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Tarifa de água e salários na Cesan crescem mais que investimentos, diz estudo

Tarifa de água e salários na Cesan crescem mais que investimentos, diz estudo

Levantamento da Inter.B revela que gasto médio com cada funcionário cresceu 40% na companhia e que recursos usados em obras, em maior parte, saíram dos cofres do Estado e do governo federal

Publicado em 7 de julho de 2020 às 06:00

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No Espírito Santo, 1,7 milhão de pessoas vivem em locais que não contam com rede de esgoto
No Espírito Santo, 1,7 milhão de pessoas vivem em locais que não contam com rede de esgoto. (Fernando Madeira)

O recurso arrecadado com as tarifas de água e esgoto nem sempre se traduz em investimentos para melhorar a qualidade de vida da população. Uma pesquisa feita pela Inter.B Consultoria apontou que o aumento no valor cobrado pelo serviço por algumas estatais de saneamento, entre elas a Cesan, não é acompanhado de mais investimento, mas sim pelo aumento de gastos com funcionários. 

O documento a que A Gazeta teve acesso mostra que entre 2014 e 2018 a tarifa média de água e esgoto cobrada pela estatal capixaba cresceu 31,3% (equivalente à inflação do período). No mesmo período, as despesas anuais por empregado subiram 40,1%. Já os investimentos cresceram bem menos, 17,4%.

"O aumento de tarifa é tipicamente transferido para o aumento de salários e outros gastos com funcionários. Enquanto, via de regra, os investimentos colapsam. Essas corporações ganham bastante dinheiro, mas são capturadas com interesses que não consistem com o interesse publico", afirma o economista Cláudio Frischtak, um dos autores do estudo.

Tendências similares foram observadas nas estatais sanitárias de São Paulo, Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul.

Os dados utilizados foram retirados do Sistema Nacional de Informações de Saneamento (Snis), em que operadoras de serviços de água e esgoto precisam prestar anualmente informações econômico-financeiras e operacionais. A Gazeta utilizou a mesma base para replicar o estudo e chegou a resultados semelhantes.

Das 26 estatais analisadas (25 Estados e o Distrito Federal), apenas  cinco apresentaram avanços maiores em investimentos do que em gastos com pessoal. Nas demais, o crescimento nos investimentos foi menor que o crescimento das despesas com empregados ou, em casos extremos, os investimentos caíram, enquanto os gastos com pessoal e a tarifa subiram.

"Em média, o salário de um funcionário de uma estatal de saneamento básico é 2,3 vezes maior que seu equivalente no setor privado, com a mesma posição e mesmo numero de anos de experiência", aponta Frischtak.

Para ele, os dados mostram que falta governança nas estatais para fazer avançar os projetos de universalização de água e esgoto nos municípios brasileiros. "Há exceções, mas essas empresas públicas são, de modo geral, afetadas pela má governança. Mesmo os gestores melhores são submetidos à legislação de direito público que é bem diferente do direito privado", afirma.

INVESTIMENTOS MISTURADOS

Segundo relatório de prestação de contas da Cesan de 2018, o mais recente disponibilizado no site da Companhia, naquele ano foram investidos R$ 226 milhões pela companhia. O número não é muito diferente do apresentado no ano anterior (R$ 228 milhões). Ainda assim, nesse período (2017/2018), os gastos com pessoal subiram 6,7%.

O mesmo documento aponta que parte desses investimentos foi feito com dinheiro do governo federal ou com operações de créditos obtidas pelo Estado. Não há essa discriminação exata, mas a planilha que mostra o recurso investido mistura a arrecadação direta da Cesan, repasses federais e um empréstimo com o Banco Mundial contraído pelo governo estadual.

Já dados do Tesouro Nacional mostram que, em 2018, o governo do Espírito Santo fez um "reforço de capital" de R$ 140,4 milhões na estatal. Valor que foi todo restituído sob forma de resultado, já que o Estado é praticamente o único acionista da Cesan.

Segundo o professor da Fucape e especialista em contabilidade e controladoria governamental João Eudes, há no país empresas grandes de saneamento que são superavitárias, como é o caso da Cesan. Elas são chamadas de "não dependentes". Contudo, ele afirma que mesmo essas empresas encontram dificuldades de captar recursos para grande projetos e acabam dependendo dos Estados aos quais estão vinculadas.

"Às vezes o recurso que arrecadam não passa muito do que precisam para cobrir os custos. Não conseguem captar recursos para grandes investimentos e acabam dependendo da alavancagem de recursos do próprio Estado", diz.

O Snis mostra que, entre 2014 e 2018, o Estado fez R$ 142 milhões em investimentos em água e esgoto nos municípios atendidos pela Cesan.  No site da estatal, sob a rubrica "investimentos", há detalhes sobre o Programa de Gestão Integrada das Águas e da Paisagem, um programa do governo do Estado com recursos do Banco Mundial para atender cidades da região do Caparaó e das bacias do Rio Jucu e Santa Maria da Vitória (que contempla quase todas as cidades da Região metropolitana). O empréstimo tem valor total de US$ 323 milhões.

MERCADO DOMINADO

Atualmente, as estatais dominam 70% do setor de saneamento. No Espírito Santo não é diferente: a Cesan atua em 52 dos 78 municípios capixabas. Nos demais, os serviços de água e esgoto são geridos por autarquias municipais ou pela própria prefeitura. Apenas em Cachoeiro de Itapemirim há uma concessão privada.

O novo marco legal do setor, aprovado no Senado, mas ainda pendente de sanção presidencial, pretende dar mais abertura para a atuação de empresas privadas nos serviços de água e esgoto, seja por meio de concessões, Parcerias Público-Privadas ou privatizações.

"Hoje, 93% do mercado no país esta muito mal regulado, mal fiscalizado e os contratos são muto débeis. A nova legislação tenta modernizar o setor e estabelecer como meta até 2033 a universalização do fornecimento de água e cobertura de esgoto. Vai impor que a empresa (pública ou não) demonstre que efetivamente pode universalizar esses serviços", afirma Frischtak. 

Para Eudes, a mudança tem potencial de finalmente fazer avançar a cobertura desses dois serviços, que são básicos e ainda não chegam para todos.

"Antes desse marco regulatório tínhamos decretos que vinham sendo sempre prorrogados. Os municípios falavam que não tinham como cumprir os prazos e o governo prorrogava a lei por mais dois, três anos. Agora estou confiante que seja possível cumprir", afirmou.

No Espírito Santo há 1,7 milhão de pessoas sem acesso à rede de esgoto e 745 mil sem água encanada. O investimento necessário para que esses serviços sejam universalizados é de cerca de R$ 9 bilhões.

CESAN FALA EM AUMENTO DOS INVESTIMENTOS E EM EMPRESA ENXUTA

O coordenador de Planejamento Estratégico da Cesan, Sérgio Rabello, explicou que a fórmula usada para calcular a despesa com pessoal levou em conta a quantidade média de empregados e não o número final de funcionários, que varia a cada ano. Com isso, ele apontou que o crescimento na despesa com pessoal entre 2014 e 2018 foi, na verdade, de 35,61%.

Rabello lembrou que esse percentual é bem próximo da inflação do período, de 33,69%, ou seja, "o aumento real da despesa com pessoal foi de apenas 1,92% nesse tempo".

A Cesan ainda argumentou que 2014 foi um ano difícil, com o início das crises econômica e hídrica. Logo, de acordo com Sérgio Rabello, se a comparação for feita a partir de 2015 os números melhoram: entre 2015 e 2018, a despesa com pessoal da Cesan cresceu 25,88% enquanto os investimentos subiram 30,38%. A inflação do período medida pelo IPCA foi de 25,64%.

Já estendendo a base de comparação até 2019, segundo números da Cesan (uma vez que os dados do ano ainda não disponibilizados pelo Snis), o crescimento dos investimentos desde 2015 chega a 41,4% ante a 31,6% de elevação no gasto pessoal e uma inflação de 31,05%.

Rabello ainda destacou outros dois indicadores presentes no Snis, que comparam os gastos com a receita realizada. Em 2014, 24% da receita da Cesan foi para custear pagamento com pessoal. Em 2015, o indicador chegou a 25,1%. Esse percentual vem sendo reduzido desde então e, em 2019, chegou a 20,7%.

A outra comparação mostra que 30,7% da receita da estatal em 2014 foi para realizar investimentos. Esse percentual esteve em queda até chegar a 23,9% em 2016. Em 2019, o indicador fechou em 25,5%.

É com base nesses dados que Sérgio Rabello afirmou que a Cesan é uma empresa pública enxuta e que, em outros Estados, há companhias de saneamento que comprometem até 60% da receita anual com pessoal. Ele também disse que a companhia está acelerando os investimentos e em um caminho avançado para a universalização de água e esgoto.

"A Cesan é uma empresa que está indo muito bem, tanto que é cobiçada por bancos que querem entrar como parceiros ou abertura de capital. A universalização vamos alcançar antes da nova meta, que é 2035, e chegar lá entre 2025 e 2030 com os quase R$ 2,2 bilhões em investimentos já contratados até 2024. Não temos medo de concorrer com o setor privado nem de ser parceiro dele porque somos uma empresa enxuta, bem organizada e que dá resultado", disse o coordenador de Planejamento da estatal.

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* Colaboração: Geraldo Campos Jr / Infográfico: Siumara Gonçalves

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