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Publicado em 30 de junho de 2025 às 18:23
O crescimento das casas de apostas on-line no Brasil e, consequentemente, do número de pessoas que veem o palpite rápido e na palma da mão como uma chance de complementar renda ou até de mudar de vida tem impactado diretamente no consumo e na renda das famílias brasileiras. O problema é quando isso se torna um vício e, consequentemente, um problema de saúde de pública. No Brasil e também no Espírito Santo, vêm aumentando os casos de afastamento do trabalho em função da compulsão em relação aos jogos.>
A facilidade de acesso e a promessa de ganhos rápidos atraem um número crescente de brasileiros à modalidade das bets ou de cassino on-line, como o Jogo do Tigrinho. Isso tem feito com que as apostas disputem espaço com outra formas de consumo, o que acaba reduzindo a renda das famílias disponível para alimentação, educação, saúde e lazer.>
Dados do Banco Central mostram que, só no ano passado, os brasileiros destinaram R$ 240 bilhões às bets. Esse cenário afeta não apenas a situação financeira das famílias, mas também a saúde mental dos envolvidos e também leva ao afastamento do trabalho, pela condição de saúde chamada ludopatia. >
O que é a ludopatia
Essa condição é reconhecida pela Classificação Internacional de Doenças (CID), sob os códigos F63.0 (jogo patológico) e Z72.6 (mania de apostas), que caracteriza um padrão de comportamento recorrente e compulsivo em relação a jogos e apostas, levando a prejuízos financeiros significativos e a sérios impactos na vida pessoal e profissional do indivíduo.
Dados do Sistema Único de Saúde (SUS) mostram que, em 2024, o Espírito Santo registrou três atendimentos ambulatoriais por ludopatia, sendo que o único registro nos anos anteriores tinha sido de um caso em 2019. >
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A condição também leva ao afastamento por auxílio-doença no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Dados do órgão mostram que, de janeiro de 2024 a abril de 2025, houve quatro afastamentos desse tipo no Espírito Santo, três deles por jogo patológico e um por mania em jogos e apostas.>
Segundo dados do INSS, os afastados por vício em jogo no Espírito Santo são de Viana, Aracruz, Cachoeiro de Itapemirim e Linhares, com idade entre 34 anos e 51 anos.>
Para a advogada especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho Tatiana Leão Tostes, o crescente número de afastamentos relacionados à ludopatia, ou jogo patológico, evidencia a gravidade desse transtorno e seus reflexos no ambiente de trabalho.>
Tatiana explica que, sob a ótica jurídica, especialmente nos campos previdenciário e trabalhista, o afastamento pode ser justificado quando o vício compromete a capacidade do trabalhador de desempenhar suas funções. Nesses casos, o profissional deve ser submetido a avaliação médica. Se constatada a incapacidade temporária para o trabalho, poderá haver concessão de benefício por incapacidade.>
"O reconhecimento da ludopatia como causa de afastamento reforça a necessidade de o empregador manter um ambiente de trabalho atento à saúde mental de seus colaboradores. Embora o afastamento e o tratamento sejam questões individuais e médicas, as empresas também desempenham papel relevante na prevenção, sobretudo por meio de programas de bem-estar e suporte psicológico", afirma.>
O psiquiatra Karisten Soares Martins detalha que o jogo patológico, também chamado de ludopatia, é um transtorno do controle de impulsos, em que a pessoa desenvolve uma compulsão por jogos de aposta, como cassinos, bingos, apostas esportivas e jogos on-line.>
Karisten Soares Martins
PsiquiatraO especialista destaca ainda quais são os impactos na condição no ambiente de trabalho. Martins afirma que, no contexto profissional, o jogo patológico pode causar:>
O médico destacou ainda que o número de afastamentos por jogo patológico tem aumentado significativamente no Brasil. Segundo ele, de junho de 2023 a abril de 2025, o INSS concedeu 276 auxílios-doença por esse quadro. Antes disso, a média anual era de apenas 11 casos por ano.>
"A maioria dos afastados são homens jovens, entre 18 e 39 anos, ou seja, em fase ativa da vida laboral. Esses números mostram que a ludopatia está se tornando um problema de saúde pública e previdenciária, exigindo atenção das empresas e do sistema de saúde", afirma.>
Para tratamento da condição, o psiquiatra afirma que é necessário psicoterapia, principalmente terapia cognitivo comportamental. E acrescenta que, em alguns casos, medicações como antidepressivos, neurolépticos e ansiolíticos também ajudam.>
Indivíduos nessa condição podem ainda sentir sintomas semelhantes à abstinência, conforme explicou a psicóloga da Bluzz Saúde Marília Zanette. Segundo ela, o vício em apostas ativa intensamente o sistema de recompensa cerebral que está associado à liberação de dopamina, neurotransmissor responsável pela sensação de prazer e reforço de comportamentos.>
"O cérebro começa a exigir estímulos cada vez mais intensos (apostas mais altas, mais tempo jogando). Quando não aposta, o indivíduo pode sentir sintomas semelhantes à abstinência, como irritabilidade, insônia e inquietude. Podendo contribuir para o desenvolvimento de transtornos mentais como depressão, ansiedade, abuso de substâncias e outros", explica.>
O afastamento do trabalho pode ser necessário quando o vício em jogos compromete seriamente a funcionalidade da pessoa, incluindo aumento de ausências no trabalho, queda de rendimento e foco e instabilidade emocional, de acordo com Marília Zanette. >
Ela detalha que o afastamento permite tratamento intensivo (psicoterapia, psiquiátrica, grupos de apoio e medicação); reduz exposição aos gatilhos; e dá tempo para restabelecimento psicológico e reestruturação cognitiva.>
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