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Informais se arriscam nas ruas e penam para manter parte da renda

Informais se arriscam nas ruas e penam para manter parte da renda

Cerca de 800 mil trabalhadores que atuam por conta própria no Espírito Santo viram a receita despencar com o avanço da pandemia

Publicado em 22 de abril de 2020 às 10:03

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Motoristas de aplicativos, pela lei aprovada, terão acesso ao histórico de corrida dos passageiros dos últimos seis meses.
Motoristas de aplicativo. (Pixabay)

Quem anda pelas ruas ou nos ônibus hoje já não vê mais o mesmo movimento de ambulantes. Assim como eles, outras centenas de profissionais que trabalham na informalidade estão com receio de voltar para casa doentes. Com a chegada do novo coronavírus (Covid-19), uma "escolha de Sofia" virou parte do seu dia a dia dessas pessoas: trabalhar, levar dinheiro para casa e correr o risco de ficar doente; ou ficar sem renda e permanecer saudável?

Vendedores ambulantes, motoristas de aplicativos, diaristas, entregadores, manicures, cabeleireiras e tralhadores por conta própria sem CNPJ. Esses, entre outros profissionais, fazem parte dos mais de 799 mil trabalhadores informais do Espírito Santo que viram sua fonte de renda ser comprometida com o avanço da pandemia. 

O motorista de aplicativo Dylan Bachour, 34 anos, faz parte do contingente de pessoas que viram sua renda despencar e estão tendo que atrasar uma conta para conseguir pagar a outra. Ele conta que sua renda média caiu quase 80% desde que a crise do coronavírus começou. Em um dia no início do mês, por exemplo, em cinco horas de trabalho, só conseguiu fazer R$ 15,60 e acabou voltando para casa.

"Antes eu conseguia fazer uma projeção e pagar a prestação do carro, aluguel, condomínio e outras despesas. Quando vieram as medidas emergenciais tive que fazer uma compra maior, com receio, e acabei gastando o dinheiro da prestação do carro", desabafa. 

Ele ainda conta que mesmo com o anúncio do governo de que vai pagar R$ 600 para os tralhadores, ainda está tudo muito confuso sem ter certeza se vai receber o dinheiro.

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Essa situação é realmente muito estressante. Eu não tenho dormido direito. É difícil porque saio todos os dias de casa sem a certeza de que vou ganhar dinheiro. Ainda assim, a minha única opção é continuar rodando mesmo com o risco. É rezar para que minha esposa continue no emprego dela e para que eu não pegue o vírus e, se eu pegar, que eu sobreviva

Dylan Bachour
motorista de aplicativo
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O número de informais no Estado não é nada pequeno, ele representa 41,6% da mão de obra ocupada no Espírito Santo (1,9 milhão de trabalhadores) segundo dados de 2019 da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio Contínua (Pnad-C), do IBGE

Quem também faz parte dessa estatística é a vendedora ambulante Valdelice dos Anjos Santana de Oliveira, 42 anos.  Há cerca de cinco anos ela trabalha vendendo mariscos em um carrinho pelas ruas de Vitória. O dinheiro que tira dali complementa a renda da família (marido e três filhos). Mas, com a chegada do coronavírus, ela viu as vendas retraírem significativamente. 

"Eu enchia o carrinho com camarão, sururu, siri, aratu e caranguejo. Depois, saia na rua vendendo. Antes, voltava para casa com tudo vendido. Agora não tem mais como, a rua está vazia e todo mundo dentro de casa com as portas trancadas", comenta.

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A gente fica com pés e mãos atados, porque não sabe se fica em casa sem dinheiro, vê as coisas acabarem e as contas se acumulares, ou se sai na rua para trabalhar e corre risco. Deus protege a gente e ele sabe que precisamos de trabalhar. Minha família não recebe nenhum tipo de auxílio do governo. O dinheiro vem todo do nosso trabalho

Valdelice dos Anjos Santana de Oliveira
vendedora ambulante
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O professor da Fucape Felipe Storch Damasceno explica que o índice de trabalhadores informais é tão elevado porque o país vinha tentando se recuperar de uma crise econômica. Com o fechamento dos postos de trabalho, muitos profissionais foram para a informalidade. E era das ruas que eles estavam tirando o sustento das famílias e os recursos para pagar as contas no final do mês.

"O rendimento médio dessas pessoas está entre R$ 1,3 mil e R$ 1,4 mil, um pouco maior que a média nacional, mas não muito distante dela. A crise destruiu os empregos formais e para recuperar isso leva tempo. Nos últimos anos, não conseguimos crescer e gerar todos os postos formais que foram fechados, por isso, essas pessoas partiram para a informalidade", explica.

R$ 1,3 mil a R$ 1,4 mil
SALÁRIO MÉDIO DOS TRABALHADORES INFORMAIS

O especialista reforça ainda que quando o coronavírus chega a um país, a única forma de lidar com isso é o isolamento social, o que provoca impactos econômicos. "O que vemos hoje são pessoas que não têm renda mais. É complicado até trabalhar porque as pessoas não estão na rua para comprar. E, ao mesmo tempo, não podemos deixar essas pessoas expostas ao risco", enfatiza.

Passageiros já utilizam usa máscara dentro de coletivos durante pandemia de coronavírus. (Vitor Jubini)

Segundo dados do jornal O Globo, somando empregados sem carteira, trabalhadores domésticos, por conta própria e os que auxiliam na família, 46,8 milhões de pessoas fazem parte do grupo que pode passar dificuldades. 

Além disso, somente 8,3 milhões desse universo recebem Bolsa Família, que é o benefício destinado às famílias mais carentes. Outro dado que é preciso ressaltar é que os informais representam 75% dos trabalhadores que estão na metade mais pobre do país.

DE ONDE TEM QUE VIR A AJUDA?

O professor do Departamento de Economia da Ufes Rafael Moraes aponta que este é o momento de o Estado ajudar aos mais vulneráveis.

"Não seria surpresa se, caso o governo não fizesse nada, ocorresse aumento de crimes, como os saques. Isso ocorreria porque as pessoas já não teriam mais renda e se veriam em uma situação que precisam alimentar a família. O Estado é fundamental em todos os momentos e, nesse, mais ainda. As pessoas mais carentes precisam de ajuda", afirma.

Já Felipe Storch Damasceno lembra que muitos dos trabalhadores informais não têm acesso tecnológico. Dessa forma, a maneira pela qual as empresas estão encontrando saída para atender o público, o delivery e as vendas on-line, e gerar receita se torna inviável para eles.  "A forma para lidar com isso hoje é a transferência de renda para esses trabalhadores. Caso isso não ocorra, o risco de ter um problema social é mais grave e veremos a linha da pobreza aumentar", aponta.

Ainda segundo o especialista, é preciso ter um trabalho paralelo de capacitação. Isso proporcionaria que, no momento pós-coronavírus, esses profissionais estejam melhor e consigam criar um contexto de geração de renda mais sustentável.

AUXÍLIO DE $ 600 DO GOVERNO FEDERAL

No Espírito Santo, cerca de 800 mil trabalhadores devem receber o auxílio emergencial de R$600 e R$ 1.800, segundo o Dieese. Cerca de 350 mil famílias estão inscritas no Cadastro Único, sendo 170 mil delas atendidas pelo Bolsa-Família.

Esse benefício, que ganhou o apelido de “coronavoucher”, já chegou a algumas famílias. Outras se inscreveram no aplicativo da Caixa e aguardam a conclusão da análise de dados. Algumas pessoas tentam regularizar questões cadastrais para conseguir pedir o recurso.

O problema é que muitas dessas pessoas não têm reserva financeira. O que recebem por dia é revertido em alimentos ou usado para pagar as contas de água, luz e o gás. O auxílio para essas pessoas passou uma questão de sobrevivência.

A proposta inicial do governo federal previa um benefício de apenas R$ 200, passando depois para R$ 300. O valor foi amplamente contestado pelos especialistas, que argumentavam que seria pouco. Porém, antes da votação – que aconteceu de forma simbólica, já que só participaram líderes partidários e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM) –, houve um acordo com o presidente Jair Bolsonaro  (sem partido) para que o benefício chegasse a R$ 600.

Com o texto sancionado pelo presidente, poderão receber o benefício: taxistas, motoristas de aplicativo, faxineiras, mulheres chefes de família, demais profissionais autônomos e microempreendedores individuais (MEIs) que pagam o INSS.

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