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Quem é o médico que cuidou de Clarinha, a paciente misteriosa em coma por 24 anos no ES

Quem é o médico que cuidou de Clarinha, a paciente misteriosa em coma por 24 anos no ES

Exaltado pelo cuidado e empenho em tentar descobrir a identidade de Clarinha, que ficou 24 anos internada em Vitória, Jorge Potratz confessou que nunca imaginou que cuidaria de um mesmo caso por tantos anos

Publicado em 22 de março de 2024 às 16:18

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O coronel Jorge Luiz Potratz ficou conhecido nos últimos anos por ser o médico responsável pelos cuidados com Clarinha, a paciente em coma e sem identificação que ficou 24 anos internada e morreu na quinta-feira (14).

Capixaba de Santa Maria de Jetibá, na Região Serrana do Espírito Santo, Potratz conheceu Clarinha em junho de 2001, logo após ela dar entrada no Hospital da Polícia Militar (HPM). O médico tinha completado apenas um mês de trabalho no setor de enfermaria.

"Quando ela chegou, eu até fiquei meio revoltado, por assim dizer. Por que, como médico, você recebe um paciente, faz o diagnóstico, determina o tratamento e devolve a pessoa para sociedade. Curada, se for curável, ou com uma condição crônica que vai ser acompanhada pelo resto, se for o caso", relembrou.

Hoje, o médico aposentado de 61 anos vê na própria família a perpetuação da profissão, com a esposa, os dois filhos e as duas noras também seguindo a carreira na medicina.

Aposentado, o coronel Potratz ainda visita Clarinha toda semana.
Mesmo aposentado, o coronel Potratz visitava Clarinha toda semana no HPM. (Fernando Madeira )

Carreira médica

O sonho de estudar Medicina veio ainda criança, na fazenda do pai, Jorge Potratz. Parte do terreno da família foi cedido para receber uma escola para atender alunos de 1ª a 4ª séries em uma sala multisseriada na zona rural.

O coronel contou que sempre teve um olhar curioso sobre as coisas ao redor, gostava de animais e plantas, e falava sobre a vontade de seguir a profissão de médico para os pais e os cinco irmãos. Mesmo após sair do interior do ES, manteve algumas conexões, como a língua pomerana, que sabe falar até hoje.

Depois de passar por Fundão e Santa Leopoldina, chegou a Vitória para avançar nos estudos. Entrou para a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) na primeira tentativa, e depois teve diversas aprovações em especialização e em concursos.

Passou por hospitais privados, e, ainda na residência, entrou na Prefeitura de Vitória, primeiro trabalhando em unidade de saúde, depois como codificador de mortalidade, função que ocupa desde 1992.

O coronel aposentado Jorge Potratz, ele foi médico da Clarinha no Hospital HPM
O coronel aposentado Jorge Potratz, ele foi médico da Clarinha no Hospital HPM. (Ricardo Medeiros)

Ainda em 1989, fez o concurso para Médico Civil do Hospital da Polícia Militar (HPM), em Vitória. Em 1992, fez o concurso militar, foi também aprovado, se desligou como civil e entrou como tenente.

Ficou no setor de UTI nos anos de 1993 até 2001. Em maio do mesmo ano, assumiu o setor de clínica médica, onde chegou a ser diretor-clínico.

Contato com a Clarinha

A paciente sem identificação chegou ao Hospital da Polícia Militar já em coma, transferida de outro hospital, também em Vitória, onde havia ficado por um ano depois do acidente, que aconteceu em 12 de junho de 2000. Ela foi atropelada no Centro da Capital capixaba.

Logo no início do atendimento à paciente misteriosa, o médico percebeu que estaria diante de um caso desafiador por vários motivos, como o fato de Clarinha estar em coma e também por não ter qualquer tipo de identificação.

Aspas de citação

Mas ali, logo de cara percebi, que não ia rolar isso. Eu não tinha um nome, não tinha para quem entregá-la, e eram sequelas graves. Seria muito cômodo e fácil, leviano até, eu dar um encaminhamento qualquer para qualquer instituição

Jorge Luiz Potratz
Médico aposentado
Aspas de citação

"Fiz a primeira avaliação, vi que ela não tinha doença nenhuma, era saudável, para além do trauma involuntário surgido com o acidente. Percebi que ali tinha uma pessoa que iria depender completamente da gente. O que a gente planejasse para ela, seria executado. Se planejasse errado, tudo ia dar errado", contou.

Clarinha ficou internado por 24 anos no Hospital da Polícia Militar
Clarinha ficou internado por mais de duas décadas no Hospital da Polícia Militar, em Vitória. (Ricardo Medeiros)

Potratz disse que, já na época, não imaginava quanto tempo ela ficaria ali, naquela situação, internada. "Eu só imaginava que não ia ser fácil. E o meu objetivo a partir daquele momento foi tentar identificá-la", recorda-se

Nome carinhoso

O nome Clarinha, surgiu desde o primeiro dia, devido à cor da pele jovem paciente. O entendimento da equipe é que o nome "não identificada" seria incômodo e frio para o tratamento.

"Como ela era muito branquinha, a pele muito clara mesmo, a gente a apelidou de Clarinha. A ideia era que, se algum dia de fato aparecesse a família, a gente mudava novamente", disse o médico.

O coronel lembra das inúmeras tentativas feitas para se chegar a alguma informação. "Tentamos impressão digital - que ela não tinha -, tentamos buscar características semelhantes em registro de desaparecidos, tentamos a imprensa sem muito conhecimento naquela época. A própria diretoria do hospital não tinha um planejamento", lembrou.

"Assim, o tempo foi passando. As enfermeiras, técnicas, toda a equipe de maneira incansável! A gente medicava, via as intercorrências que surgiam, as meninas iam solicitando, fraldas, sabonete, creme… Quando fui ver já tinha se passado 17 anos, até o caso ganhar repercussão".

Inicialmente, a relação era apenas técnica, mas com o passar do tempo uma afetividade apareceu para toda a equipe. O próprio médico chegou a custear por anos alguns produtos de higiene pessoal da paciente.

Leito do Hospital HPM , onde a Clarinha ficou internada
Caixa com pertences de Clarinha ainda está no HPM, em Vitória. (Ricardo Medeiros)

"Enquanto eu estava no HPM, ia todo dia visitá-la, falava com ela, perguntava coisas, perguntava o nome dela, dizia que a equipe estava ali para ajudar", contou.

Aspas de citação

Nunca tive uma resposta. Algumas vezes, eu estava de um lado, chamava ela, ela virava o rosto. Em alguns momentos, ela chegava quase a sentar na cama, fazia movimentos involuntários. Até os pacientes que acompanhavam do lado ficavam assustados, falavam de fantasmas

Jorge Luiz Potratz
Médico aposentado
Aspas de citação

Para ele, os movimentos eram involuntários, mas nem por isso deixavam de impressionar. "A gente fica tão na dúvida quando isso acontece, porque dá a impressão que a pessoa está fazendo com vontade. Mas se repetia depois, não dava para medir isso. A gente pedia para virar, apertar a mão, e nada acontecia".

Cuidados, leitura os sinais e questionamentos

Clarinha dependia inteiramente da observação da equipe. "Por exemplo, ela menstruava todo mês, tinha cólicas, a barriga ficava distendida, a gente percebia e dava um analgésico". Ainda assim, nas duas décadas de internação, era considerada uma paciente saudável.

“Clarinha nunca teve uma ferida - o que seria comum em pacientes nessa situação -, não tomava remédios, era saudável, não teve gripe, covid, nada, tinha carteira de vacinação completa… Era apenas a sequela do trauma. Essa foi a primeira vez que teve intercorrência e necessitou de intervenção médica, e foi quando acabou morrendo”, disse a subtenente Jania Cecília Piva, enfermeira, lamentando a morte recente da paciente que acompanhou por mais de 20 anos.

Como foram muitos anos na enfermaria do HPM, em alguns momentos, aconteceram questionamentos de pacientes, acompanhantes e até pessoas do hospital sobre a ocupação do leito com a Clarinha.

“No meio da sensibilidade e da humanidade de alguns, existe a crueldade de outros. Eu sempre perguntava se a pessoa achava justo fazer um questionamento como esse sobre alguém com tamanha fragilidade, dependente de cuidados”, contou Jorge Potratz.

Olhando a situação da paciente que por mais tempo acompanhou no hospital, o coronel é grato para que aprendeu com ela. “Sem uma palavra, aprendi muito mais com a Clarinha em todos esses anos do que com muita gente. Aprendi sobre tempo, paciência… Se você não tiver aberto, não faz essa leitura. Ela tornou a minha visão mais humanizada, reforçou a importância de se colocar no lugar do outro. Eu sempre acreditei que dando o melhor da gente, já conseguimos grandes diferenças, e eu dei o meu melhor”.

Busca por Clarinha

De acordo com Jorge Potratz, além das cinco famílias que procuraram a Polícia Civil após a morte de Clarinha, outras três famílias procuram ele diretamente, já houve uma conversa e elas foram orientadas a buscar o Ministério Público para fazer os encaminhamentos. Uma seria do interior de São Paulo, outra de Brasília e uma da Bahia.

Com informações do g1 ES

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