformações sociais provocadas pela visita.   

O pontífice desembarcou em solo capixaba na noite de sexta-feira de 18 de outubro de 1991 para, no dia seguinte, realizar duas celebrações em Vitória: uma no Aterro da Condusa - hoje Praça do Papa, na Enseada do Suá - e outra em São Pedro. A memória de quem participou deste momento histórico é carregada de emoção. Afinal, receberam o homem que, dali a alguns anos, se tornaria santo.

Mesmo antes de sua chegada, João Paulo II já provocava transformações. Uma delas foi incluir São Pedro no roteiro da programação no Estado. Inspirado pelo livro “Na lama prometida, a redenção”, de Graça Andreatta, o papa decidiu visitar a região que era considerada “lugar de toda pobreza.”

Para a escritora, João Paulo II sentiu-se tocado pelos relatos da vida de homens e mulheres tão sofridos. Sobre o momento em que se encontraram, Graça se emociona com as recordações.

Graça Andreatta

Escritora

"Meu encontro foi lindo! Um olhar tão maravilhosamente doce na hora que me abraçou. Foi um abraço de almas. Eu me senti como se estivesse em outro patamar da vida. Isso não tem preço, nem como esquecer!"
O encontro entre o pontífice e Graça é marcado por emoção. Crédito: Chico Guedes
O encontro entre o pontífice e Graça é marcado por emoção. Crédito: Chico Guedes

Graça diz que, no breve instante em que estiveram tão próximos, o papa colocou um terço em sua mão e recomendou: “Continue, Maria, continue!”, numa menção ao trabalho social que fazia. A escritora não apenas segue até hoje o conselho, como dedica a João Paulo II diariamente uma oração.

PREPARAÇÃO

A chegada do pontífice foi antecedida de longa preparação. Cerca de oito meses foram dispensados para organizar tudo, da análise de projetos arquitetônicos para o altar até o planejamento de todas as celebrações, segundo Giovanna Valfré, coordenadora do Centro de Documentação da Mitra Arquidiocesana.

A escolha do Espírito Santo na programação do Papa no país, naquele ano, foi resultado de um pedido do arcebispo Dom Silvestre Scandian ao núncio apostólico - uma espécie de embaixador da Santa Sé. O Estado ganhou pontos, reforça Giovanna, por ser um grande centro mariano, embora João Paulo II não tenha ido até o Convento da Penha por conta das dificuldades logísticas para sua proteção.

“A Igreja de Vitória também é bastante reconhecida pelo trabalho com os mais pobres. Isso chamava a atenção para o Estado, e o pedido de Dom Silvestre foi atendido.”Giovanna, além de estar envolvida na organização, participou da celebração na Enseada do Suá.

Giovanna Valfré

coordenadora do Centro de Documentação da Mitra Arquidiocesana.

"Você acha que está tudo normal, até ver o papa-móvel chegando. Fui tomada por uma emoção muito forte, sabia que estava diante de alguém muito especial"
A missa na Enseada do Suá, onde hoje é a Praça do Papa, reuniu mais de 200 mil fiéis. Crédito: Nestor Müller
A missa na Enseada do Suá, onde hoje é a Praça do Papa, reuniu mais de 200 mil fiéis. Crédito: Nestor Müller

Durante a missa, que reuniu 200 mil pessoas, vários momentos marcantes, como a hora em que o papa se ajoelhou diante da imagem de Nossa Senhora da Penha, símbolo da fé católica para os capixabas. Também houve manifestações dos fiéis com faixas em que se lia: “antes o povo passava fome, agora morre de fome”, e a entrega de um dossiê sobre a violência e a forte presença do crime organizado .

O atual pároco de São Pedro, Roberto Francisco Natal, era mais um fiel no meio dos milhares. Na época de Alfredo Chaves, foi de excursão até Vitória.

Roberto Natal

Pároco de São Pedro

"Foi uma sensação única e profunda vê-lo passar bem de perto. Na chegada do papa, todos cantando ‘A bênção, João de Deus, nosso povo te abraça…’ é algo que está na memória e no coração.” Para o padre, a visita do pontífice foi responsável pela grande transformação da região. “Antes, o lixo de toda a Grande Vitória era depositado no bairro. Depois, o poder público passou a aterrar tudo."

CHORO DE ALEGRIA

Moradoras do bairro, Lourdes Basseti Miranda, 58, e Dulce Nelia da Silva, 65, estavam na organização do coral das 300 crianças que cantaram para o papa.

“Na véspera, tivemos a notícia que talvez ele não viesse porque estava chovendo muito, o que atrapalharia o pouso do helicóptero. No dia 18, fui dormir apreensiva, e rezando muito. Quando amanheceu, Deus foi tão bom que aliviou aquela chuva torrencial. Juntamos as crianças e fomos para o local. Quando o helicóptero começou a sobrevoar, foi muito lindo. As crianças olhavam para o céu e choravam de alegria”, conta Dulce.

“A emoção também tomou conta dos adultos. Muitos choraram e encheram o coração de esperança. Com essa visita, São Pedro se tornaria um lugar melhor para viver”, acrescenta Lourdes.

Da paróquia na época, o padre Dauri Batisti destaca outro instante marcante.

Dauri Batisti

Padre

"Minha lembrança do papa é de uma figura forte, que decidiu descer do palanque, não pediu permissão, só foi. Foi bom para a comunidade ele ter ido lá, conseguiu chamar a atenção para quem merecia ser olhado."

E foi assim: terminada a celebração, o papa desceu a ladeira de acesso à Ilha do Caju, onde havia sido montado o palanque, e, quebrando o protocolo, seguiu em direção ao povo, que estava em meio a lama. As pessoas foram tomadas por uma forte emoção pela chance de estarem ainda mais próximas de João Paulo II.

João Paulo II desceu do palanque, em São Pedro, e caminhou na lama para chegar mais perto dos moradores. Crédito: Chico Guedes
João Paulo II desceu do palanque, em São Pedro, e caminhou na lama para chegar mais perto dos moradores. Crédito: Chico Guedes

Algumas crianças, completamente envolvidas pelo momento, furaram o bloqueio da segurança e correram em direção ao pontífice. Foi o caso da professora Gisele de Azevedo Teixeira, 38, que mesmo antes já havia prometido a si mesma, e também a tia, que sairia do coral em homenagem ao papa para encontrá-lo de perto.“Falei: ‘quando ele vier, vou beijá-lo’. Não acreditaram em mim, mas, no dia da visita, fui.” Após driblar o esquema de segurança, ela ganhou um terço, que anos mais tarde deu para a tia ao mudar de religião. “Só tenho boas lembranças. Faz parte da minha história e respeito muito”, diz Gisele.

Outra menina da época,  a administradora Cleide Silva guarda recordações e também o presente que ganhou.  “O olhar dele para aquelas crianças cantando na chuva, me motiva muito. Ele olhava para a gente com uma profundidade que não cabia nele. Chorei do início ao fim”, lembra. A segurança tentou detê-la, mas João Paulo II a acolheu e lhe entregou um terço, que carrega até hoje para onde quer que vá.

Cleide Silva

Administradora

"Depois da atenção dele, outras autoridades também passaram a nos ver. Até então, era terra de ninguém. Sou devota dele porque foi um milagre na existência do bairro"
Cleide Silva era criança quando participou de coral em homenagem ao papa e furou bloqueio para abraçá-lo. Ela ganhou um terço que guarda até hoje. Crédito: Aline Nunes
Cleide Silva era criança quando participou de coral em homenagem ao papa e furou bloqueio para abraçá-lo. Ela ganhou um terço que guarda até hoje. Crédito: Aline Nunes

PASSO A PASSO DA VISITA 

  • 19H39 - O papa  aparece à porta do avião da Presidência da República, no Aeroporto de Vitória, sorrindo e acenando para os fiéis no local
  • 19h45 - Sobe no papamóvel rumo à Residência Oficial da Arquidiocese, em Ponta Formosa, Praia do Canto, passando pela Avenida Fernando Ferrari
  • 20h30 - Chega na ladeira da Rua Sagrado Coração de Maria, sendo recebido por 60 casais de diversas paróquias
  • 21h30 - Faz a primeira refeição no Estado. Cardápio tinha moqueca, pirão, camarão no vapor e caldo de couve-flor
  • 23h - O papa vai dormir em um quarto reservado na Residência Oficial
  • 5h30 - Toma café da manhã. Refeição servida incluiu frutas, bolos e pães
  • 6h30 - Agradece a todos, da limpeza à cozinha, faz oração e presenteia fiéis com terço. Também plantou semente de pau-brasil no local
  • 8h15 - Chega na Enseada do Suá. A missa campal começou 15 minutos depois, com a presença de 200 mil pessoas
  • 11h53 - Chega em São Pedro no helicóptero da Marinha. Coral com 330 crianças da região canta “Casinhas de Periferia”, do padre Zezinho
  • 12h40 - Abençoa fiéis no palanque e, em seguida, quebra o protocolo: desce a ladeira e junta-se ao povo, em meio a lama e ao lixo do local
  • 12h55 - Sobe no helicóptero rumo ao aeroporto. De lá, segue para Maceió, Alagoas, e, depois, Salvador, na Bahia

PAPA COMEU MOQUECA DUAS VEZES

Após 28 anos, alguns detalhes da visita do papa João Paulo II ainda despertam curiosidade e até surpreendem. Nos bastidores pouco conhecidos das quase 18 horas em que esteve no Espírito Santo, o pontífice se deliciou com a moqueca capixaba, lambeu os dedos comendo doce e, entre tantas marcas que deixou, uma delas fincou raízes: uma árvore de pau-brasil.

“O papa não só provou a moqueca capixaba, como repetiu”, afirma Carlos Alberto Abaurre Amaral, que, durante a visita, foi o responsável por preparar o jantar e o café da manhã para o pontífice, cardeais e bispos, servidos na residência episcopal da Arquidiocese, em Ponta Formosa, Vitória.

Carlos Alberto Abaurre Cabral

Aposentado

"Dom Silvestre me deixou à vontade para definir o cardápio, mas me deu apenas uma recomendação: fazer a moqueca capixaba. Então, eu caprichei. Fiz um caldo de couve-flor, camarão no vapor, frango assado com molho, arroz, pirão, salada e uma moqueca bem capixaba com badejo, preparada na panela de barro. Foi o que ele mais comeu! Depois me perguntou o que tinha no pirão, e aí eu tive que explicar. Era o papa, né?"
Carlos Alberto Abaurre Cabral foi responsável pelo cardápio do jantar do papa, que incluiu moqueca capixaba. Crédito: Vitor Jubini
Carlos Alberto Abaurre Cabral foi responsável pelo cardápio do jantar do papa, que incluiu moqueca capixaba. Crédito: Vitor Jubini

E não foi apenas a moqueca que encantou o pontífice. Cabral conta que uma das cenas mais marcantes foi vê-lo lambendo os dedos ao experimentar o doce cristalizado de jenipapo, preparado por uma das fiéis.

“Naquele momento, ele mostrou que era uma pessoa como qualquer outra, que também saboreia uma comida gostosa lambendo os dedos”, destaca.

Após o jantar, o papa dormiu em um quarto arrumado especialmente para ele na residência oficial do arcebispo. No dia seguinte, o café da manhã foi servido com frutas, bolos e pães. Em seguida, João Paulo II reuniu todos que trabalharam durante a sua permanência em Ponta Formosa para agradecer a acolhida e presenteá-los com terços e medalhas.

MARCA

O padre Hugo Scheer, diretor do Instituto Interdiocesano de Filosofia e Teologia, que hoje mora na residência episcopal, também estava em Ponta Formosa durante a visita de João Paulo II. Segundo ele, o pontífice fez questão de deixar sua marca no local ao plantar uma muda de pau-brasil em frente.

“Depois de um momento de oração e agradecimento a todos que se dedicaram na cozinha e na preparação de sua estadia, o papa plantou uma muda de pau-brasil, que hoje é uma árvore. A quem vem aqui, sempre fazemos questão de dizer que foi ele quem plantou”, diz com orgulho, o padre Hugo.

O padre Hugo Scheer mostra a árvore da espécie pau-brasil que foi plantada por João Paulo II. Crédito: Viviann Barcelos
O padre Hugo Scheer mostra a árvore da espécie pau-brasil que foi plantada por João Paulo II. Crédito: Viviann Barcelos

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