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Mais de 16 mil empresas no ES embolsaram ICMS pago por consumidor

Mais de 16 mil empresas no ES embolsaram ICMS pago por consumidor

Manobra é semelhante à que teria sido praticada pela Ricardo Eletro e já provocou prejuízo de R$ 56 bilhões em cinco anos aos cofres do Estado. Casos estão na mira do Ministério Público e da Fazenda Estadual

Publicado em 9 de julho de 2020 às 05:02

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Nota fiscal: ICMS embutido nos produtos é cobrado e declarado, mas em alguns casos não foi pago
Nota fiscal: ICMS embutido nos produtos é cobrado e declarado, mas em alguns casos não foi pago. (Wilson Dias/Agência Brasil)

Pelo menos 16 mil empresas que atuam no Espírito Santo cobraram impostos do consumidor que não foram repassados para a Receita Estadual, embolsando valores bilionários. Trata-se da mesma pratica que teria sido realizada pelo fundador da Ricardo Eletro, preso nesta quarta-feira (8) numa operação promovida pelo Ministério Público de Minas Gerais.

A fraude é recorrente em todo o país e em negócios de diversos setores. São empresas que cobram e declaram o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que vem embutido no preço dos produtos, mas depois não fazem o recolhimento desse valor para o Fisco.

No Espírito Santo, entre 2013 e 2018, as empresas que tiveram essa conduta deram um prejuízo para os cofres estaduais da ordem de R$ 56 bilhões, segundo levantamento realizado pelo Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos (Cira), chefiado pelo Ministério Público Estadual (MPES) e composto também pela Secretaria da Fazenda, Procuradoria-Geral do Estado e Polícia Civil.

Algumas dessas empresas estão na mira do Comitê, que investiga se houve o crime de apropriação indébita de tributo. Essa foi a suspeita que levou para a cadeia o empresário Ricardo Nunes, que segundo as investigações teria feito isso reiteradamente e usava laranjas para embolsar o dinheiro do imposto e se enriquecer ilicitamente.

Nem todas essas empresas que não pagaram o imposto declarado estão cometendo crimes. Desde novembro do ano passado, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) permite que pessoas responsáveis pela apropriação indébita do ICMS pago pelos consumidores possam ser penalizadas criminalmente, desde que fiquem provados dois requisitos: fazer isso reiteradamente e com dolo.

"Trata-se de um crime quando estamos falando dessa situação, em que a empresa tem essa conduta grave de ser um devedor contumaz e de fazer isso com intenção de efetivamente deixar de recolher o tributo e levar vantagem", explicou o presidente do Cira, Luis Felipe Scalco Simão, que é promotor de Justiça e atua na área de crimes tributários no Gaeco.

Ou seja, mesmo sendo um ato danoso de qualquer forma, caso isso não seja uma praxe na empresa não é crime, como deixar de pagar em um momento de dificuldade financeira. Esses casos são a maioria dos identificados pelo Estado, e mesmo que os envolvidos não sejam processados criminalmente, estão em dívida com o Fisco, como frisou o secretário da Fazenda, Rogélio Pegoretti.

"Quem está momentaneamente em dificuldades, não sendo um devedor contumaz e não sendo isso uma prática do negócio dele, visando ganho patrimonial, não entra nessa criminalização. O governo também tem a sensibilidade de olhar cada caso, se houve alguma dificuldade financeira, e localizar isso", comentou.

INVESTIGAÇÕES

Todos esses casos são monitorados, de acordo com Rogélio. Primeiro, a Sefaz identifica o tributo não recolhido e lavra um auto de infração. Se não for pago, o caso é encaminhado para a Procuradoria-Geral do Estado realizar a ação de execução fiscal e protesto das dívidas na esfera cível. A depender do histórico de tributos não recolhidos, o caso, por fim, é encaminhado ao Ministério Público para investigação na área criminal.

Segundo o presidente do Cira, no ano passado o comitê convocou 20 empresas com grandes débitos para reuniões para negociar a quitação das dívidas pelos meios existentes, que vão desde parcelamento à penhora de bens. Em alguns casos, a negociação não produziu resultado e foram instaurados procedimentos criminais pelo Ministério Público.

"A gente viu que muitos não recolheram o imposto por ter havido um imprevisto, como uma empresa que relatou que teve dificuldades por causa de um incêndio. Mas em outros instauramos procedimento criminal para verificar se houve o crime de apropriação indébita", afirmou Luis Felipe Scalco.

O promotor disse que há ações em andamento, e em alguns casos bem avançadas, mas que não pode passar mais detalhes em função do sigilo fiscal e para não atrapalhar o curso das investigações.

Segundo ele, no Estado, os setores da economia elencados como os que mais apresentaram irregularidades, em um levantamento do Cira, foram os de café, rochas e bebidas, mas que há grandes varejistas e atacadistas que cometem a mesma prática.

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MPES investiga os possíveis crimes. (MPES)

O promotor ressaltou ainda o crime de apropriação indébita é diferente do crime de sonegação. "Nesse caso, ele declara o imposto mas não paga, ele não esconde nada, só deixa de pagar. E se houver dolo nisso é crime. Já a sonegação fiscal é quando há uma fraude ou manobra para enganar o Fisco e reduzir o valor do imposto a ser pago, escondendo informações reais".

A pena para o crime de apropriação indébita de tributos é pequena, de 6 meses a 1 ano. "A sonegação e a fraude fiscal são crimes que trazem danos enormes para a sociedade. São similares à corrupção, a diferença é que a apropriação indébita aqui ocorre antes do valor entrar no caixa do Tesouro. Mas é o mesmo tipo de conduta que a corrupção. Infelizmente, o tratamento criminal não é o mesmo", destacou o Rogélio Pegoretti.

CASO RICARDO ELETRO

Nesta quarta, o fundador da Ricardo Eletro, Ricardo Nunes, e parentes foram presos na Operação Direto com o Dono. A investigação aponta indícios de que os envolvidos possam ter cometidos crimes contra a ordem tributária de R$ 400 milhões, deixando de pagar impostos ao Estado de Minas Gerais.

A rede de varejo cobrava dos consumidores os impostos, mas não fazia o repasse ao Estado. Segundo a força-tarefa, houve ainda o crescimento do patrimônio individual do principal sócio na mesma época em que os crimes tributários eram praticados, caracterizando lavagem de dinheiro. Eram usados laranjas no esquema.

A empresa tem filiais no Espírito Santo. Segundo o promotor Luis Felipe Scalco, não é possível dizer se as mesmas fraudes eram praticadas aqui. No entanto, ele disse que pretende pedir ao Ministério Público mineiro o compartilhamento das provas que foram produzidas no processo que tramita lá.

O OUTRO LADO

Procurada, a Ricardo Eletro afirma que Nunes e seus familiares deixaram de ser acionistas no ano passado. O controle da empresa foi assumido, em 2018, pelo fundo Starboard.

"A Ricardo Eletro pertence a um fundo de investimento em participação, que vem trabalhando para superar as crises financeiras que assolam a companhia desde 2017, sendo inclusive objeto de recuperação extrajudicial devidamente homologada perante a Justiça, em 2019", disse a empresa em nota. 

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